Toc! Toc! (Conto)

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Toc! Toc!

Lentamente as trevas começam a se dissipar e ele sente seu corpo sendo tomado pela consciência novamente. Sente as falanges dos dedos formigarem levemente. Os olhos vão se abrindo. Ao contrário do que é de se esperar, a luz não lhe ofusca a vista. Na verdade não há luz nenhuma.

De pleno domínio do seu corpo, de olhos abertos, tudo o que vê é a escuridão. Está deitado de barriga para cima. As coisas lentamente começam a tomar forma na penumbra. Conforme seus olhos vão se acostumando com a falta de luz, ele consegue perceber os vultos ao seu redor. Distingue a estante de seu quarto, onde ficam seus cd's, revistas e o aparelho de som. Distingue também a cômoda, onde fica seu velho aparelho de TV de 19 polegadas. Seu quarto é a sua fortaleza e seu refúgio, um lugar que deveria lhe trazer a sensação de segurança e proteção. Deveria!

Toc! Toc!

O barulho o coloca em total estado de alerta. Com os músculos contraídos, e os batimentos cardíacos acelerados. Sentiu o coração pulsando em sua garganta. Suas pupilas estão dilatadas e ele faz um esforço pra tentar enxergar melhor em meio aos vultos. Estaria ele sonhando? Infelizmente ele sabia que não.

Toc! Toc!

É uma casa mista, paredes externas de material e as repartições internas de madeira. Três quartos, o dele, o dos seus pais e entre eles um quarto vago para receber visitas. Fica em um bairro residencial tranqüilo. Algumas vezes tranqüilo demais, quase deserto. Normalmente após as 23 h não há mais viva alma perambulando por suas ruas. O vizinho do lado fica a cerca de 30 metros de distância, com um muro alto no meio. O Vizinho da frente tem um terreno enorme e uma casa construída nos fundos. A sua casa era isolada das demais.

Poucas horas antes, por volta das 20h, aproveitando que seus pais viajaram, recebeu um pequeno grupo de pessoas. Um amigo e duas amigas para ser mais exato. As meninas ficaram pouco tempo e antes das 22h, já haviam partido levando consigo a esperanças dos garotos terem algum sexo naquela noite. Ele e seu amigo ficaram por cerca de uma hora bebendo algumas cervejas e fumando um baseado. Até que por volta das 23:30h seu amigo também se foi. A pequena sala ficou ornamentada com latas de cerveja, bitucas de cigarro e restos de maconha. A arrumação poderia esperar até a manhã seguinte, pois seus pais ainda ficariam dois dias fora. O cheiro do baseado ainda impregnava a casa. Ele foi se deitar meia noite. Devem ter se passado duas horas e meias no máximo.

Poderia seu amigo ter voltado por algum motivo e estar batendo à sua janela?

Não! O barulho não era de batida em vidro, mas de batida em madeira. Poderia alguém estar batendo à porta? Não, pois mesmo ignorando o fato do portão estar cadeado, caso fosse alguém à porta, as batidas soariam abafadas pela distância e no entanto, era como se as batidas estivessem muito perto. Assustadoramente perto. Quase dentro da sua cabeça.

Toc! Toc!

Uma leve descarga de choque, proveniente do susto, percorre seu corpo. As batidas são dentro da casa. Estão batendo na parede do quarto. Não são batidas fortes. São bem leves, como se alguém estivesse batendo com os nós dos dedos na parede. Leves mas com intensidade suficiente para ter o acordado. Ainda deitado ele aguça a audição para tentar identificar o ponto exato de onde vem o barulho. Mas então, não há mais barulho nenhum. Um súbito silêncio invade o quarto.

A esta altura, sua visão já está completamente adaptada a escuridão. A pouca luz vem do poste na rua e atravessa a grossa cortina de lona. Já reconheceu cada móvel e objeto do seu quarto. Aparentemente está tudo em seu lugar. Aparentemente ele esta sozinho no quarto. Mas em sua mente, uma voz insiste em lhe soprar aos ouvidos "as aparências enganam".

Durante uma fração de segundos ele calcula sua posição e mapeia mentalmente o seu quarto. Num súbito movimento, levanta dá dois passos em direção a porta, bate a mão no interruptor e se joga novamente pra trás na direção da sua cama, onde se cobre. É uma cena ridícula, coberto com o edredom em forma de capuz, deixando apenas uma fresta para espiar o quarto, como se estivesse envolto em um manto mágico que o protegesse de todos os perigos.

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