O que faz de mim "eu mesma"?

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Se ela apontar pra mim de novo, eu vou gritar.
Wacko watkins. É como eu a chamo. Nossa nova professora. Para piorar, tivemos Educação Social e de Saúde com ela na primeira aula desta manhã.
- Eu queria saber que espécie de projeto bizarro ela está bolando para nos torturar nessa semana - falei, enquanto andávamos rápido pelo corredor para chegar á sala de aula antes do segundo sinal.
- Ah, ela é legal pra uma professora - observou Izzie. - Faz você pensar sobre as coisas. E parece mesmo interessada no que a gente sente. Gosto das aulas dela.
- Bem, eu não gosto - respondi. - Já é bem ruim ter uma mãe psicoterapeuta. Não preciso repetir a dose na escola. Já escuto em casa esse papo de "vamos todos partilhar nossos sentimentos". Gostaria que Wathins me desse uma folga. Ela sempre me escolhe.
- Provavelmente porque você é quieta na classe. Ela está tentando descobrir o que acontece com você, com a sua cabeça. Você tem sorte. Pelo menos sua mãe e seu pai se dão o trabalho de perguntar o que está havendo. Meus pais só se preocupam com as minhas notas. Se eu tirei A, B ou C. Acho que eu desmaiaria de susto se algum dia um dos dois me perguntasse como eu me sinto de verdade sobre alguma coisa.
Izzie é minha melhor amiga. Ou era, não tenho mais certeza. Não desde que Paola Williams chegou no final do ultimo semestre. Izzie e eu andamos juntas desde a 1° série.
Foi sempre eu e Izzie, Izzie e eu. Partilhando tudo. Roupas. Maquiagem. CDs. Segredos. De repente, aparece Paola, e eu acho que dois é bom, três é demais. Porém parece que sou a única que pensa assim. Terei de conversar a sério com Izzie sobre isso, mas poucas vezes a encontro sozinha atualmente.
- Andem rápido e sentem-se em seus lugares, meninas - disse a professora Watkins, surgindo por trás de nós.
Espero que não tenha ouvido oque eu disse sobre ela.
A professora Watkins tem uma aparência um pouco estranha. Aliás, bota estranha nisso. Parece que ela colocou o dedo em uma timada. Sua expressão é sempre assustada, como um personagem de cartum que viu alguma coisa chocante e ficou com os olhos arregalados. Ela é magra como um caniço e seu cabelo grisalho é todo frisado. Na verdade, parece que ele se enrosca pra todo lado.
- Tudo bem, meninas, agora fiquem quietas - disse a professora Watkins. - Temos muito que conversar hoje.
Lá vamos nós. Conversar. Vamos conversar. Ou então escrever. Em silêncio. Por que temos de conversar? Será que ninguém percebe que eu estou passada por uma fase quieta-mas-misteriosa? Que nem a Geri, quando ela saiu das Spice Girls.
Quando Watkins sentou no canto da mesa e ajeitou o vestido para cima, tivemos a visão de suas pernas pálidas acima das meias que chegavam até o joelho. A pele dela parece embalagem plástica de comida. Transparente. Dá para ver as veias por baixo. É o suficiente para trazer o café-da-manhã de volta á boca, acreditem.
- Quero que comecem a pensar em algumas coisas durante o resto do semestre - ela continuo. - Como vocês provavelmente sabem, está chegando a hora de escolher os seus temas para a monografia do próximo ano. Quais vocês querem fazer?
Dei um gemido por dentro. Venho morreno de medo disso. Olhem, eu não sei. Não tenho a menor idéia. A mínima.
- Sei que é uma tarefa árdua pensar a respeito e não quero que ninguém ente em pânico ou se sinta sob pressão. Temos muito tempo. É por isso que eu quero que vocês comecem a dar atenção para esse assunto desde já, para que mais tarde isso não se trasforme numa corrida louca.
"Tarde demais", pensei. "Já entrei em pânico. E que pânico!"
- Quero que vocês pensem acerca do seu futuro. Suas metas. Ambições. O que vocês querem ser quando forem mais velhas. Certo, alguém tem alguma ideia?
Ela começou a olhar pela classe, de modo que abaixei minha cabeça e tentei ficar invisível.
- Lucy?
Eu sabia. Vejam, eu sabia que ela perguntaria primeiro a mim.
- Sim, professora?
- Vamos pôr a bola em movimento. Você tem alguma idéia do que gostaria de fazer?
Eu podia sentir meu rosto ficando vermelho enquanto todo mundo se voltava para olhar para mim.
Ãnhhh? Não sei. Médica? Não. Sangue demais. Dentista?
Não. Mexendi dentro da boca das pessoas o dia inteiro. Argh. Veterinária? Sim. Veterinária. Eu adoro bichos.
