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A cabana era velha e com suas grossas tábuas e troncos desafiava a chuva e permanecia firme em meio ao tempo caótico. John empurrou a porta que estava entreaberta, bateu os pés na entrada para derrubar a metade da lama e entrou sem cerimônias no velho lugar. O chão era de madeira, havia uma lareira acesa e em sua frente uma cadeira de balanço que a primeira vista parecia confortável, um tapete peludo ao chão, mesas e cadeiras rústicas no canto esquerdo feitas também com madeira e ao lado direito, subindo um único degrau uma cama com lençóis velhos e amarrotados.

Vazia.

Se não fosse um velho cachorro, que estava mais pra morto do que vivo, deitado sobre o tapete, o qual camuflava-se no meio dos pêlos negros, a casa estaria completamente vazia. John, no entanto agia como se a casa fosse sua, tirou o casaco e jogou sobre uma das cadeiras ao redor da mesa e com passos largos dirigiu-se a uma espécie de "pia", era na verdade um balcão de mármore que dividia a "sala de jantar" e a sala com a lareira e no canto do balcão uma torneira. Ele abriu o armário abaixo do balcão, pegou alguns legumes e começou a corta-los. O silêncio se tornara insuportável, mesmo que houvessem muitas perguntas a serem feitas preferi permanecer em silêncio e puxando uma cadeira me sentei.

A porta abriu com um rangido e nós, os invasores, concentramos nossa atenção ao visitante. Ele não fez nenhum tipo de alarde, fingiu que não havia ninguém, estava trajando botas impermeáveis um longo casaco que escorria água e um boné num tom que ia de laranja a marrom de acordo com o ângulo.

- Você demorou. - disse enquanto tirava sua roupa molhada. - Quando vi os sinais, imaginei que viria.

- Como sempre, você anda prevendo coisas demais Akim. - John respondeu num tom sério.

- Se você está aqui e trouxe a garota junto é porque o mundo está acabando. Literalmente, é claro. - Gargalhou.

Meu pressentimento diz que são velhos conhecidos, mas não se dão muito bem e esse reencontro não é sinal de coisa boa. O homem retirou o boné e de costas bagunçou seu cabelo com as mãos e logo depois ajeitou, virou. Não era um homem velho como pensei, mas um garoto que devia ter quase a minha idade.

- Há quanto tempo não o vejo, pai. - sorriu.

Senti uma tensão no ar, como se houvesse milhares de agulhas espetando meus membros. Eles nem pareciam pai e filho, primeiro pela forma como se tratavam e segundo eles não tinham a mínima semelhança. O garoto tinha sarnas, sua pele branca castigada pelo sol tornara-se rosa, seu cabelo era ruivo e suas feições delicadas, quase como se fosse uma garota, barba então, nem se via. Nem precisava dizer que era quase o completo oposto de John, fico imaginando se ele não seria adotado ou puxara a mãe. Lian nunca comentou sobre John ter um filho.

- Então garotinha, como se sente sendo arrastado pelos quatro cantos pelo meu pai mandão? - disse Akim indo até mim.

- Deixe ela fora disso! - Refutou John.

- Pai. Se ainda não percebeu, ela já está envolvida. - ele olhou para o pai e continuou: - Ou devo dizer que ela é o motivo?!

- AKIM!! - gritou.

- O quê? E ainda por cima não contou nada a ela? Meu Deus. - indignou-se.

- EI! Parem de falar como se eu não estivesse aqui, por favor. Ninguém me conta nada, somente despejam pequenas informações a sua própria vontade. Me contem agora o que diabos está acontecendo, se não eu não me movo daqui. E você John, nem se aproxime, que dessa vez vai ser diferente. - Despejei.

- E agora sabidão, o que você fará?! - Disse Akim soltando pequenos risos.

- Bom Luci. É complicado. - Respirou fundo.

