Famintos

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-Vamos levar dois desse aqui. – Tia Cátia acariciava em um caixão de madeira nobre que possuía um tom levemente avermelhado.
Eric observava o caixão sério, sem demonstrar qualquer tipo de reação. Ele não se importava em qual caixão seus pais seriam postos para serem velados e enterrados. Até porque não seriam velados, seriam apenas enterrados, e ainda teria que ser rápido devido ao estado que os corpos dos dois estavam.
Na realidade, Eric não sabia nem se queria se seus pais fossem enterrados. Tudo bem que eles nunca demonstraram ou falaram de outras vontades, mas ninguém o consultara se ele estava confortável ou se ao menos ele se importava, apenas tomaram a decisão por ele.
-Cara feia pra mim é fome. – Tarsila havia se aproximado de Eric e agora tentava mais uma vez iniciar um diálogo.
Eric bufou e revirou os olhos. Não estava nem um pouco a fim de conversar com ninguém, muito menos com Tarsila.
-Bom, eu sei que você deve estar com fome mesmo, não tomou café da manhã. Por que não vamos à lanchonete aqui na esquina comprar algo enquanto mainha resolve as coisas no caixa?
Não podia negar, estava faminto e não era má ideia ir comer algo, mesmo que numa lanchonete qualquer que provavelmente reutilizava o óleo em várias frituras e não aparentava ser muito limpa.
-Olha, falou algo que preste dessa vez. – Eric apertou os olhos e alisou a cabeça de Tarsila como quem parabeniza uma criança que aprendeu algo novo. – Vamos logo, Tatázinha – agora ele estava sarcástico e quem semicerrava os cílios era Tarsila.
"Tatázinha? Ah, mas se esse moleque continuar assim... É melhor ele torcer pra eu ter paciência e não deixar ele sem esses dentinhos tão preciosos!", Tarsila começava a se estressar.
Eric avisou a tia que estavam indo comer e perguntou se ela queria algo. Cátia nem considerou comer algo daquela lanchonete. Ele voltou ao encontro de Tarsila e ambos caminharam pela calçada em silêncio até o instante que chegaram na lanchonete.
-Pastelaria Divina – Eric e Tarsila leram praticamente em uníssono.
Eric comprou um pastel de frango com milho e um copo de refresco de manga, Tarsila só comprou uma latinha de refrigerante. Sentaram-se a mesa um de frente pro outro. E foi nesse momento que Eric notou como curtia a presença de Tarsila, e o fato dele a achar insuportável era a grande causa.
Apesar de tudo que estava acontecendo era o fato dela o irritar que fazia ele pensar em outras coisas (como se devia ou não pedir desculpas a ela) ao invés de ficar vidrado nos recentes acontecimentos. E isso o deixou um pouco agradecido.
Parou de mastigar por um instante e finalmente disse:
-Desculpa por ontem, Tarsila. Você só queria ajudar e eu fui um escroto.
Tarsila não ia perder a deixa:
-Na verdade você vem sendo um escroto praticamente desde quando nós nos conhecemos, mesmo eu nunca tendo feito nada a você. Mas sim, eu te desculpo, sei que você deve estar com os nervos à flor da pele.
Eric estava desacreditado com aquela reação.
-Bom, agora que você caiu na real – "Eu caí na real? Essa menina pirou?" - Eu tenho ideia de algo que podemos fazer hoje à noite para ajudar você a se distrair... – Tarsila continuou falando mas Eric parou de prestar atenção quando viu uma mulher entrar na lanchonete ofegante.
-Tomás, liga pra polícia aí, por favor. Acabaram de roubar lá em casa, vê se pode uma coisa dessas. Eu estava lá preparando o almoço e ouvi uns barulhos no quintal, quando fui ver tinha um doido de vestido branco rasgado roubando minhas roupas do varal. Ligue aí, por favor!
Tarsila não notou, porém Eric ligou os fatos rapidamente.
-Marcos! – Eric deixou tudo na mesa e saiu correndo em direção à funerária, precisava contar isso a sua tia.
-Marcos? Endoidou? – Tarsila estava confusa, apenas se levantou e o seguiu correndo também.

Morte à queima-roupaOnde histórias criam vida. Descubra agora