Chegamos na pequena cidadezinha ao oeste, as olheiras profundas de John se sobressaíam sobre sua pele negra. Qual fora a última vez que havia dormido o suficiente? Sequer lembrava. Beatrix havia assumido o volante dando-lhe algumas horas de descanso, pelas quais cochilou - ou ao menos estava tentando, - o sol ainda não havia se mostrado. Olhando no relógio percebi que eram quatro da manhã, minha situação era semelhante a de John, eu mexia meu corpo de um lado para o outro naquele espaço mínimo, tentando dormir. Minha mente estava inquieta, tentava repetidas vezes processar os acontecimentos dos últimos dias, embora eu tivesse prometido a mim mesma que não chegaria nem mesmo a tentar, meu cérebro insistia em não esquecer. Tudo começou com aquelas precipitações, logo em seguida um diálogo estranho e a partir daí o barco só seguiu em direção ao mar aberto com cada vez mais obstáculos, eu queria entender, - eu precisava - mas ocorria justamente o contrário: quando mais reprisava, menos eu entendia. Cheguei ao ponto de questionar minha existência. Sempre ao chegar nesse ponto eu sussurrava baixinho: "é só a minha imaginação."
Os dois ao meu lado nem se abalavam com o balançar do carro pelas ruas esburacadas, Akim até mesmo roncava, Hank deve ter "morrido" no mínimo umas 30 vezes no trajeto, sempre que eu me preparava para aceitar sua partida, ele soltava um gemido abafado, - provavelmente para avisar que ainda respirava. As ruas eram estreitas e com iluminação precária, construções antigas despontavam por entre as vielas, tornando a cidade um verdadeiro labirinto, todavia Beatrix parecia conhecê-las como a palma de sua mão, pois avançava sem sequer pisar no freio. O carro deslizava a cada virada brusca no volante, como se fosse bater a parte traseira em alguma curva acentuada. Deixamos a zona urbana e nos dirigimos a zona rural, após alguns poucos minutos sem passar por prédios e nem por casas, uma construção despontou por entre as montanhas, chegamos a um grande portão enferrujado que, conforme nos aproximávamos, rangia ao deslizar horizontalmente para permitir nossa passagem. Havia um extenso jardim, mas ao contrário do de Beatrix, aquele estava muito mal cuidado. Longas trepadeiras espinhosas cobriam as frondosas macieiras, pinheiros centenários espalhados estrategicamente, ervas daninhas tentavam impedir o florescer das rosas que em protesto usavam toda a sua força para se sobressair contra as intrusas. O calçamento composto de mármore dava um ar de delicadeza e estilo ao jardim descuidado, haviam várias luminárias espalhadas pela propriedade, suas luzes estavam enfraquecidas, volta e meia piscando freneticamente. Os primeiros raios de sol penetravam pelo vidro do carro, acordando os ainda adormecidos e tornando o casarão - embora sujo e com janelas quebradas - ainda mais deslumbrante. Torres cilíndricas em direções opostas, ligadas por paredes de cinco metros de altura, revestidas por pedras, onde dois portões de madeira se sobressaíam, janelas artesanais compostas por vidraçaria colorida davam vida a construção e por último trepadeiras floridas de tom azulado com sua tentativa bem sucedida em "abraçar" toda a casa.
Akim bocejou e esfregou os olhos despertando, Hank continuava imóvel, sabe-se lá se estava dormindo ou fingindo de morto novamente.
- Já chegamos?! - Bocejou John.
- Essa joça tá caindo aos pedaços. - Akim se indignou.
- Bom querido, essa "joça" - disse Beatrix sinalizando com o dedo - já foi a casa mais frequentada da história.
- Já "foi" né?! - Akim enfatizou. - Exatamente. Não é mais.
Beatrix ignorou o comentário maldoso de Akim e empurrou as portas que rangiam, dirigindo-se para o interior da casa, que como quem acabara de acordar, expeliu uma gofada de ar com cheiro de mofo, como se houvesse mantido a respiração presa por um longo tempo. Estava escuro, provavelmente tinham cortado a energia.
- Vão para a cidade, eu vou providenciar o que for necessário.
- Mas Beatrix, há muita coisa a ser feita nessa, me desculpe o termo, "coisa" caindo aos pedaços. Eu concordo com Akim. Não seria melhor ficarmos num hotel? - Sugeri.
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Entre Dimensões: Grimoire
General FictionOs mundos entravam em colapso, ameaçavam libertar seres malignos selados no mais longínquo espaço-tempo. Após longos séculos o selo ameaçava romper. A maga cujo último feito conhecido fora reforça-lo, sumira entre as dimensões. "Avançamos em direçã...