Capítulo 5

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- Pode pôr as bebidas aqui. - Falo me sentindo a chefona dos negócios.


Falta um dia para o evento acontecer e tudo agora toma seu rumo. Depois de pagar toda a festa, minha mãe encontrou o cartão em seu criado mudo e não suspeitou de nada, quando a conta chegar ela vai achar que foi de algumas de suas absurdas compras de sapatos, roupas e acessórios. Estou muito feliz com tudo. Esses 4 dias sem muito alvoroço e sem muitas surpresas me dão satisfação e motivos para viver, tirando, claro, a chave do motel que eu encontrei nas coisas da minha mãe, mas eu terei tempo o suficiente para pensar nisso depois, ou pelo menos eu acho que terei, mas não quero pensar nisso agora. Meus pais vão fazer 15 anos de casados amanhã e eles estão radiantes. Agora eles estão se tornando o casal que eu imaginei que fossem um dia.


Com tudo pronto para amanhã, ligo para Pietro pra nós passarmos o dia juntos, preciso comprar alguma coisa para os meus pais (mesmo eu sabendo que eles tem tudo), e no intervalo a gente poderia ter um tempo para nós, mas as ligações são um desperdício. Ligo uma. Duas. Três. Trinta e cinco. Sessenta e duas vezes... Todas dizem que o seu número está ocupado, e então me desespero. Onde será que Pietro está? Já não bastava tudo que ele já fez, lhe dou uma segunda chance e é assim que ele me agradece? Está pra nascer pessoa mais generosa do que eu. Ligo para a mãe, para a avó, para todos os seus parentes e ninguém atende. Será que todos viajaram e não me contaram, ou foram abduzidos ou ainda pior, viraram zumbis? Estou ficando paranoica, eu sei, mas é isso que o amor faz em nós, nos cega, nos desabilita, nos deixa incapaz de viver. Parece que todas as coisas que as pessoas fazem são para me atingir, não é possível.


Sem demora, tomo uma decisão: vou procurar Pietro em todas as ruas possíveis, todos os becos e vielas dessa São Paulo, e vou encontrá-lo. Arrumo uma mini mochila de couro, com uma estampa listrada que eu tenho e a preencho com o meu celular, meu casaco, uma lanterna e um estilete por via das dúvidas. Esse mundo está cada vez mais perigoso e os inteligentes são aqueles que sabem se defender, ou pelo menos aqueles que correm na hora do medo. É muito para eu pensar, então fecho o zíper da mochila e quando bato a porta do meu quarto, sinto uma imensa vontade de ir ver Laura. Com toda essa arrumação da festa me esqueci que tenho uma irmã. Que Deus me perdoe. Bato na porta do seu quarto e ela abre sem nenhuma intervenção, minha ou dela. Essa porta nunca fica aberta. Entro aos poucos no quarto e faço uma revista panorâmica no lugar com o olhar, e ao parar do lado da cama dela, percebo que tem vários pedaços de pizza no chão e uma mão que emerge para fora da cama, ou melhor dizendo, debaixo dela. Fico paralisada. Me desespero.


- LAURA! - Ela não responde. - LAURAAAA!


- BUH! - Ela solta um grito que estremece o meu corpo.


- Você está louca? Quer me matar? - Grito.



Ela não para de rir, e é então que eu percebo que ela não vai parar mesmo. Saio do quarto e bato a porta com força, para que ela veja o quanto eu estou irritada. Desço as escadas, passo pela sala principal e vou direto pra porta e no instante que eu abro-a me lembro que preciso levar alguma coisa para comer, para a provável ocasião que eu possa demorar. Então decido ir na cozinha pegar algumas barras de cereais, já que sou muito viciada nelas, porém antes de ir, ligo para Pietro, tendo esperanças que ele possa me atender e toda essa minha missão de resgate finde agora, entretanto mais uma vez não consigo falar com ele, o desespero já se mistura com raiva e preocupação, percebo que "bipolaridade" e "dupla personalidade" me definem nesse momento, fico parada por alguns minutos pensando nisso e vou em direção a cozinha, e antes de entrar, pego um copo no armário que fica do lado de fora da cozinha, talvez uma má programação da casa, porém me parece que esse foi o objetivo dos meus pais. Não importa. Quando me aproximo da porta da cozinha, escuto uma voz frenética, interrompida, sensual e lenta ecoando da cozinha. Paro e me encosto na porta para tentar ouvir. São sons misturados, talvez choro, riso, dor... Me aproximo um pouco mais e agora consigo escutar nitidamente os apelidos e os gemidos que meu pai está soltando para minha mãe e vice-versa, em cima do balcão, e eles estão sem roupa.



- Vai amor, mostre-me do que é capaz. - Ela fala bem baixo.


