10-Fraturas

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Tia Margo não parou de bater na porta até eu abrir. Ela me analisou. Chocada.

—Me d-desculpe.—foi o que eu disse, com os olhos inchados.
—Querido. Calma.—ela me abraçou.—Acho que sei o que está acontecendo. Essa casa deve está afetando você. Eu vou falar com seu pai sobre isso.

—Não!Por favor, não fale com ele sobre nada.—implorei, me afastando dela.

—Querido, essa casa não está fazendo bem à você.

—Não Tia, não fale nada para ele sobre o que aconteceu.—meio que perdi o controle. Ela me guiou até a cama. Olhou firme para mim.

—Ben, tem alguma coisa que você não quer me contar? - engoli em seco.

Eu pensei numa mentira.

—A-acho que quero voltar para o colégio. —anunciei, inseguro. Seus olhos brilharam.

—Ben, isso é uma maravilha!—exclamou, surpresa. Eu mais ainda.—Agora precisa descansar, trarei seu almoço mais tarde.—Ela passou a mão pelo meu cabelo desgrenhado. E em nanosegundos, tirou meu tênis.

—Durma. Eu vou estar aqui.

Fiquei observando Tia Margo, com toda aquela solicitude. Como poderia ser irmã de um demônio como Marcelo Bravanno?

Fechei os olhos lentamente. E apagei.

***

—Acorde, Ben. Acorde.—fui abrindo os olhos.—Trouxe seu almoço meu querido.—sua voz estava mais suave do que antes. Seu sorriso era amplo.

Tentei ordenar os pensamentos. Ela posicionou a bandeja nas minhas pernas.

—Fiz uma sopa muito saborosa. Tenho certeza de que você vai adorar.—Ela retirou a tampa da bandeja fazendo com que o ar quente subisse do prato.

Coloquei o mais falso dos  sorrisos. Ela sentou-se numa poltrona que ficava próximo da janela cruzando suas longas pernas. O que me chamaram a atenção foram os sapatos de salto vermelho gritante que ela usava. Tia Margo sempre foi muito pitoresca em relação ao estilo. Aquilo nunca me incomodou, mas incomodava minha mãe, isso era um dos inúmeros motivos pelo qual elas simplesmente, se odiavam.
Minha mãe sempre foi uma mulher crítica, e aborrecia o ego de tia Margo. Para mim aquilo era meramente, desnecessário. Balancei a cabeça para afastar qualquer nuvem de lembranças intrincadas.

Olhei para o prato por alguns segundos.
Comecei com pequenas colheradas. Realmente o sabor estava divino.

Tia Margo ficou me assistindo, insondável.

—Se você não se importa, dispensei os empregados. Informei que eu poderia fazer companhia à você até Marcelo voltar.—disse ela com uma voz despreocupada.

Levantei a cabeça para encará-la. Eu não fazia ideia do que Marcelo diria sobre aquilo.

—Não me importo. Você terá que perguntar isso à Marcelo.—minha voz saiu rouca.

—Ok. Falo com ele mais tarde.—houve uma pausa.— Marcelo. Você não o chamou de "pai"...—ela me fitou. Meu olhar vacilou.—O que está havendo Benjamin?

Eu congelei.

De repente o celular dela tocou.

Salvo pelo celular.

—Ben, me dê licença.—assenti. Ela saiu do quarto, deixando a porta entreaberta.

O som dos seus passos foram se afastando pelo corredor, até desaparecer completamente.

Me levantei da cama. Pus a bandeja sobre a mesa, sem emitir nenhum ruído.

Fui até a porta.

Uma sensação estranha me possuiu de súbito.

Abri a porta lentamente. Dei uma primeira olhada para o corredor.
Mesmo com o sol incandescente do lado de fora, não havia sequer uma fresta iluminando o corredor do casarão. Pelo contrário, ele estava com um aspecto sombrio, insinuando perigo iminente. Um calafrio percorreu meu corpo.

Respirei fundo.
Especulei que a porta dos fundos deveria estar aberta.

Aquela era a minha chance de escapar.

Não pensei duas vezes.

Já do lado de fora do quarto, inspecionei o corredor algumas vezes, para ter certeza de que não tinha ninguém atrás de mim.

Eu dava passos leves, tudo que eu conseguia ouvir era a minha respiração entrecortada. Meu corpo estava tomado pelo medo. Olhava para trás freneticamente, amedrontado. Cada passo era crucial. Se eu conseguisse sair do casarão, se eu corresse para bem longe daquele inferno capcioso, não importava o dia de amanhã, contando que não fosse naquela casa, tudo ficaria bem.

A escada estava próxima. Meus batimentos começaram à ficar mais rápidos. Não sabia se aquela velocidade de batimentos era humanamente possível.

Na mansão, fazia-se um silêncio quase infinito.

Faltavam poucos passos. Podia sentir tudo passar em câmera lenta. Eu tremia.

Alcancei a escada.

Me preparei para descer, quando meu pé estava quase tocando no primeiro degrau(...)

Senti algo entrando em contato com as minhas costas, me empurrando com toda força. Eu estremeci. Tentei me virar para ver quem era. Mas a gravidade não permitiu, já era tarde demais. No ato, meu tronco foi projetado para frente automaticamente. Fiz o possível para segurar em alguma coisa, mas não adiantou. Em nanosegundos eu estava descendo escada abaixo. Eram repugnantes os sons que saiam de mim, pareciam que os meus ossos estavam violentamente sendo retirados do lugar.

Depois do que pareceu uma eternidade.

Quando finalmente meu corpo ficou inerte, o sangue jorrou da minha boca. Minha cabeça doía, parecia estar prestes à explodir. Aquilo me desesperou. Meus gemidos eram quase inaudíveis, tentei me mexer inutilmente. Era como se eu tivesse sido atingido por um carro em alta velocidade.

Tudo

Era

Dor.

Cada pedaço de mim sentia dores que me davam vontade de gritar escancaradamente.

Tentei captar alguma coisa, mesmo com a vista escurecendo. 

Cada esforço resultava em mais dores infernais.

Queria dizer alguma coisa, entretanto, parecia que minha língua tinha desaparecido.

Havia sangue.

Muito sangue.

Antes de minha visão ser dominada pela escuridão, vi pés diante de mim, pés que calçavam saltos vermelhos.

Porém não consegui manter meus olhos abertos por muito tempo.






Tudo.


















                                               Ficou.














Escuro.

Uma Voz Que Precisava Ser OuvidaOnde histórias criam vida. Descubra agora