Depois de Izzie, meus melhores amigos são Ben e Jerry, nossos labradores. Então, veterinária? Eu poderia estar em todos aqueles programas de salvamemto de animais na televisão, cheia de charme enquanto salvava os pobres bichinhos. Mas talvez não. Na semana passada Ben pisou num caco de vidro. Quase desmaiei quando o veterinário disse que ele teria de levar uns pontos na pata. Não consegui observar, tive de sair da sala como uma covarde. Depois ele ficou legal, mas não consigo ver um animal sofrendo. Provavelmente não é a melhor escolha para uma carreira. Então o que mais? O quê?
- Não sei, professora - murmurei, desejando que ela escolhesse outra pessoa.
- Nenhuma idéia? - insistiu ela.
Fiz que não com a cabeça
Candice Carter ergueu a mão. Ela estava a mil por hora.
Por sorte Wacko voltou-se para ela.
- Candice?
- Salva-vidas, professora Watkins.
- Salva-vidas. Ora, essa foi bem original. E por que você quer ser salva-vidas?
- Para fazer respiração boca a boca em todos os meninos.
Todo mundo explodiu de rir. Candice Carter é mesmo uma vadiazinha.
- Alguém tem mais sugestões rszoáveis? - pergunto a professora Watkins, correndo os olhos pela classe.
A essa altura, metade da turma tinha mãos erguidas.
- Escritora - disse Joanna Richards
- Enfermeira - disse Gabby Jones.
- Apresentadora de TV - disse Jade Wilcocks.
- Cabeleireira - disse Mo Harrison.
- Rica e famosa - disse Paola, e todo mundo riu de novo.
Todo mundo sabe o que quer ser. Todo mundo, menos eu.
Tenho 14 anos. As pessoas estão sempre dizendo: "Ah, não cresça rápido demais" e "Curta a sua juventude". Agora de repente é "O que você vai fazer com o restante da sua vida?"
- Excelente - falou a professora Watkins. - Aqueles que sabem o que desejam fazer têm sorte. E quem não sabe - rla olhou fixamente para mim - não precisa se preocupar. Vocês não têm de decidir hoje. Mais, de fato, ajuda ter uma pista da direção que gostaria de seguir, na hora de escolherem seus temas. Para qurm não sabe, vamos ver tudo isso nas priximas semanas. Na verdade, um bom ponto de partida é dar uma olhada em quem vocês são agora. Identificar seus pontos fortes e seus pontos fracos. As sementes de hoje são os frutos de amanhã. Os pensamentos de hoje são ad ações de amanhã. Então, para começar, vou pedir que escrevam um texto a ser entregue no fim do semestre. Não precisa ser muito longo. Uma página ou algo assim.
Ela pegou o giz e se voltou para o quadro-negro.
"O que faz de mim 'eu mesma'?", escreveu.
- Esse é o titulo. Vou lher dar 15 minutos para fazerem algumas anotações.
Ela escreveu mais algumas perguntas no quadro-negro.
Quem sou eu?
Quais são meus interesses?
O que eu quero? Quais são meus objetivos na vida?
Quais são meus pontos fortes e meus pontos fracos?
O que eu gostaria de seguir como carreira?
Até o final da aula, eu podia ver todo mundo escrevendo que nem louco.
Eu sabia o qie Izzie estaria escrevendo. Ela quer ser cantora. Quer isso desde de que nós tinhamos 9 anos. Ela escreve suas próprias canções e toca guitarra. Quer ser a nova Alanis Morissette. Até parece com ela atualmente. Tem o mesmo cabelo comprido e escuro e usa as mesmas roupas meio loucas. Não é a minha praia, mas esse estilo vombina com Iz.
Dei uma olhada para Paola. Ela tamém estava escrevendo freneticamente. Típico. Ela é tão segura de si mesmo e de para onde está indo. Ela quer ser modelo, e provavelmente vai chegar lá. Tem uma aparência fantástica. O pai de Paola é italiano, de modo que ela herdou o cabelo liso e negro, que nem seda, que chega até a cintura, e da mãe jamaicana Paola tem pele e os olhos escuros. Ela poderia facilmente passar por irmã mais nova de Naomi Campbell. Alta e esguia, com seu incrível rostode fada.
Eu queria ser negra. Eles têm a pele mais bonita, mesmi quando são mais velhos. A mãe de Paola, por exemplo. Eu a vi na televisão. Ela apresenta as notícias num canal de tevê. Ela já tem idade. No mínino 40 anos, mas não aparenta mais do que 20. Eu sou uma típica inglesa, pálida, loira e sem sal. Preferia ser uma flor tropical como Paola, exótica e colorida.
Fiquei olhando para a folha de papel em branco diante de mim.
"O que faz de mim 'eu mesma'?", comecei a escrever.
Sou pequena e não aparento a minha idade. As pessoas sempre pensam que estou na 6° ou na 7° série.
Olhei fixo pela janela em busca de inspiração. Empregos para gente baixinha. Talvez eu pudesse me candidatar a ser um dos Munchkins, se algum dia alguém refilmar O Mágico de Oz? Eles são minúsculos. Ou um dos anõezinhos da Branca-de-Neve.

