Lembranças

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No fundo você sempre estará sozinho. Não importa se no momento da dor alguém vier te consolar. Pode ser que as palavras ditas ou atitudes feitas lhe dê algum tipo de conforto por algum tempo. Mas quando passar será você por si só. Exatamente como estou me sentindo nesse momento. Solitária.
No fundo você sabe que ninguém é capaz de arrancar a dor do seu peito. E terá que lidar com isso.
A dor é como um tipo de ácido derramado sob seu coração, que vai corroendo aos poucos até não sobrar nada além de um imenso vazio.
Cheguei a seguinte conclusão: ficar lamentando o que houve não ajudará, só tende a piorar ainda mais as coisas. O que realmente importa não é a intensidade da sua dor, mas sim o tempo que permitirá que ela permaneça junto a ti.

Perdida em devaneios, esqueci a cafeteira ligada por tempo impreciso. Um aviso prévio para me fazer parar de pensar loucamente. Coloquei um pouco na xícara e me sentei à varanda. Aos poucos surgiu uma lembrança em minha mente...
Reconheci cabelos negros encaracolados moldando um lindo rosto arredondado. Olhos cor de mel e lábios carnudos. Vestindo jeans claro e um moletom vermelho intenso, ele sorria incontrolavelmente recostado em uma árvore.
A árvore era majestosa, imensa e seus galhos eram retorcidos. Estava repleta de folhas em um tom de verde oliva. Projetava uma imensa sombra sob nossas cabeças.
Apanhou uma mão cheia de folhas secas do chão e jogou em mim.
Sua beleza era impressionante. Fiquei admirando.
Eram, aproximadamente, 1,74 de puro vigor. Seus cabelos escuros ressaltavam sua pele rosada com uma barba por fazer. Ele se parecia bastante comigo, apesar de meus cabelos serem mais claros e pouco enrolados.
Estávamos ambos lado a lado com papel e caneta em mãos.
Deu uma rápida olhada para mim e caiu na risada.
Ouvi um barulho.
No instante seguinte tudo se dissipou e uma lágrima rolou pelo meu rosto.
Patrick.
Meu irmão.
Percebi que o barulho que eu ouvi era de um carro estacionando de frente à minha residência. Dei uma olhada. Nada mais nada menos que um Nissan Kicks.
Fiquei boquiaberta.
De dentro saiu um homem de meia idade usando um terno cinza com uma gravata lilás. Parei de olhar. Estava se dirigindo até a porta de minha casa.
Comecei a calcular o prazo que Christopher havia me dado quando escutei a campainha tocar.
Atendi.
_No que posso ajudar Senhor?
_Você deve ser Srta. Clay. Sou Christopher, nós conversamos por telefone.
_Sim, por favor entre. Fique a vontade. - sorri.
Sentamos no sofá da sala. Ele deu uma olhada em volta e disse:
_Desculpe aparecer antes do previsto. Estou particularmente interessado em sua casa. Você pretende levar os móveis?
_Ah... Sim. Quer dizer... não! Perdoe-me. - lancei-lhe um sorriso sem graça.
_Formidável. Gosto do estilo rústico que tem. Estou disposto a lhe dar o valor que quiser. Basta dizer.
Olhei perplexa.
Ele notou minha reação e eu logo respondi:
_Bom... Falemos sobre isso mais tarde. Vamos, vou lhe mostrar tudo.

Passadas algumas horas, após conversarmos bastante, ele disse:
_Esplêndido. Estou deslumbrado senhorita Clay. A casa é exatamente como eu queria.
O lugar é muito bom.
_Fico feliz por ter gostado.

Descemos até a sala.
Ele se sentou e concluiu:
_Então podemos fechar o negócio?
_Claro. Esperava ansiosa por isso. - ele sorriu.
_Farei o máximo possível para que o dinheiro chegue rápido até você. A senhorita já sabe onde comprará sua próxima casa? Perdoe-me se estou sendo indiscreto.
_Claro. Sem problemas. Ainda não tenho certeza. Estou querendo fazer algumas viagens antes de me decidir...
_Compreendo.
Assinei o contrato de venda, agradeci e dei um rápido tchau para ele.
_Foi um prazer. - ele disse.
_Igualmente. - respondi.
Quando Christopher saiu fiquei feliz por ter conseguido.

Mais tarde resolvi ir até o mercado para comprar algo para meu jantar.

Dirigindo pelas ruas de Portland avistei Lisa. Acenei brevemente. Me perguntei o que ela poderia estar fazendo a esse horário tão perto do meu quarteirão. Não deve ser nada de mais, concluí.

Encontrei o mercado e estacionei. Fui andando olhando a hora em meu celular,quando notei que havia me esquecido da bolsa. Fui rapidamente ao estacionamento para buscar no carro.
Chegando lá levei um baita susto ao me deparar com um sujeito, usando um capuz preto, tentando roubar meu carro. Fiquei furiosa! Meu instinto foi partir pra cima dele. O sujeito me viu indo em sua direção e correu.
Não consegui acompanhar.
_Seu cretino! - gritei ofegante.
E o rapaz desapareceu. Voltei ao carro e resolvi ir em bora.
Em casa eu pedia um lanche por telefone.
Quando eu estava cruzando a esquina eu o vi. Abaixei o vidro para ver com mais clareza. Era ele, porém não estava só. Havia outro homem com ele. O cara ao seu lado estava armado e quando me viu começou a atirar. Tentei desviar acelerando ainda mais o veículo.
Desesperada eu quase bati em outro veículo que passou zunindo. Por sorte consegui escapar.
Meu braço sangrava. Olhei e vi que fui atingida por um estilhaço de vidro.
Droga!
Resolvi que Lis poderia me ajudar.
Liguei para ela.
Cheguei em casa e se passaram apenas alguns minutos até ela chegar.
_Meu Deus! O que houve? - ela me olhou espantada.
Contei-lhe tudo enquanto ela cuidava do ferimento.
_Como pode uma coisas dessas? Esse mundo está muito perigoso docinho. Tenha mais cuidado.

Quando ela acabou de fazer o curativo, resolvi lhe pedir:
_Lisa, queria que você me ajudasse com minhas lembranças.. - ela me olhou, mas não disse nada. - O sujeito me fez lembrar de Merion. Parece que minha memória foi apagada em algumas partes. Não estou ficando louca, eu sei disso!
_Clay, meu docinho você precisa descansar um pouco, amanhã conversamos mais ta bom?

Ela sempre faz isso, não entendo o motivo. Por que não me ajuda?
Qual o problema?

Deixei passar.

Por fim Lis insistiu tanto que acabei deixando-a passar a noite aqui, caso eu me sentisse mal.
Ela não deixou que eu fizesse nada. Puro exagero, pois estou ótima! Foi só um corte.
Mas ela me fez deitar e meu deu uns compridos para a dor.
Comecei a ficar sonolenta cada vez mais. Esses remédios eram fortes de mais.
Adormeci completamente em menos de 10 minutos.

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