Capítulo 4

41 3 0
                                    


Estou em casa. Meu pai está lendo o jornal, sentado no lado direito do sofá, onde gostava de ficar quando voltava do ateliê. Mas algo está diferente, algumas coisas não condizem com o que lembro sobre minha casa. Os móveis estão posicionados de forma diferente, e todas as janelas estão abertas. Papai nunca abria as janelas. Há várias decorações que lembram a China pela sala, e uma cortina de bijuterias que separa a cozinha da sala de jantar. A casa irradia uma felicidade incomum, não a que eu estava acostumada, que consistia em manter meu pai nos eixos e tentar fazer com que ele aparentasse ser uma pessoa controlada. Os vizinhos não poderiam saber o que ele tinha.

Ele sorri enquanto lê o jornal. O que o faz ficar tão feliz? Escuto um barulhinho de lantejoulas e me viro. E lá está ela, igual à foto: o rosto belo, o sorriso estonteante. Minha mãe, sã e salva. Ela carrega uma panela e a põe na mesa. Seus lábios se movem ao pronunciar alguma frase, mas meu cérebro não tem registros de sua voz, portanto, não a reproduz. Isso me deixa verdadeiramente triste. Duas garotinhas idênticas aparecem correndo, com um sorriso muito parecido com o da mãe. Julie e eu, com uns oito anos de idade. Será que somos mesmo tão parecidas assim ou minha mente está apenas duplicando a minha imagem? Nunca poderei saber. Todos estão à mesa agora, comendo felizes. Percebo que estou chorando, porque sempre foi assim que imaginei como seria minha família se tantas tragédias não tivessem nos assolado desde sempre.

Choro com mais força, consigo sentir a dor, mesmo que isso seja um sonho. Corro para longe dali, e o caminho para o meu quarto é o mesmo de que me lembro. Enquanto subo as escadas, minha casa volta a ser como sempre foi: sem cortinas, nem decorações. Quadros caem das paredes e os vidros despedaçam, meus pés sangram, mas essa dor eu não sinto. As janelas se fecham violentamente. Ao abrir a porta do meu quarto, vejo que ele permanece do jeito que deixei ao fugir com meu pai. A imagem ficou na minha cabeça por conta da última olhada que dei para trás antes de fechar a porta para sempre.

As gavetas estão vazias, as fotos não estão mais lá pois as trouxe comigo, e o vento sopra pela janela que não tive tempo de fechar. Sou capaz de sentir o vento desarrumando meus cabelos. Será mesmo só um sonho ruim? Sento na minha cama, agarro os lençóis com raiva, e sinto a tristeza arrancando cada vestígio de alegria da minha alma. Quero desistir de tudo, ir embora deste mundo, encontrar minha mãe e meu pai em um lugar melhor, e talvez Julie. Quem sabe o que aconteceu a ela? Começo a soluçar. Que droga de vida! Que droga de sonho que não tem fim!

— Amy! Acorda!

Abro os olhos com dificuldade, a vista está embaçada pelas lágrimas. Thiago segura meu ombro, e seu olhar é triste. Devo estar bem pior.

— Me desculpe, estávamos lá fora e só viemos quando escutamos seus gritos — diz ele.

Olho para a porta, Caroline está parada e apreensiva.

— Não devíamos ter te deixado sozinha, sinto muito — Caroline fala com verdadeira dor na voz.

Eu sento na beira da cama e tento me recuperar, sem pressa. Carol traz um pouco de água pra mim, e eles sentam ao meu lado. Faz tanto tempo que não recebo alguma demonstração de carinho que fico um pouco nervosa, mas não peço para que saiam. O choro cessa aos poucos.

— Está se sentindo melhor? — pergunta Thiago.

— Estou sim. Aliás — digo olhando para ele —, obrigada por me tirar de lá. Não foi muito bom.

— Imagino.

Algo me diz que ele também sofre com pesadelos. Quem não sofreria nas circunstâncias atuais? Uma lágrima escapa, e não impeço Thiago quando ele a tira da minha bochecha com sua mão.

Morte aos LobosOnde histórias criam vida. Descubra agora