Folha de perfil

Nome:Lucy Lovering

Físico

Idade: 14 anos, mas pareço ter uns 12.
Altura/compleição: um metro e quarenta e três centimetros E MEIO. Magra, busto 36. Meus irmãos me chama de Lucy-peito-chato. Nada engraçado.
Cabelos: loiros.
Olhos: azuis.

Sociologia
Ocupações dos pais: mamãe é psicorterapeuta, papai cuida da loja local de produtos naturais e é músico em tempo parcial.
Educação: gosto: Artes, inglês; não gosto: todas as outras matérias.
Vida doméstica: dois irmãos mais velhos, Steve (17), um gênio no computador, e Laurence (15), que é triste, sardento e gordo como um hipopótamo, mas se julga o rei da cocada preta com as garotas. Dois cachorros, Ben e Jenny.
Raça/ nacionalidade: inglesa/ escocesa. Possivelmente alienígena
Hobbies: leituras, revistas, filmes antigos, TV, costura.

Psicologia

Ambições/ desapontamento:
meus pais, um casal de velhos hippies
mamãe e papai sempre me empurra goela abaixo produtos saudáveis e chás de ervas, quando eu ficaria plenamente feliz com hambúrguer e fritas.
A obsessão de mamãe com reciclagem e compra de roupa em bazares de caridade.
O fato de ser tão pequena
O fato de que minha melhor amiga agora parece ser a melhor amiga de Paola Williams
Temperamento: Acho que posso estar ficando louca.
Qualidade: Senso de humor, ser uma boa melhor amiga quando me permitem ser.
Habilidades/talentos: Boa ouvinte, boa em desenho.

E o que você vai ser quando crescer, Paola? Modelo.
E você, Izzie? Cantora-compositora.
Lucy? Um dos anõezinhos da Branca-de-Neve.
Sim. Certo. Agora estou sendo pura e simplesmente estúpida. Devo ter algumas idéias decentes trancadas em algum lugar do meu cérebro.
Eu me obriguei a me concentrar. O que faz de mim "Eu mesma"?
Sou a caçula da familia.
Quinze minutos depois, isso era tudo que eu havia escrito.
- Antes que o sinal toque - falou a professora Watkins -, gostaria de entregar a vocês uma folha de perfil para preencher. Apenas para ajudá-las a dar a partida, se estiverem empacadas. Ninguem precisa vê-las, são apenas para vocês, para levá-las a pensar ao longe de linhas diferente.
Olhei para a folha de papel que ela me entregou.
Socorro! Geralmente eu sou boa em dissertações e coisas asssim. Mas desta vez não tenho uma pista sequer. Não ser quem eu sou. Ou o que faz de mim "Eu mesma".
Ou oque eu vou fazer quando crescer.
Ou onde me enquadro.

Galeras, Paqueras & Sutiãs InfláveisOnde histórias criam vida. Descubra agora