☣VII☣

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Uma segunda prateleira caiu fazendo com que a figura esquelética se destacasse em meio a bagunça. Era um homem de meia idade com barba e cabelos longos, bem magricela e com olhos negros brilhantes.

- Corram! - Gritou John.

Não tinha saída. Estávamos encurralados no fundo da sala, Beatrix encarava os monitores preocupada e ignorou completamente a presença do visitante. Agora, nossa preocupação. Não. A preocupação dela, deveria ser o homem a nossa frente, que nos encarava com seu olhar frio.

- Pai! - Gritou Akim correndo na direção de John.

- Não venha! - tentou alertar.

Tarde demais. A criatura franziu as sombrancelhas virando sua atenção para Akim, que não se importou em ser seu alvo, o homem estendeu seu braço direito colocando força, seus poucos músculos se contraíram e suas unhas, antes bem aparadas, cresceram instantaneamente e transformaram-se em garras longas e afiadas. Akim não se conteve, viu as garras indo em sua direção e com uma ação rápida agachou e rolou para frente, desviando. John agonizava sob a estante metálica enquanto tentava soltar-se.

- Então você quer brincar? - Akim soltou um sorriso discreto.

Akim levantou num pulo e montou a base. Pés afastados, um na frente e outro pouco atrás, com braço esquerdo dobrado levou sua mão em frente ao rosto, deixando-a no nível do queixo, seu braço direito também dobrado elevou até ficar pouco a frente da esquerda, na mesma posição. O homem desajeitado se virou, abriu os braços e utilizando do mesmo artifício fez com que as unhas de sua mão remanescente se tornasse perigosa também. Ele soltou um grito. Num rápido movimento seu braço percorreu o ar horizontalmente na direção de seu adversário, que deu um passo a frente e agachou o suficiente para que o ataque passasse por cima de sua cabeça. Akim ao levantar desferiu um soco na carcaça pálida que dando um passo para trás recebeu o ataque, soltou um urro, mas se recompôs em segundos e voltou a desferir ataques violentos e sem muita coordenação no pobre jovem que suava frio enquanto se concentrava em desviar. Akim demonstrava sinal de cansaço, enquanto o homem grisalho nem suava. Beatrix pressionou algumas últimas teclas, puxou o pendrive da cpu veio em minha direção.

- Ele não vai aguentar por muito mais tempo, pegue isso. - estendeu a mão segurando o pendrive cinza. - Vou segurá-lo, vocês tem 2 minutos pra sair daqui. Depois que comecei a envelhecer eu enfraqueci. - AKIM! Você sabe o que fazer. - Ele respondeu em silêncio, acenando com a cabeça.

A mulher magricela fechou os olhos, encheu seus pulmões com o ar pesado da sala e por alguns poucos segundos prendeu a respiração, soltou o ar pela boca. Ela foi até John segurou a estante com a mão esquerda, um vapor esbranquiçado emanou. Com pouco esforço a estante se moveu alguns centímetros na direção do teto. John rolou para o lado, por fim se desvencilhando do móvel pesado. O ar da sala se tornara gélido criando uma neblina fina, após uma olhada ao redor percebi que esse vapor frio emanava da velha senhora, eu poderia ter aberto a boca em relutância, em desespero ou em confusão, optei pelo silêncio. Escamas de gelo brotaram no corpo dela, eu tinha decidido não mais me assustar ou sequer ser surpreendida, ainda assim meus olhos arregalaram, tudo acontecia rápido demais. Quantas horas faziam desde que meu mundo se quebrara por completo? Senti um puxão o braço, era Akim que me arrastava para longe daquela bagunça.

- Corre!! - ele gritou me trazendo e volta a realidade.

John seguia logo a frente. A criatura mórbida tentou nos seguir, mas Beatrix chamou sua atenção atingido-o a cabeça. Em menos de 5 minutos estávamos dentro do carro.

- Vamos pai. - Falou Akim suando.

- Só um momento. - John olhava para trás.

A porta do porão vibrou e um vapor branco emanou pelas brechas, repentinamente a porta se desprendeu e foi atirada para cima, caindo à cerca de 3 metros dá abertura no chão. Era Beatrix que surgia em meio a neblina, suas roupas estavam tão molhadas que gotejavam.

