Mais Uma Chance

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Annabell:
Após tudo ter acontecido me dirigi até uma aldeia bem antiga, apesar de eu ter perdido os poderes da Ruína, minhas asas estavam mais fortes e resistentes, além de eu ter ganhado habilidade com a foice, também me tornei fisicamente mais forte. Era tarde quando eu circulava pelo local, já não via mais ninguém pelas ruas. As casas eram feitas de madeira bruta e davam um tom rústico e primitivo ao local onde poucos humanos viviam.
— Ei moça, está perdida? — um menino de mais ou menos quinze anos me parou, tinha pele um pouco bronzeada, devido ao sol que fazia de vez em quando naquela região, olhos azuis e cabelos pretos.
— Um pouco. — respondi um pouco desconfiada — Nunca passei por essa região antes.
— Esse lugar é conhecido como Terra dos Assassinatos. — respondeu me encarando — Sugiro sair daqui antes que eles venham.
— Eles?
— Os anjos brancos. — o garoto me segurou pelo braço e me puxou pelo braço e, após dobrar uma esquina, me levou até um pequeno cemitério — No último ataque, dezenove morreram. Não é seguro aqui.
— Fique quieto. — ordenei quase sussurrando — Tem alguém nos observando.
— Não deixa escapar uma não é? — a voz feminina e delicada soou como música para meus ouvidos, Lu estava em cima do telhado de uma casa com as asas abertas.
— Anja branca? — o garoto se manifestou novamente, sua voz ficou trêmula de repente após encarar Lu seu olhar voltou-se para mim — Vocês se conhecem?
— Não precisa ter medo de mim. — Lu desceu do telhado e se aproximou do garoto — Eu soube dos ataques de Lúcifer e vim ajudar a aldeia.
— Os aldeões se recusarão a acreditar. — indagou o moreno dando alguns passos para trás conforme Lu se aproximava — Aliás por que eu acreditaria?
— Eu não mordo. — Lu sorriu — Mas se quiser deixar o povo da sua aldeia morrer ficarei feliz em não ajudar.
— Agora explique o verdadeiro motivo para estar aqui. — falei após perceber que ela estava mentindo — Você não costuma oferecer ajuda de graça.
— Tão cruel. — ela passou a mão nos cabelos brancos os prendendo num coque — Vim te dar a bela notícia de que Lúcifer caiu.
Uma onda de sentimentos indescritíveis invadiu meu corpo, não sabia se estava feliz com a notícia ou preocupada com o que ele poderia fazer na Terra. Afinal se eu fiquei mais forte, o mesmo aconteceria com ele.
— Eu tenho que procurá-lo. — me virei de costas e pensei em caminhar, mas o garoto segurou em minha saia rodada me puxando com delicadeza.
— Por favor, fique. — pediu com um tom baixo — Nossas últimas esperanças são vocês duas.
Lu e eu nos encaramos por um instante, o garoto precisava de nossa ajuda assim como todo o seu vilarejo, com um olhar sincero e um sorriso no rosto Lu assentiu para mim.
— Ficaremos. — falei vendo o sorriso aparecer no rosto moreno do menino — Acabaremos com essa ameaça de uma vez.
— Obrigado. — ele estendeu a mão para mim — A propósito, meu nome é David.
— Anna. — falei respondendo ao seu cumprimento — Ela é Luciela, mas se quiser viver chame-a de Lu.
— Certo... — ele falou com certo receio na voz, dei uma breve risada quando ouvi passos distantes, me virei para trás e vi duas crianças e um menino de mais ou menos vinte anos.
— Esses são Hansel, Grett e Mike. — falou apontando para os gêmeos e o outro consecutivamente — Mike é o espadachim da vila.
— Jura? — Lu deu um passo à frente sorrindo — Posso testar ele?
— Você olha pra mim como se eu tivesse algo haver com isso. — respondi com deboche vendo Mike sorrir par ela.
— É corajosa para encarar tudo isso? — ele perguntou com malícia pegando uma espada em sua cintura, seus cabelos loiros caiam sobre seus olhos azuis que cintilavam nos vestígios de luz do fim da tarde.
— Se esse "Tudo isso" fizer tanto quanto fala... — ela balançou a mão direita rapidamente e uma espada apareceu nela — Vai ser divertido.
Demos espaço para que eles dois pudessem correr livremente pelo campo.
— Não mate o garoto. — ordenei para Lu, que sorriu em resposta.
