Gerenciando Informação

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  Em pesquisa recentemente realizada nos Estados Unidos, chegou-se à conclusão de que,entre as competências necessárias para que o País continue líder mundial no próximo século, está a de gerenciamento da informação por meio da comunicação oral e escrita,ou seja, a capacidade de ler, falar e escrever bem. Isso nos leva a pensar muito seriamentena necessidade de desenvolver essas habilidades, pois passamos a maior parte do tempodefendendo nossos pontos de vista, falando com pessoas, tentando motivar nossos filhos. 

Já é coisa sabida que o mais importante não são as informações em si, mas o ato detransformá-las em conhecimento. As informações são tijolos e o conhecimento é o edifícioque construímos com eles. Mas onde é que vamos buscar esses tijolos? A maior parte daspessoas os obtém unicamente dentro da mídia escrita e falada. Ora, desde 1924, filósofoscomo Theodor Adorno, Walter Benjamin e, mais tarde, Herbert Marcuse e Erich Frommnos alertaram sobre os perigos da cultura de massa e da indústria cultural. Na verdade, amídia nos oferece uma espécie de "visão tubular" das coisas. É como se olhássemosapenas a parte da realidade queela nos permite olhar, e da maneira como ela quer quenós a interpretemos. 

Há alguns anos, depois da queda do presidente Ferdinand Marcos, das Filipinas, os jornaisdo mundo inteiro publicaram uma foto do closet da primeira-dama, Imelda Marcos, dandodestaque a uma incrível quantidade de pares de sapatos lá existente. Por causa disso,Imelda passou a ser conhecida mundialmente como uma mulher fútil, por possuir umaenorme quantidade de sapatos. Durante seu julgamento, na Corte Federal da cidade deNova York, ao fim do qual foi absolvida, os jornais locais enviavam repórteres ao tribunal,com a exclusiva missão de fotografar-lhe os pés, para que pudessem publicar, no diaseguinte, o modelo que ela estaria usando. O resultado foi frustrante, pois ela usou, emtodas as sessões do júri, um mesmo par de sapatos pretos. Por essa época, elaconfidenciou a seu advogado Gerry Spence1 que nunca tinha comprado aqueles sapatosdivulgados pela mídia. Nas Filipinas, há muitas fábricas de sapatos e, todos os anos, elarecebia dessas fábricas, gratuitamente, coleções completas deles, pois todas queriamproclamar que a primeira-dama usava seus produtos. Ora, Imelda calçava um númerogrande e, por esse motivo, era sempre difícil encontrar outras mulheres a quem pudessedar os seus sapatos. Jogá-los fora seria pior, uma vez que isso iria produzirconstrangimentos junto aos fabricantes. Ela, então, simplesmente colecionava-os. Apesardisso, até hoje a maior parte das pessoas ainda conserva a imagem da esposa deFerdinand Marcos, imposta pela mídia, como uma pessoa fútil, atacada de uma espécie dedoença mental, por possuir uma quantidade imensa de sapatos. 

Além do alinhamento de pontos de vista, existem ainda os processos de manipulação.Durante a Guerra do Golfo, as televisões do mundo inteiro exibiram duas imagens de forteimpacto: uma delas mostrava incubadoras desligadas pelos iraquianos, com criançasprematuras kwaitianas mortas; outra, pássaros sujos de petróleo por uma maré negraprovocada também pelos iraquianos. Ambas as imagens eram falsas. As incubadoras eramuma montagem. A maré negra era real, mas tinha acontecido a milhares de quilômetrosdos "cruéis" iraquianos2.

 Como nos defender de tudo isso? Simplesmente, obtendo informações em outras fontes.Quantos livros você leu no ano que passou? Informativos e formativos? E literatura?Quando falo em literatura, não me estou referindo aos best-sellers, mas aos clássicos.Você já leu Shakespeare, Thomas Mann, Goethe, Machado de Assis? Parece uma tarefadifícil, mas não é. Hamlet de Shakespeare, por exemplo, é uma peça de teatro que se lêem dois dias! E quanta coisa se aprende sobre a alma humana! 

Paul Valéry, um grande poeta e crítico francês, nos diz a respeito da leitura de ficção:"Penso sinceramente que, se todos os homens não pudessem viver uma quantidade deoutras vidas além da sua, eles não poderiam viver a sua". Isso também não é novidade,para o grande escritor peruano Mario Vargas Llosa, que diz:

 Condenados a uma existência que nunca está à altura de seus sonhos, os seres humanostiveram que inventar um subterfúgio para escapar de seu confinamento dentro dos limitesdo possível: a ficção. Ela lhes permite viver mais e melhor, ser outros sem deixar de ser oque já são, deslocar-se no espaço e no tempo sem sair de seu lugar nem de sua hora eviver as mais ousadas aventuras do corpo, da mente e das paixões, sem perder o juízo outrair o coração3. 

Por meio da leitura, podemos, pois, realizar o saudável exercício de conhecer as pessoas eas coisas, sem limites no espaço e no tempo. Descobrimos, também, uma outra maneirade transformar o mundo, pela transformação de nossa própria mente. Isso acontece,quando nós adquirimos a capacidade de ver os mesmos panoramas com novos olhos. 

Mas, além da ficção, podemos ler também outras obras importantes, como Casa-Grande eSenzala de Gilberto Freire ou A Era dos Extremos - O Breve Século XX, de Eric Hobsbawm!Vale a pena também ler o livro intitulado O Mundo de Sofia, do autor norueguês JosteinGaarder. Trata-se de um romance que conta a história da filosofia, emoldurando as liçõesdentro do cotidiano de uma menina de quinze anos de idade. Enfim, leitura é umprograma para uma vida inteira. 

Talvez, no início, você encontre alguma dificuldade, mas, à medida que for lendo, verá queo próximo livro sempre fica mais fácil, pois seu repertório vai ganhando aquilo que osfísicos chamam de "massa crítica" e, a partir daí, você terá condições de fazer uma leituramais seletiva da mídia, criticar as informações e construir um conhecimento original.

 A propósito, a revista Veja publicou, em 1998, alguns comentários sobre o ensino dasHumanidades na Liberal Art School de Middlebury, nos Estados Unidos. Vale a pena leralguns trechos desses comentários:

  Essa é a essência da educação por meio do estudo das humanidades: desenvolver opensamento, sem nenhuma utilidade ou objetivo prático. Educa-se a cabeça, aprende-se apensar, estudando literatura, grego, filosofia. No final das contas, é supremamente útil.Cabeça feita não é pouca coisa. É essa gente, afiada no estudo dos clássicos, que asgrandes empresas querem contratar. As empresas citadas na lista das 500 maiores pelarevista Fortune não vão procurar administradores ou engenheiros para os seus futurosquadros dirigentes, mas sim essas pessoas ilustradas nos clássicos e que poucas disciplinas"práticas" cursaram4. 

  1. Gerry Spence, How to Argue and Win Every Time, pp. 94-96. 

2. Cf. Philippe Breton, A Manipulação da Palavra, p. 12. 

3. Mario Vargas Llosa, Caderno Mais, Folha de S. Paulo, 1995.   

4. Vqa, an" 31, n. 33, p. 112.  

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