Eu não sei o que dizer nessa carta de adeus, queria falar do que sinto orgulho, das coisas boas que realizei, das boas amizades que tive, daquela sensação gostosa de gostar de alguém que eu li em vários livros, porém o que tenho para falar não é algo bonito, é ruim, triste e feio!
Eu queria ser normal, mas não me enquadrava no que um "homem" deveria ser, e eu sofria muito por isso, na escola eu era chamado constantemente de viadinho, e todas as vezes que eu recorria a minha professora, ela me culpava, falava que eu dava motivo. Sempre chegava em casa com algum hematoma de uma "brincadeira",apesar da minha mãe perguntar, eu escondia o motivo, eu tinha medo da minha mãe! Mal esperava entrar no meu quarto para chorar feito uma criança, aliás, eu era uma criança não era pra eu chorar daquele jeito, nem adultos choravam com a mesma intensidade que eu. Com o tempo aprendi a me portar como "homem" até jogava futebol, ou ao menos eu tentava, no vestiário e no banheiro eu me sentia constrangido em ficar sem roupa perto dos outros garotos, eu olhava eles como eles olhavam as meninas. Será que eu tinha alguma doença por agir daquela forma? Naquela época a internet não era algo tão aberto, contudo,consegui acesso e comecei a pesquisar sobre, fiquei pasmo, achei a doença que tinha, procurei diversas formas de cura, descobri que se eu aceitasse um deus eu estaria curado, fiquei aliviado em saber que em breve poderia ser normal igual a qualquer garoto.
Comecei a frequentar centros em que praticavam idolatria desse deus, minha mãe ficou orgulhosa de mim, me senti tão feliz por fazer ela sorrir, passou meses mas eu não conseguia me curar, comecei a entrar em pânico, me disseram que se eu aceitasse ele eu estaria livre disso, mas não estou, por que ele não me cura? Eu aceitei ele em mim. Após esse dia eu me afastei daquele lugar, porém, todas aquelas palavras sujas estavam respingadas em meu ser, eu sentia nojo de mim quando me olhava no espelho, queria morrer mas ao mesmo tempo eu sentia medo e inconformidade por aquele deus não me salvar, e me deixar doente. Mas, apesar de tudo, eu era inocente e eu só queria ser normal, não ser alvo de piadas nem de chacotas. Um dia no colégio, estavam todos os alunos da minha sala na quadra, quase todos os meninos jogavam futebol, lembro que existia um garoto que não me achava estranho, eu ainda era chamado de viadinho por todos os meninos da minha sala, menos por ele, ele era legal comigo, eu esquecia que era doente perto dele. Me sentia quase o super homem. E então pensei em falar pra ele sobre minha doença, e então eu disse, mal podia olhar para ele de tanto medo que fiquei, mas percebi que ele apenas soltou um sorriso bobo.
Algum tempo se passou e eu comecei a ter uma ligação mais forte com aquele menino, vivíamos perto um do outro sempre conversando, fora ou dentro da escola, nós tínhamos por volta de uns quinze anos naquela época, e um dia como aquele que eu disse pra ele sobre minha doença, ele me chamou e eu segui ele, ficamos atrás da quadra conversando e quando percebi ele estava segurando minha mão, eu fiquei tão feliz, que mal sabia como agir, e então ele me beijou, nem preciso dizer que aquilo foi ótimo, eu tinha lido algumas coisas sobre o beijo em revistas mas apesar das pessoas que descreviam como era, parecia muito melhor com ele.
Eu sinto ele se afastar repentinamente e quando percebo todos os meninos estavam à nossa volta, ele disse rapidamente que eu obriguei ele, e antes que eu pudesse falar algo, comecei ser agredido por todos, inclusive por aquele que havia me beijado... Acordei algumas semanas depois num hospital, soube disso pois os médicos disseram, estava tudo tão confuso na minha mente, não sabia lidar com aquilo tudo, eu só queria minha mãe, estava apavorado. Passou um tempo e ela chegou, sentou ao meu lado da cama onde estava e nenhuma palavra saiu da boca dela, o silêncio dela com o gemido dos outros pacientes ecoava, isso era agonizante.
Decidi falar com ela mas ao virar meu rosto para olhar pra ela diretamente fui recebido com um tapa na cara, naquele momento percebi algumas coisas, uma era que quando aquele tapa tocou meu rosto soube que já não podia mais confiar nela e que metaforicamente eu havia morrido pra ela, outra era que aquilo doía muito, não o tapa em sí, mas toda a rejeição que aquele tapa representava. Após o tapa ela disse pra eu voltar a ser "homem" mas, o que é ser homem? Pensei que eu estava sendo um, mas parece que não conseguia agradar minha mãe, porque esse deus faz isso comigo? O que eu fiz de tão mal para merecer um castigo tão severo como esse? Pessoas nascem pra sofrer? Aquelas perguntas me ator doavam e parecia que nunca teria uma resposta para essas perguntas. Não consegui sequer olhar mais pra cara dela aquele dia, recebi alta do hospital, ligaram na minha casa e pediram para me buscarem pois eu já estava bem, não precisei escutar a voz de quem falava ao telefone com a enfermeira pois dava pra entender nitidamente as palavras de ódio emitidas pelo outro lado, vendo sua expressão de espanto.
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Rabiscos Ruins
HorrorContos paralelos de um mundo caótico e frenético que é ligado sempre que a luz do sol se apaga. Coisas ruins acontecem com pessoas sempre, independente se ela for boa ou não. Contos de terror/suspense independentes. Cada história é independente.