— Está pronta? — ele ergueu a espada em sua frente com as duas mãos.
— Faça as honras.
Mike apertou os punhos no cabo da espada e a abaixou iniciando sua corrido, Lu permaneceu parada observando sua movimentação, apesar da espada pesada ele era rápido. O loiro ergueu a espada e saltou descendo a lâmina na direção da menina que deu uma cambaleada para o lado desviando sem sacrifício. Em seguida ela apoiou levemente a mão sobre o cabo da espada forçando-o a fincar no solo e, segurando o garoto pelo topo da cabeça com as duas mãos, o arremessou no chão prendendo seus pulsos os encaixando no espaço negativo de seu salto.
— Desiste? — perguntou o olhando sorrindo quando ele repentinamente fez força para erguer seu corpo, derrubando Lu no chão e apontando sua espada pra ela.
— Nunca abaixe sua guarda. — ele sorria vitorioso.
— Você que o diga. — debochou novamente fazendo o menino perceber que havia uma espada flutuando em sua garganta — Ela estava aí desde que finquei sua espada no chão.
— Não é à toa que te chamam de Santa das Espadas. — David se manifestou aplaudindo calmamente a performance dos dois — Temos muito o que aprender com vocês.
— Acho que a diversão terá de ser interrompida. — me virei para trás para encarar o grupo de anjos brancos que me fitavam — O querem aqui?
— Essa vila está atrapalhando os planos dos anjos. — um dos soldados respondeu.
— Essa é a pior desculpa que eu já ouvi.
— Se não sair da frente, teremos de retira-la daí. — ele retrucou.
— Você cuida deles? — Lu perguntou, assenti pra ela.
Ouvi a melodia metálica de uma lâmina sendo sacada, me virei para trás e um dos anjos estava a menos de dois metros de mim. Me agachei e segurei em seu pulso apertando o mesmo, logo o anjo soltou a espade e Lu a fez ir pra cima. Atravessei minha mão pelo coração dele e logo a retirei, chacoalhando para retirar o excesso de sangue das minhas unhas.
— Esse jeito. E o cabelo ruivo... é a Annabell. — um deles anunciou para os outros ao ver o corpo do companheiro ensanguentado no chão sujo.
— Vejo que minha reputação me precede. — falei enquanto andava até eles vagarosamente — Mas eu se fosse vocês tomaria cuidado com a chuva de aço.
— O que? — ele arqueou uma sobrancelha quando a tempestade de espadas de Lu desceu sobre o grupo, segundos depois apenas as vísceras e tecidos internos eram reconhecíveis entre as lâminas.
— Uau. — Mike falou enquanto olhava para o rosto delicado de Lu.
— Meu trabalho por aqui está concluído. — falei vendo Lu vir a mim.
— Você vai atrás dele não é?
— Não queria, mas o senso de humor do meu destino é péssimo. — respondi.
— Não faça nenhuma loucura. — ela sorriu tocando em meu ombro, logo subiu sua mão para minha testa e recitou um pequeno feitiço — Se precisar de mim, esse feitiço te ajudará a me encontrar.
Sorri para ela e para os outros ali presentes, logo minhas asas apareceram e, pegando impulso com os pés, iniciei minha viagem por entre as nuvens. Após meia hora de puro voo, senti a presença de Lúcifer vindo de dentro dessa mesma floresta, desci ali e o encontrei encostado numa árvore enquanto uma fogueira iluminava o pequeno espaço.
— Você tem aliados fortes. — ele me olhou com seu sorriso sarcástico de sempre e se levantou para andar em meu torno.
— Não fale comigo como se fossemos amigos.
— Eu não diria amigos. — seu sorriso me dá enjoo — Diria que estamos na mesma situação péssima. E a julgar pelo o que aconteceu lá no paraíso... diria também que você me deve um favor.
— Prefiro ir ao inferno. — virei de costas e dei dois passos até sua voz invadir meus ouvidos novamente.
— Que toma maneira de comemorar seu aniversário. — parei no momento em que ele disse aquilo, eu havia esquecido. Já fazia um ano desde que tudo aquilo aconteceu? Passou rápido demais — Você não esqueceu não foi? O que quer de presente? Sua família de volta?
— Não... — falei baixo enquanto a foice se materializava em minha mão direita, golpeei a ponta cega em seu estômago colidindo-o contra o tronco rígido de uma árvore e apoiei o outro lado em sua garganta — Ver você cair diante do seu próprio desejo de vingança contra os céus vai ser um presente de aniversário a longo prazo... este valerá por todos os meus aniversários até minha morte.
