Enquanto eu tentava processar as informações das últimas horas, John servia o que deveria ser meu almoço, mas pela hora tornara-se o jantar e Akim continuava na mesma posição, rugas eram formadas em sua testa demonstrando preocupação. Todos comemos em silêncio, John havia feito sopa. Eu odeio sopa, mas o caso era: John quem fez e quando eu recuso algo dizendo que não gosto, ele sempre costuma me dizer: " Lú, como pode dizer que não gosta, se ainda nem provou?" E no fim eu acabava comendo, enganada como uma tola. Estava boa até, isso é o que os grandes chefes costumam causar nas pessoas, pegar algo que você odeia e fazer com que ao menos seja comestível. Pelo menos agora meu estômago ia parar de rugir como um leão furioso e de doer como se as lombrigas brigassem pelo último pedaço de alimento ou pra devorar umas às outras. Nunca se sabe.
- Então Akim, você ainda tem o velho Hank em? - disse John rindo.
- O vira latas aí? - apontou Akim. - Pois é. Mais morto do que vivo não é garoto? - Ele gargalhou.
O cachorro moveu a cabeça na direção deles e encarou-os com as orelhas em pé.
- A audição dele continua afiada. - Falou John aumentando o volume de seus risos.
Parece que eu estava errada e a relação entre eles era melhor do que eu esperava.
- Falando sério agora pai. - Akim voltou a franzir a testa. - Qual é o plano?
John fechou os olhos, coçou a cabeça e suspirou. Sem planos. Entendi. Ele não tinha um.
- Eu não sei, mas temos que ir para Flower Town precisamos encontrar alguma pista sobre a Olívia. Fiquei sabendo que lá foi o último lugar em que ela foi vista.
- John, meu irmão não falou que essa tal de Olívia está sumida e que é impossível encontrá-la?
- Luci, - ele sorriu. - entenda uma coisa, nesse mundo tudo é possível, o que chamam de impossível apenas demora mais. Tenha como exemplo o avião, séculos atrás diziam que para um mamífero, ainda mais um humano, voar era impossível. Hoje todos voam e acham natural.
- É verdade. - Aceitei.
- Quando vocês pretendem partir? - indagou Akim.
- Vocês?! Não. Nós. - John o encarou. E olhando o relógio em seu pulso prosseguiu: - Exatamente... Agora. - Ele levantou e foi em direção à porta.
- Eu não me lembro de ter aceitado ir com vocês.
Apesar de Akim ter dito isso, não demorou mais do que segundos para ele pegar uma bolsa sob a cama e se dirigir à saída. Seu rosto parecia o de alguém mal intencionado, diabólico eu diria. E feliz ao mesmo tempo.
- Vamos Luci, a aventura vai começar! - Akim sorriu com o canto da boca.
Dito isso não me restou nada além de segui-los, seja lá qual for nosso destino final. Lancei um último olhar para a casa e saí.
- Hank, garoto. Vamos! - Gritou Akim.
- Você vai mesmo levar esse vira latas? - Desaprovou John.
- O que? Ele é da família, não vou deixar ele ficar. Se é pra morrer que seja todos juntos. Além do mais eu garanto que o velho Hank aqui nos será útil.
Akim realmente tem o dom de nos fazer confiantes. Do jeito que falara parecia mais que estávamos indo para uma missão suicida, eu tentava me acalmar, mas ele tinha razão. Estávamos indo para uma verdadeira armadilha do diabo. Maldito pessimista, isso era o que menos precisávamos: "pessimismo". O cachorro de pelugem negra e olhos esverdeados levantou e vagarosamente nos seguiu porta afora, era loucura levar aquele cachorro, no que ele seria útil? Só se for pra bater as botas no caminho, ocupar espaço e dormir. Agora que penso nisso, ele nem tinha comido, isso explicava sua magreza esquelética. Enquanto ele caminhava sua pele flácida balançava de um lado para o outro, o cachorro era quase que, literalmente, pele e ossos.
Entramos no carro, John dirigindo eu do lado e Akim e Hank nos bancos traseiros. Era noite, não que isso mudasse muita coisa, o dia hoje era apenas nuvens negras, trovões, chuva e um vento forte e gélido.
- Apertem os cintos, chegaremos em Flower Town ao amanhecer. - Ele sorriu.
John não servia para ser comediante. O único problema foi eu imaginar que ele não estava falando literalmente. Deu ré e virou como se estivesse fugindo da polícia, seguiu pela estrada de terra rapidamente desviando dos buracos. Ele sorria enquanto controlava o carro para não ceder aos obstáculos.
- Ele era piloto. - Balbuciou Akim.
- O quê? - perguntei.
- Esse exibido aí já foi piloto de corrida. Tudo pela adrenalina. - Ele fechou os olhos e encostou suas costas no banco.
- Essa é nova John, você sempre escondendo as melhores coisas de mim.
- Não era bem um segredo Lú, você nunca me perguntou a respeito. - John deu de ombros.
- Ahh tá. - Respondi revirando os olhos.
Enfim saímos da estrada de terra. Era um alívio saber que estávamos por fim no asfalto molhado, deixamos a depressão para trás e avançamos deslizando na pista molhada. Era noite, a estrada com suas curvas negras tomadas por uma neblina densa era iluminada somente pelos faróis do automóvel.
- Ei Akim, já que o John seria o meu "guardião". - Me senti idiota falando isso, quase com vergonha. - Qual o seu papel nessa história?
Ele riu. Com os olhos ainda fechados e passando a mão na cabeça do velho Hank respondeu:
- Eu deveria ser o seu guardião. Mas recusei. - Articulou rapidamente.
A enorme quantidade de informações proferidas a mim nas últimas horas e o barulho do motor que ecoava em meus ouvidos atrapalhava os pensamentos. Quanto mais perguntas fazia, mais dúvidas eram expostas. Meu rosto esboçava uma expressão confusa.
- Você não entendeu, não é? - Disse Akim. - Bom, esse é o negócio da família Novac. Proteger todos da linhagem Heartway. O meu pai aí é protetor do seu irmão, mas como eu recusei o trabalho da família, seu irmão preferiu proteger a você do que a ele. Enfim, há muitas coisas que você não sabe e provavelmente termine sua vida sem saber de tudo. Afinal nem ele - apontou para John - sabe de toda a história.
- Prefiro coisas mais simples, isso se a aplica a pessoas também.Vocês são muito complicados pra meu gosto. - Falei sem dar importância.
Decidi não mais fazer perguntas tolas, não daria em nada mesmo. Quanto mais me contavam, menos eu, de fato entendia. Estava imersa em meus pensamentos, John de olho na estrada nem piscava e Akim, não sei se dormia ou se apenas tentava, quanto ao Hank ele permanecia na mesma posição: deitado no banco traseiro com a cabeça sobre o colo de seu dono. A estrada estendia-se na imensidão do horizonte, eu lutava firmemente com as pálpebras para permanecer de olhos abertos, não sei se fora o sono ou o cansaço. Mas eu, por fim, perdi a batalha.
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Entre Dimensões: Grimoire
General FictionOs mundos entravam em colapso, ameaçavam libertar seres malignos selados no mais longínquo espaço-tempo. Após longos séculos o selo ameaçava romper. A maga cujo último feito conhecido fora reforça-lo, sumira entre as dimensões. "Avançamos em direçã...