- Você vai ver queridinha. - Ele fala entre os dentes.



Não sei o que é pior: saber que minha mãe constantemente vai para o motel transar com meu pai, ou presenciar a cena, com certeza os dois, mas não é isso que me deixa perplexa. Como meu pai chamou minha mãe, "queridinha", esse era o mesmo jeito que "ele" me chamava, tão carinhoso como uma flor, mas tão agressivo como os espinhos da mesma. Em todos os lugares ele irá me perseguir. A rosa que ele me dava toda vez em que nos encontrávamos serviu de lição para mim. E se até com meus pais estou tendo todos esses pensamentos e lembranças novamente, mostra que eu só estarei livre dele quando eu morrer. Deixo o copo cair, se despedaçando em dezenas de pedaços, e é isso que me faz despertar.



- Quem está ai? - Meu pai pergunta.



Deixo aqueles cacos no chão como prova da minha vida no momento. Irreparável. Saio pela porta e sem destino, sigo pelas ruas. Milhões de coisas passam por minha cabeça. Qual será o meu propósito na vida? Será que eu nasci para sofrer? Será que eu nasci para ser atormentada pelos fantasmas do meu passado? E com apenas duas pessoas sabendo, somente eu e ele, tudo fica mais difícil de digerir. Qual seria a verdadeira razão pela qual ele enviara essas rosas? Paro de pensar nisso no momento que eu olho para uma vitrine de uma loja francesa e noto um urso enorme segurando um coração onde tem escrito "I love you", e então lembro de Pietro e o real motivo de eu ter vindo para as ruas, porém sem comida. Espero não demorar aqui.



Penso em todos os lugares que ele possa estar: biblioteca, trabalho, faculdade, casa de alguns amigos dele, alguns bares que nós visitamos e nada, então a última parada é na casa da sua mãe, e ela está lá.



- Oi senhora Aguilar, estou procurando Pietro desde a manhã e não o encontro. Por sinal eu até liguei para a senhora e a mesma não atendeu.


- Ô minha linda, me desculpe pelo incômodo, Pietro me disse que estava indo para a sua casa hoje pela manhã, meu celular descarregou e eu não sei onde ele botou o carregador, e sem ele aqui fica difícil de saber. Desculpe-me.


- Tudo bem, só estou preocupada de que possa ter acontecido alguma coisa -Falo olhando profundamente em seus olhos.


- Vou fazer o possível para falar que você esteve aqui. - Ela responde evasiva.


- Obrigada! - Saio com muita raiva.



Como sempre, Pietro faz coisas para me irritar, mas até quando? Não aguento mais. Aproveito para me desligar um pouco das coisas e vou aproveitando o que encontro no caminho de volta pra casa, em algum momento Pietro virá falar comigo (assim eu espero), então saberei porque ele ficou todo esse tempo sem me dar respostas. Passo pelas lojas de roupas, aproveito para comprar algumas, uma coisa que nunca faço, tentando ao máximo esquecer todo o mundo, a minha festa de amanhã, os meus pais...a vida. Passo em seguida em uma banca de jornais onde tem algumas revistas adolescentes e eu não hesito em comprá-las, no total são 5. Agora sim eu ficarei "atualizada". Aproveito ainda a caminhada e compro um sorvete com tudo que eu tenho direito: Bis, Kit Kat, muito M&M entre outras delicias do mundo das guloseimas. Por fim sigo para casa.



Quando estou chegando em casa me sinto voltando para o pesadelo que minha vida é. Chego na porta, dou um longo suspiro e abro-a. Estou de volta ao mundo real. Um silencio mortal está alojado aqui. Procuro por sinais de vida e nada, até a maioria das luzes estão apagadas. Todo o cenário "The Walking Dead" me assusta muito, mas mesmo assim sigo em frente. Vou direto para o meu quarto, subo as escadas e olho para as portas dos quartos da minha mãe, no extremo direito, e da minha irmã, no meio, as duas estão fechadas. Não é possível que eles estão dormindo agora, inclusive meu pai, ele vira a noite procurando empregos, normalmente. Na esperança de obter resposta, chamo-os.



- Mãe? - Recebo silêncio em troca. - Pai? Laura? - Só escuto os grilos do jardim.



Sem me importar muito com o silêncio, vou para o meu quarto que fica na ponta do corredor e ao abrir a porta, uma coisa cor de caramelo, com orelhas enormes que rastejam pelo chão, com um nariz rosado e um rabo que não para quieto sai do meu quarto e chama a minha atenção. Sim, é um cachorro. Quando fixo meus olhos para dentro do quarto, lá está ele, olhando pra mim, mexendo naquele cabelo maravilhoso e sorrindo.



- Presente adiantado, amor. Ele se chama Scoot!


Rosa De SangueOnde histórias criam vida. Descubra agora