- Ei garotos, esperando alguém? - Disse Beatrix sorrindo. - acho que preciso de roupas novas.

- Rápido, não temos muito tempo até que eles retornem.

- Mas é claro seu fanfarrão. Só vou me trocar.

- Não dá tempo Beatrix.

- Foda-se o seu tempo John, não vou entrar nesse carro molhada assim. - Ela franziu as sombrancelhas. Não fazia o tipo que xingava, mas já não mais conseguia esconder sua raiva.

A senhora de cabelos grisalhos entrou na casa e pouco mais de 10 minutos saía trajando roupas secas e arrastando uma mala de rodinhas enorme.

- Vai se mudar é minha tia? - Gritou Akim maldando.

- Uma mulher é sempre prevenida querido. - devolveu.

John desceu apressadamente e demonstrou falta de delicadeza quando simplesmente jogou a mala no fundo do carro, eu saí do banco ao lado do motorista para dar lugar à ela e fui fazer companhia a Akim e ao Hank que entendeu o sinal e se aconchegou entre o banco atrás de John e o colo de seu dono. John sem pensar duas vezes arrancou com o carro passando velozmente pelo jardim.

- Essa coisa ainda está viva?! - assustou-se Beatrix olhando para trás.

- Quem você está chamando de coisa? Sua velha decrépita. - disparou Akim

- Esse "cachorro" - ela sinalizou aspas com os dedos - tem quase a minha idade, ou melhor: este corpo emprestado.

Hank?! Um cachorro não poderia viver esse tempo todo, eu chutava no máximo uns 18 anos. Mas dizer que Hank tinha mais de 50 era impossível. Bom, depois de tudo o que aconteceu nas últimas horas eu nem deveria me assustar com essas coisas.

- O que você quer dizer? - balbuciei.

- Pelo amor de Deus, ninguém falou nada a ela? Essa coisa que vocês chamam de Hank possui a alma de um demônio, burro o suficiente pra ao invés de possuir um humano, resolveu brincar de correr atrás de uma vareta.

- O que?!?! Um demônio possuiu um cachorro?

- Eu o conheci quando ele ainda possuía um humano. Era uma criança na verdade, ele adquiriu alguns "sentimentos" desse garoto. E depois de uma série de eventos ele ficou meio... Hã... Como posso dizer. Traumatizado?! - Hank levantou a cabeça e mostrava os dentes. - Enfim, ele não quis mais sentir e simplesmente se apossou do cachorro. Na verdade acho que o cachorro só está vivo ainda por causa da alma que o possuiu, mas vejo que depois de 83 anos nem mesmo você, consegue manter um corpo, ainda mais se tratando de um cachorro que vive bem menos. - ela riu. - você passou da validade Hank, literalmente.

- Pai!! - Akim gritou.

- Estou vendo Akim. - John mordeu o lábio. - se segurem.

A mesma criatura que tínhamos largado no porão estava bem na nossa frente atrapalhando a passagem.

- John, preciso descer pra abrir o portão. - Beatrix gritou enquanto segurava firmemente em seu cinto de segurança.

- Não vai dar tempo, se segurem. Estamos prestes a descobrir se esse carro valeu o investimento.

John acelerou entrando em colisão com a criatura que fincou suas unhas danificadas na lateral do carro para não cair. Segundos depois passávamos pelo último obstáculo. A criatura soltou um urro enquanto era prensada entre o carro e o portão, fazendo com que suas mãos se desprendessem o suficiente para cair logo ao lado enquanto o carro de John superava o portão pesado.

- Eu avisei que deveríamos ter saído imediatamente Beatrix. - esbravejou John.

- Você também falou que não tocaria no meu vaso. - Ela rebateu.

- Eu tinha 3 anos Beatrix! 3 anos!

- Parem com isso. Vocês dois. Agora não é hoje de lavar a roupa suja, se quiserem fazer isso, encosta esse carro. Agora! Que eu vou descer. Não aguento mais o mimimi de vocês. - Desabafou Akim.

John e Beatrix se encararam e viraram a cara, como se fossem duas crianças brigando sobre quem tinha comido o último pedaço do bolo. E foi assim. O resto da viagem. Em completo silêncio.

Entre Dimensões: GrimoireOnde histórias criam vida. Descubra agora