O soltei e comecei novamente minha caminhada de volta enquanto ele iniciava a dele para o lado oposto, era estranho ele não revidar. Pouco tempo depois já estava de volta à vila onde Lu se encontrava treinando.
— Você voltou. — Lu correu na minha direção e me deu um rápido abraço.
— Graças ao seu feitiço.
— Como foi lá?
— Encontrei Lúcifer, ele seguiu para o extremo sul logo depois que conversamos.
— Extremo sul? — notei o agito em sua voz.
— O que tem no extremo sul?
— Você deveria saber mais do que ninguém. — ela arqueou uma sobrancelha — O extremo sul é onde fica a residência de Alie.
Alie não é? Onde foi que eu já ouvi esse nome...
— Você não sabe mesmo? — ela deu uma breve risada debochada — Alie é a irmã de Dimitri.
Fiquei pensativa no momento em que ouvi suas palavras. O que Lúcifer poderia querer fazer? No estado em que aparentava estar ele não poderia matar nada nem ninguém. Porém naquele momento só o tempo poderia dizer qual seria meu próximo passo. Como sempre ele não me decepcionou. Permaneci na aldeia e, de vez em quando, observava os passos de Lúcifer.
Eu vi a queda em massa dos anjos que descordavam das ideias de Deus, vi Lúcifer ficar amiguinho dos demônios, logo a rainha Alie já estava apaixonada por ele.
Vi a Rainha engravidar de sua primogênita e o medo se espalhar por todos os reinos a respeito do que poderia vir a ser a filha de Alie. Todos estavam preocupados. O que ela seria? O que poderia fazer? Qual o limite do poder que viria com ela? Tal incerteza atormentou Lúcifer o suficiente para que ele caminhasse sozinho para sua própria morte e a menina Louise nascesse saudável e bela.
Dezesseis anos se passaram e as coisas se acalmaram bastante desde que Lúcifer foi morto e eu permaneci na aldeia cuidando da segurança dos aldeões, Mike Grett e Hanson cresceram e se tornaram ótimos espadachins.
Era fim de verão e eu caminhava pela aldeia olhando para o céu. Meu cabelo se encontrava num rabo de cavalo e eu usava uma capa preta que envolvia todo meu corpo, Lu estava vindo ao longe após um breve passeio, corri até ela ao notar que ela parecia agitada.
— Lu! — gritei correndo até ela enquanto a menina pousava, deus cabelos brancos estavam mais longos e bagunçados — O que houve?
— Lúcifer voltou. — Lu foi direta, e isso não ajudou em nada, suas palavras arranharam meus ouvidos lentamente até que eu pudesse compreender o que ela dizia.
— Não pode ser.
— Infelizmente pode, ele está numa fortaleza flutuante perto dos domínios dos demônios, protegido, o lugar foi feito com o resto do castelo que você destruiu.
Assenti e virei de costas caminhando até a cabana onde eu me encontrava, guardei a foice comigo e voltei para o centro da aldeia e me despedi de todos.
— Onde vai? — Lu perguntou acompanhada de Mike quando notaram que eu estava de saída.
— Visitar um velho amigo.
— Eu vou com você. — ela tocou em meu ombro e sorriu — Sou sua amiga lembra?
— Não. Vá para a Fortaleza onde Lúcifer está.
— Certo. — assentiu desviando seu olhar para baixo — Então isso é um adeus?
— Por hora. — sorri.
Corri e rapidamente peguei impulso abrindo minhas asas, coloquei o capuz e me dirigi ao extremo sul da aldeia chegando a um castelo relativamente pequeno onde anjos atacavam um grupo que lá morava, pousei me colocando entre eles e sorri olhando para os atacantes e logo joguei o capuz para cima.
— Você... — um deles falou de trás de mim.
Naquele momento estava marcado o início de um novo desafio, algo que eu nunca havia enfrentado antes. A partir dali eu teria a chance de descobrir o que esse "Lúcifer" era, poderia rever minha família e, principalmente, teria a chance de calar a boca daqueles que um dia ousaram me chamar de traidora.
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Então né? Traída finalmente chegou ao fim e eu espero que vocês realmente tenham gostado, agradeço de coração a você que acompanhou até o fim, mas a história da Anna não termina por aí... ela continua na Crônicas de um Demônio. De qualquer forma obrigada por lerem e até a próxima!

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