Gritos, palavrões e portas sendo batidas eram ouvidos por toda a mansão, ignorando a imensidão do lugar. No segundo andar da casa, tarde da noite, Hellen discutia ferozmente com seu pai, que a proibia de sair para uma balada qualquer. A garota insultava, praguejava e dizia já ser quase maior de idade e dona de sua própria vida.
A discussão durou um bom tempo.
Renato deu graças a Deus em ouvir que ela não sairia, estava um pouco indisposto naquela noite e tomava um chá de canela que Miranda gentilmente pediu para que a cozinheira preparasse.
— Quando será que Hellen dará paz ao senhor Reis? — perguntou a cozinheira para Miranda.
— Do jeito que as coisas estão indo... só Deus sabe — respondeu a governanta, balançando a cabeça negativamente. — Vou dormir. Boa noite a todos.
Renato ficou um tempo sozinho na cozinha, bebericando o delicioso chá. Não estar em casa a essa hora, o incomodava, pois ficava até tarde namorando Laura ou conversando com Frederico antes de dormir. Essa também era a hora em que Marisa passava no quarto para verificar se todos dormiam como anjos.
Passeou um pouco pelo jardim, parando perto da piscina para tentar encontrar o mínimo de paz. Aquela casa era majestosa, linda — um sonho —, mas não tinha a tranquilidade e a calmaria que o simples casebre de seus pais transmitia. Sua residência simples, dentro de suas quatro paredes, transmitia amor.
Sentiu a brisa da noite assanhar ainda mais seus cabelos ruivos que sempre estavam bagunçados — ou "bagunçados com estilo", como ele mesmo gostava de definir.
Olhou para o céu, lembrando-se das noites que sentava no chão do jardim com Laura, um apoiado nas costas do outro, "catando" estrelas e tentando encontrar as centenas de constelações. Às vezes, se esqueciam das estrelas e ficavam tempos a fio, conversando.
Tinha quase certeza que a namorada, nesse exato momento, estava apreciando o céu, assim como ele.
De bruços em cima da cama, chorando mais de raiva do que de tristeza, Hellen lastimava ter nascido. Odiava o pai, tudo e todos ao seu redor. Queria ser livre, fazer o que lhe desse na telha, sem ter que dar satisfações a ninguém. Colocar uma mochila nas costas e viver perigosamente como se não houvesse amanhã e nem um sobrenome a zelar.
Muitas vezes, fechava os olhos e queria ter o poder de voltar no tempo. Ter a mãe ao seu lado todos os dias, dividindo carinhos e confissões de mulheres. Eram amigas, não só mãe e filha. Voltar a sentir felicidade nas pequenas coisas da vida, e não essa amargura que a impregnava como um veneno dominador. Parecia que a verdadeira Hellen gritava dentro dela, tentando sobressair a outra ruim e cruel, que dominava até os poros de seu corpo.
Ser perversa era sua sina.
Em sua memória, veio à imagem sorridente da mãe que era uma grande admiradora da lua, principalmente, quando estava cheia. A bela mulher ia até o quarto da filha, porque só dali se via aquele fantástico satélite natural, tanto no céu quanto refletido na piscina, e Hellen aproveitava aquele tempo junto com a mãe.
Foi até a sacada para observar como estava a noite, e se a "amiga" que tanto as unia, estava brilhando no céu e "nadando" em sua piscina. Encontrou-se no parapeito olhando para cima. Lá se encontrava ela, majestosa e formosa.
Hellen lhe sorriu.
Olhou para a piscina na intenção de vê-la boiando pelas águas. Mas pela primeira vez não conseguiu.
Uma figura grande, forte e ruiva atrapalhava a sua visão.
Era o seu segurança particular que por algum motivo admirava o seu céu, sua lua e suas estrelas.
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Meu Guarda-Costas (Degustação)
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