O País sem Nome

II

Confesso que a canção me assustou bastante. Quero dizer, como é que uma música ambiente pôs sessenta e uma pessoas a parecer atrasados mentais?

Quando a melodia terminou, todos voltaram ao normal... Bem, quase. Os grupos voltaram a conversar, mas num tom de voz mais contido e num volume mais controlado. As três raparigas não se levantaram mais. As duas amigas ao meu lado finalmente notaram a minha presença.

-Olá, o meu nome é Aby. – falou a mais alta das duas, de cabelos castanhos escuros, olhos da mesma tonalidade e ligeiras sardas a cobrir-lhe o rosto.

-Sou a Ev. –disse a outra rapariga, num tom semelhante, quase parecendo gémea de Aby.

Mais baixa e mais gordinha, com um cabelo preto como breu, Ev era menos bonita do que a sua amiga, mas o sorriso que estampara na cara era amigável, reconfortante.

-Como te chamas? –perguntaram em coro. Assustei-me com a coordenação.

-Sam.

-És de que Unidade, Sam? –desta vez só Ev falou, Aby olhou desatenta pelo vidro do Transporte.

-Nasci na Central, mas fui transferida para Tresscop muito cedo.

Aby olhou de novo para mim, depois elas entreolharam-se e, de repente, voltaram a falar em murmúrios rápidos e descoordenados uma com a outra, ignorando, mais uma vez, a minha presença. Estranho... Tão rápido como parou, o barulho do Transporte voltou ao que era.

Só as três raparigas não voltaram a cantar.

Acho que vos devo uma breve explicação. Nós vivemos todos no País, que não tem um nome específico. Por ser o único que conhecemos, não há necessidade de o classificar, mas sim de o dividir. Assim, existem seis Unidades. Sete, se contarmos com a Central.

Estão a ver a forma de um hexágono regular? Aquela figura que se pode dividir em seis triângulos equiláteros. Pronto, desenhem-na. Dividam-na. Cada lado de cada triângulo é um rio, o que torna a viagem inter-Unidades extremamente difícil. No ponto de intercessão dos seus triângulos, façam um pequeno círculo. Aí é a Central. O único sítio onde, supostamente, não podem haver nascimentos.

Cada uma das Unidades tem um clima diferente, pessoas totalmente distintas (em termos de traços físicos gerais), alimentação variada e uma característica geral específica. Tresscop é a Unidade dos livros, pelo que, supostamente, todas as pessoas são de um nível intelectual superior. Bosh é a Unidade da neve, logo todos os seus habitantes têm aquele tom bronzeado e cristalino, típico de quem sofre diariamente desse clima gélido. Em Proscut o clima é oposto, sendo um deserto com pequenos oásis. Slaven é o Oceano, uma unidade composta por um grande mar e pequenas ilhas espalhadas, todas ligadas por pontes de ferro. Calvin é uma cidade gigante, com prédios gigantes e pessoas minúsculas e Bratful o reino da moda, no qual as pessoas só pensam no que vão vestir, o seu único objectivo é imitar alguém que lhes pareça digno dessa atenção.

No local onde estávamos estavam reunidas as seis Unidades: Tresscop, de onde venho, Calvin, Slaven, Bratful, Bosh e Proscut. Não me tomem por preconceituosa, mas dá para separar mesmo bem os sessenta e seis por Unidades.

Olhando em volta: os de Tresscop têm a pele clara, cabelos lisos castanhos –normalmente aquela tonalidade do chocolate de leite- e olhos muito escuros, quase sem se distinguir a pupila da íris. O brilho do cabelo, no entanto, varia. Ora é castanho-escuro, ora castanho-ruivo (como a Ária). São de estatura média e nem são magros, nem gordos, estão na fronteira entre o "rechonchudo" e o "normal".

Eu fujo à regra. O meu cabelo forma uma auréola de pequenos caracóis em torno da cabeça, não sendo, no entanto, encaracolado. É uma miscelânea, algo entre o liso, o ondulado e o encaracolado, num tom algures perto de castanho alourado. O castanho esverdeado dos meus olhos é, mais uma vez, difícil de descrever. Sou um pouco mais alta do que a comum pessoa de Tresscop, mas passo bem despercebida em termos de altura. Sou bastante mais magra do que o normal, mas, talvez por não ser baixa, raramente me atribuem a estatura de "infantil", entro assim na categoria dos "elegantes".