Um ato vazio

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-Falta muito pra chegar, mainha?
A cada cidade que elas passavam Catarina tinha que responder a mesma pergunta que Tarsila insistia em fazer.
-Tarsila, meu anjo - disse com ar de quem estava para perder a paciência - quando estivermos chegando eu te aviso. Tá bom? Não precisa ficar perguntando isso em toda cidade que passarmos.
-Eu não ficaria tão ansiosa se você deixasse eu por meu pendrive no som do carro. - Tarsila estava nos seus 16 anos, na flor da adolescência, e como era de se esperar, inquieta e apressada.
-Tarsila! - Catarina agora a repreendia - Eu já te disse que agora não é momento dessas coisas, é tempo de luto!
Tarsila bufou, ela já havia perdido os pais uma vez, sabia que era devastador, mas também sabia que haveria um recomeço para Eric, assim como houve para ela quando foi adotada por Catarina, sua mainha. E por isso ela não acreditava que deviam ficar de luto, e sim ansioso pela nova vida que se acostumava. Ela acreditava veemente naquele pensamento de que sempre após uma tempestade há um arco-íris e era pra ele que devíamos dar atenção.
E foi exatamente por isso que insistiu tanto para Catarina que queria vir com ela quando receberam a ligação da delegacia informando o ocorrido, para não ajudar Eric a não ficar tão para baixo, para ajudá-lo a ver que a vida ainda tinha muito o que ser vivida e que as coisas nunca estavam tão ruins quanto pareciam.
Tarsila sempre pensou no luto como um ato vazio, um ato de apenas fazerem todos se sentir mal por alguém ter ido pra um lugar melhor e não terem os levado, um ato vazio e egoísta. E se tinha algo que ela sabia, era que não há algo tão vazio que não possa lhe acrescentar nada.
Já para Catarina o luto, não era nada parecido com um ato vazio. E sim um momento pelo qual os que tinham como entes queridos os que morreram deveriam passar em respeito a transição daqui para melhor ou para pior, dependia das suas ações. Para ela era um momento que não deveria jamais ser esquecido ou banalizado, era o jeito mais puro e belo de se dizer adeus e de deixar o outro partir em paz.
Enfim, Tarsila e Catarina já haviam enfrentado mais de 12h de viagem a caminho de Sagrada para dar amparo à Eric, o que significa que faltavam pouco mais de 3h de viagem. E infelizmente, para Catarina, ela ainda ouviria uma boa quantidade de "Falta muito pra chegar, mainha?".

Morte à queima-roupaOnde histórias criam vida. Descubra agora