☣II☣

15 0 0
                                    

A sala do Lian era incrivelmente espaçosa, cheia de estantes preenchidas com velhos livros, grandes janelas com persianas cor bege, quadros coloridos por toda parte, miniaturas de prédios e de casas espalhados pelas prateleiras de vidro, uma mesa com design futurista, um notebook sobre ela e por fim, meu irmão, sentado na cadeira confortável na frente à tela brilhante, completamente distraído, geralmente emanava extrema confiança a qualquer pessoa que se deliciasse com sua presença, porém, hoje eu senti que algo o incomodava, uma sensação de desconforto tomou conta de mim, seu cabelo estava despenteado, suas olheiras profundas e seu terno bagunçado.

- Então irmão, o que está acont... - Fui interrompida.

Lian fez sinal com as mãos para nos sentarmos, o dia estava cada vez mais estranho. Ele prosseguiu com o tac tac irritante das teclas e John encarava-o. Ele fechou os olhos e respirando profundamente passou a mão em seu cabelo desgrenhado, eu conhecia bem aquela mania. Sempre fazia isso antes de falar sobre um assunto difícil, mas o que teria ele a dizer?

- Você já sabe o porque está aqui, certo John? - Lian o encarou com seus olhos azuis.

John engoliu a seco, mas nada respondeu. Eu encarava os dois, sem saber para quem olhar.

- O selo foi rompido. O fim começou. - Continuou Lian.

Com essas poucas palavras um cala frio percorreu meu corpo, Lian estava suando frio e John estava assustado.

- Lian, não há nada que possamos fazer? Isso já aconteceu antes, lembra?

- Infelizmente não. Da última vez tínhamos a Olívia, ela conseguiu selar a fissura, mas desde então ela foi sugada sabe-se para onde.

- Podemos procurá-la, pedir sua ajuda novamente.

- Ei, mas o que diabos vocês estão falando? Não entendi bulhufas. Por acaso comeram comida estragada ou fumaram alguma coisa? - Eu estava confusa e com raiva.

- Luci, não posso te explicar tudo agora. Você está aqui porque faz parte disso também, sua linhagem sanguínea é uma das mais antigas do multiverso. E se algo der errado, não quero que se machuque. Me prometa uma coisa: se algo der errado fuja, corra o mais rápido que puder, esconda-se e sobreviva. Não olhe para trás.

Uma ponta de tristeza cruzou seu olhar enquanto dizia aquelas palavras, se ele não estivesse sério eu iria rir e até soltar piadinhas, mas algo me diz que a situação está ruim. Muito ruim.

- John, já sabe o que fazer não é? - Meu irmão virou-se ficando de costas para nós e endireitou seu corpo.

- Temos que ir. - Disse John me arrastando pelo braço.

Eu bati o pé no chão, endureci meu corpo e esbravejei:

- De jeito nenhum, me expliquem agora o que está acontecendo. Não me movo até saber.

- John.. - Sussurrou Lian olhando por cima dos ombros.

John me levantou do chão, me colocou bruscamente no ombro sem dizer uma única palavra e saiu andando porta a fora.

- Lian, ei. Irmão, ao menos venha conosco. - Algo me dizia que se eu saísse pela porta essa seria a última vez que eu o veria. Lágrimas brotaram em meu rosto assustado. Não pelo fim do mundo estar próximo, mas porque Lian decidira ficar, a palpitação em meu peito estava mais intensa, o calafrio na minha espinha dorsal não me abandonavam a sensação ruim só piorava.

- JOHN!! Ei seu maldito me coloque no chão, falo sério.

- Luci, eu sinto muito. Cada um deve cumprir a sua missão, a do seu irmão é ficar e tomar conta das coisas por aqui, não vou mentir pra você, vão piorar e muito. Já a minha missão é te proteger. Ele sabe disso, você nunca estará fora de perigo perto dele.

Eu senti o corpo do grandão estremecer, ele estava chorando? Isso era algo que nunca pensei ser capaz de acontecer. Minhas tentativas de me desvencilhar de seu braço eram em vão, simplesmente deixei que me guiasse até a saída. O chão começou a tremer, o prédio chacoalhava, ainda assim as empregadas estavam firmes e agiam como se nada estivesse fora do normal.

- Por que elas ainda estão aí? - Apontei.

- Hm?! Não entendi. - Respondeu John confuso.

- As atendentes, porque elas estão agindo como se nada estivesse acontecendo?

- Ahh tá. Elas são as seguranças do seu irmão, são apenas demônios. - Respondeu tranquilamente.

- Oi?! É o que? Demônios? Você não está falando sério né?

John gargalhou, esqueceu por um momento de tudo o que estava prestes a acontecer.

- Logo você se acostuma com isso, esse mundo. Não, esse universo - corrigiu. - é maior do que imagina, ou você acha mesmo que os humanos tem imaginação o suficiente para inventar todas essas histórias, seres e lendas a respeito de algo que sequer existe?

Ele estava brincando né? Selo? Fissura? Linhagem? Demônios? Missão? Ele pensa que está onde? Num filme clichê? Isso não é real, é apenas uma pegadinha de mal gosto.

- As lendas foram feitas em cima de criaturas reais, embora a imaginação dos humanos seja algo surpreendente, não chega a tanto.

- Você está completamente louco. Pensei que tivesse parado de beber.

John gargalhou como se eu fosse a louca e ignorou completamente o que lhe disse.

- Vamos, temos que nos apressar. - Disse ele ao me colocar no chão.

Em silêncio eu o segui pela saída em direção ao carro, o céu continuava a briga entre nuvens e relâmpagos. Ninguém se encontrava nas ruas, deviam estar em suas casas se escondendo sob o cobertor espesso.

- Aonde vamos? - Perguntei antes de entrar no carro.

- Primeiro precisamos de outra pessoa, depois nosso destino será a Flower Town.

- Mas não dizem que a entrada lá é proibida? Eu soube que nem nosso governante é autorizado a entrar.

- É uma área privada, mesmo que seja chamada de cidade, la é somente algo próximo de uma comunidade, afinal tudo pertence a uma única pessoa. Nem sei o por que a nomearam de cidade.

- Ahh tá. - Fingi interesse.

Entramos no carro em silêncio, John estava inquieto, sua aura parecia agitada e seu rosto ainda esbanjava feições de preocupação. As rachaduras no céu permitiam que finos feixes de luz tocassem as muitas janelas dos apartamentos de classe média. Todavia o tempo estava um completo caos, o vento estava forte como se quisesse arrancar as árvores, a chuva, embora estivesse fraca, dançava conforme o vento o que tornava a visibilidade baixa, as ruas estavam completamente desertas, devo supor que todas as pessoas estavam em suas casas com medo do tempo ruim. O carro de John balançava, mas resistia enquanto avançava pela pista escorregadia. Passamos por incontáveis ruas até nos afastarmos da cidade, deixando para trás a típica placa de "volte sempre", o tempo melhorava conforme nos afastávamos, mas ainda continuava confuso. Após cerca de 20 minutos na rodovia, entramos por uma estrada de terra, na qual havia várias placas de alerta indicando ser uma propriedade privada, eu estava tão cansada que nem tive ânimo para questionar.

Entre Dimensões: GrimoireOnde histórias criam vida. Descubra agora