Capítulo 3

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Meu pai sempre foi um bom homem, sempre trabalhou duro para levar comida a mesa e me criar com a melhor educação. Eu odiava decepcioná-lo, poucas foram as vezes que eu o fiz ficar triste. Uma nota baixa e uma briga de escola o deixou zangado comigo, mas logo eu pedi desculpas e aprendi minha lição.

Ele tentava compensar a falta de minha mãe. Esta que morreu a alguns anos atrás, pelo mesmo motivo de Harry estar no hospital me fazendo companhia nos dias que minha leucemia está menos agressiva.
Drogas.

Minha mãe tentava ser uma boa mulher, mas o seu vício a deixava em um estado deplorável. Meu pai tentou de tudo para faze-la largar o maldito desejo que a matava, mas nada adiantou. Bastava meu pai ir para o trabalho e eu ir para a escola que ela arranjava um jeito de ir para a rua a trás de seu vício.

Ela não pensava nas consequências -acho que nenhum viciado consegue pensar- e chegou a dever para pessoas de má índole.
Lembro-me da vez que invadiram minha casa, na hora meu pai estava fora e só tinha nos dois presentes. Três homens chutaram a porta e colocar minha mãe contra a parede, na época eu tinha entre 6 e 7 anos. Um dos grandes caras olhou para mim com um sorriso de lado.

"Vá para seu quarto garotinho" ele disse e eu logo atendi, mesmo com um pouco de receio sobre o que eles poderiam fazer com minha amada mãe.

Depois de algum tempo, ela bateu em minha porta, eu abri e lá estava minha progenitora, com feridas nos braços e o lábio cortado. De imediato eu a abracei, senti as lagrimas molhadas dela tocando meus ombros.

"Fique calmo" ela falou e segurou meu queixo para olhar em meus olhos "Vamos manter isso em segredo 'tá? Não vamos falar nada sobre isso para o papai"

Quando eu fiz 11 anos, eu já era um garoto sem mãe. No velório não havia ninguém presente sem ser eu e meu pai. Apenas nos dois iriamos sentir sua falta e lembra-la.

Eu entendo meu pai por querer ficar 7 dias por semana comigo no hospital, mas isso apenas o faria sofrer mais então pedi para que só me visitasse na terça-feira, que era o dia que eu não ficava horas dopado com remédios e cheio de injeções cobrindo meu corpo. E essas visitas sempre terminavam com meu pai chorando dizendo que não queria mais perder outra pessoa que ele amava, não queria ficar sozinho no mundo. Eu chorava junto e o abraçava dizendo que tudo iria ficar bem mesmo sabendo que não era bem assim que o mundo funcionava.

Ele achava que eu ando muito solitário considerando que nenhum de meus amigos vieram me visitar, então o médico o recomendou que me desse uma espécie de diário para que eu tivesse alguém -no caso algo- para desabafar. E esse tal diário é o que você está lendo nesse momento. Todas as minhas memórias e pensamentos estão escritos aqui.

Eu poderia falar sobre o meu tratamento ou sobre as várias pessoas que eu vejo em um estado muito pior que o meu, sendo que algumas destas são apenas crianças, mas não, decidi por mim mesmo dedicar essa história a alguém especial. Ele foi e é dono de meu corpo e alma, tudo que eu aguentei com certeza não suportaria sem ele.

Lembro-me o dia em que meu coração foi domado por Harry. Estávamos, como sempre, no tal refeitório branco e sem graça. Da janela se via o céu tão cinzento quanto Harry no dia em que nos conhecemos, o clima nem tão frio e nem tão quente, estava agradável ao meu ver. Mas não para ele. Harry gostava de um clima quente:

"Com o dia quente, eu me sinto mais vivo" me explicava quando eu questionei sua preferência "No frio queremos apenas ficar deitados e cobertos. Frio se assemelha a morte"

Ele era tão fascinante.

O silencio parava entre e envolta a nós, o refeitório estava vazio por já ter passado o horário do almoço e mesmo depois de ter comido aquela substancia estranha e sem cor que aqui é chamado de comida, eu não queria ir embora.

Observando uma arvore de tronco largo e folhas marrons do lado de fora as palavras saíram de minha boca sem passar pela a parte do meu cérebro que decide o que eu devo ou não falar:

"Vamos naquele jardim"
Ele, para minha surpresa e alegria, concordou.

Fomos caminhando pelos corredores calados -uma hora ou outra, alguns dos pacientes me cumprimentava e sorriam, eu conheci boa parte das pessoas que residiam naquele local em minhas poucas caminhadas permitidas pela minha doença.
Finalmente chegamos na parte dos fundos daquele hospital. Naquele jardim pouco frequentado tinha poucas regras:

-Não coma
-Não grite
-Não corra

Aquele lugar era basicamente um local para relaxamento e meditação. Perfeito para nós.
Sentamos na arvore que avistávamos da janela do "nosso" lugar e mantemos o olhar fixos no céu nublado.

"Por que veio falar comigo? Quer dizer, naquele dia eu te tratei tão mal e você mesmo assim é.... meu amigo? '' Harry disse a palavra amigo de forma tímida e baixa. O que eu achei um tanto quanto fofo.

"Por que gostei do seu cabelo" respondi e ele me olhou com a sobrancelha arqueada

"Fale sério por favor"

"Estou falando! " Ri de sua cara emburrada "E acho que foi também porque você sempre estava no mesmo lugar e seus olhos..." minha boca travou. Vergonha? Mais que isso

"Meus olhos? " Ele estimulou

"Seus olhos eram, quer dizer, são bonitos. Eles são misteriosos"

Depois do que eu disse automaticamente meus olhos grudaram nos seus. E o mesmo mistério, beleza e sensualidade vistos anteriormente por mim podiam ser encontrados em seus orbes. Tudo pareceu ter parado como no nosso primeiro "encontro".
Começava a chuviscar e senti o vento bater mais forte contra minha pele pálida pelos remédios, mas nada disso foi capaz de cortar nosso contato visual. Os sentimentos que era transmitido pelos olhos não poderiam ser descritos nem se eu quisesse, a intensidade do momento era indescritível.

A partir daquele momento minha vida era dele, meu mundo era ele, todo meu ser pertencia a ele e mais ninguém. Naquela época meu eu não podia reconhecer e entender os sentimentos que até hoje ainda estão presentes em mim tão fortes como naquele dia.

Eu era de Harry e queria que Harry fosse meu.

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