O Sorriso do Lobisomem (Conto)

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Estava olhando para a janela, não aguentava mais olhar a chuva daquele dia. Estava, a cada segundo – como num loop eterno e inquebrável –, se lembrando da noite que a levou a ser internada ali. Pegou caneta e papel e mordeu a língua.

Tremia demais, borrava a tinta no papel enquanto tentava escrever; pôr para fora tudo o que precisava expressar. Escrever sua própria história de fantasmas e lobos.

Começou de verdade depois de três parágrafos rabiscados:

"Existem poucas coisas – datas – das quais posso me lembrar com tamanha precisão quanto àquela noite. Um dos únicos dias ao qual me lembro com tamanha clareza e riqueza de detalhes, é a minha formatura.

"Houve dias aos quais eu me questionei a veracidade daquela noite; se era mesmo setembro ou na verdade aconteceu em junho, mas depois de divagar tempo suficiente para tostar o que restava de neurônios lúcidos no meu cérebro, cheguei a compreensão de que era real e verossímil isto que vos escrevo – ou seria muita presunção a minha crer que alguém vá ler?

"Enfim, tudo começou num entardecer azul cobalto e rosa florescente, de setembro – e não de junho, quando a primavera já dava o ar de sua graça.

"Era uma tarde fria e comum no sudeste brasileiro para aquela época, dias depois da minha viagem para Santa Catarina, então era por volta do dia 10 e 18, não menos e não mais.

"Era, ou seria, uma noite de lua cheia e esta já resplandecia no céu cobalto. O ar estava parado e eu estava embolada numa manta quente e aconchegante de cor-de-rosa, olhava o céu que se obscurecia conforme o crepúsculo caía.

"A xícara branca estava cheia de café com leite, que esfriava em meio as minhas mãos. Estava distraída, o que era realmente comum, não era paranoica e focada como hoje sou. Bebericava levemente minha bebida enquanto esperava, o que eu esperava é o que eu me questionava.

"Eu sabia que algo estava por vir, que algo estava vindo colidir comigo – podia sentir no ar parado daquela noite, que nada de bom viria quando as sombras obscurecessem completamente as ruas e as luzes, tênues, do poste e da lua, fossem tudo o que iluminaria o local. Eu sabia que algo estava espreitando para atacar. Só não sabia que seria algo tão aterrorizante e assombroso, insano e místico para os olhos humanos.

"Voltei a beber meu café, sentindo no âmago que iria me arrepender de muitas coisas naquela noite.

"Lembrei-me que minha porta não estava trancada. Eu estava com muita preguiça para trancar, e graças a tranquilidade do meu bairro, jamais deixaria o aconchego de minha manta, para fecha-la. Mas graças a minha sensação angustiante, resolvi que o melhor seria fecha-la, tranca-la e depois passar o ferrolho.

"Internamente, eu ria de mim mesma por tomar tamanha precaução; porém, até o fim daquela noite, eu deixaria o deboche de mim mesma e daria graças a Deus por eu tê-la tomado.

"Andei até minha sala, do mesmo azul que tingia o céu, e tranquei a porta de madeira polida. Fui a cozinha e despejei o resto do café com leite no ralo, já que o mesmo se encontrava frio. E a minha próxima decisão foi o que me custou muitas coisas, eu decidi ir escrever partes do meu conto fantástico, para o site onde escrevo – sim, ainda escrevo para ele.

"Acabei por perder toda uma noite nele, e quando o relógio batia perto da meia-noite, o sono bateu em mim. Foi quando notei que a muito o céu estava escuro, que o agradável azul se fora a tempos. Fui para minha janela, no intuito de fecha-la, evitando o ar frio, que entrava em brisas rápidas por ela.

"Ao chegar ao para peito da mesma e me inclinar para frente, para conseguir tocar as janelas e as fechar, vi um homem –muito bem vestido e bonito, por sinal – na rua. Estranhei, ele não parecia da vizinhança. Não mesmo. Eu não o conhecia dali, mas sim de algum lugar.

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