- Não pai. Não é complicado. Olha Luci, há muito tempo -

- AKIM! - interrompeu John.

- Não me interrompa John! Se você não quer contar eu conto.

John mexeu os lábios em sinal de desaprovação, mas Akim levantou o braço, John revirou os olhos e se calou.

- Continuemos. Há muito tempo, antes do mundo como conhecemos hoje existir, havia um único mundo. Todas as criaturas viviam aqui, na dimensão zero. Hoje, há guerras certo? Naquela época também, mas os muito poderosos brigavam entre si, enquanto os fracos se escondiam com medo da extinção. - Ele deu uma pausa e puxando uma cadeira sentou-se. - Nesse meio tempo, guerra vai e guerra vem. Surgiu um ser muito poderoso de uma raça inferior que matou esses "briguentos" e colocou o mundo em ordem, digamos assim. Mas é aquela coisa, sempre tem alguém que aparece pra discordar e no ápice da batalha os ataques eram tão ferozes que dimensões semelhantes a nossa surgiram e para que as batalhas terminassem as raças foram separadas e mandadas para outras dimensões e por fim seladas para que não fosse possível transitar entre elas, é claro que há quem consiga. Mas isso é outra história.

- E o que vocês têm a ver com isso? - resmunguei.

- Nós somos os descendentes dos que forjaram esse selo. - Olhou de soslaio pra mim enquanto eu o encarava. - É, eu também acho idiota isso tudo. Você deve estar tendo dificuldades pra entender, eu também teria. Caso tivesse tido uma criação normal.

- E você quer que eu acredite nisso tudo? - Disse-lhe incrédula.

John permanecia calado, cozinhando de improviso na lareira e às vezes olhava com o canto do olho logo em seguida voltando sua atenção para o que seria nosso jantar.

- Você não precisa acreditar. Só estou respondendo a sua pergunta.

Eu estava confusa, se aquilo tudo fosse verdade as peças se encaixavam, havia agora somente duas coisas que eu queria saber. Ah droga, estou mesmo levando em consideração ser tudo verdade? Por enquanto vou fingir que acredito e deixar que contem suas versões, depois decido mesmo se acredito ou não.

- Faltou você responder o porquê esse maldito selo está falhando agora é o que eu tenho a ver com isso. - Disse como se estivesse louca, mas tenho que entrar no jogo.

- Quanto ao selo, é simples. Ficou fraco e com as investidas dos caras lá... - John o interrompeu.

- Akim, tenha modos. Esses "caras" são as outras raças que não ficaram feliz com a separação. Eles estão querendo que o mundo volte a ser o que era. E já que comecei, vou continuar. Quando você nasceu houve algum tipo de ressonância por todas as dimensões que de alguma forma abalou o selo e o enfraqueceu. Não nos pergunte como ou o porquê, nós apenas sentimos. - Disse John em tom sério e ainda concentrado em cozinhar.

Eu já tinha esquecido a fome, já era noite e eu nem havia almoçado. Meu estômago rugia, mas minha mente estava preocupada demais pra se importar com uma simples dor no estômago.

- Então é isso minha cara Luci, o motivo do selo estar assim foi você. E antes que pergunte o porquê só agora ele está se rompendo. O motivo é simples, quando você nasceu percebemos que o selo enfraqueceu, um outro selo foi feito por cima e agora que a maga está sumida é apenas questão de tempo. - Disse o despreocupado e sarcástico Akim. - Pai, estou com fome. Rápido com isso.

Akim se desajustou na cadeira, deixando seu corpo fino quase deitado, cruzou as pernas e levando os braços por detrás da nuca fechou seus olhos e Respirou fundo. Preocupado. Se tornou óbvio que essa história de que estava aceitando isso numa boa era mentira. Ele é tão transparente e, sem perceber, um pequeno sorriso percorreu minha face.

Entre Dimensões: GrimoireOnde histórias criam vida. Descubra agora