Hora da morte: Nove e cinquenta e quatro.
Ouvi as luvas estalando quando os médicos as tiraram frustados com toda a situação e os vi virem em nossa direção.
— Fizemos tudo o que podíamos, mas o estado dela era crítico. Sentimos muito.
Eles abaixaram a cabeça e eu só conseguia continuar olhando em frente. Eu não enxergava nada, apenas estava lá, olhando.
Me recordei de um momento na minha infância, mais precisamente meu aniversário de sete anos. Meu pai tinha acabado de nos abandonar e só tinhamos nós duas em casa. Eu estava sentada na bancada da cozinha, com meu vestido mais bonito, um chapéu de aniversário e na minha frente tinha um bolo de chocolate coberto por confetes coloridos, sete velas brancas e minha mãe muito animada. Ela estava muito bem vestida, maquiada e sorria um sorriso que me marcou para sempre.
Ela não estava feliz.
Mas ela estava se esforçando para parecer feliz por mim. Eu percebi tudo e então desci do banco e a abracei. Disse que a amava e que tudo bem se ela não estivesse bem, então ela chorou. Chorou tudo que precisava chorar. Chorou a noite toda, mas no dia seguinte eu nunca havia a visto tão bem. Ela era outra mulher.
— Mari, precisamos ir. — Ouvi a voz do Vector que me tirava do transe e deixei que me levassem, pois eu não sabia mais como viver.
O Leonardo dirigia, enquanto o Vector me mantinha aninhada ao seu corpo durante o caminho para casa. Durante todo o caminho eu olhei fixamente para a janela do passageiro e fiquei observando a paisagem e a neve que caía sobre as ruas e as árvores, fazendo tudo parecer um enorme e felpudo tapete branco. Mamãe amava assistir a esse fenômeno. Era o que ela fazia nas tardes de domingo durante o inverno.
—Vou te levar para o seu quarto. — Ouvi o Leonardo dizer enquanto entramos em casa.
— Eu posso fazer isso sozinha. — Falei secamente e subi para o meu quarto.
Me sentei na cama e mais lembranças da minha mãe voltavam a memória...
Ela decorando meu quarto...
Ela dizendo o quanto eu estava linda no meu vestido para o baile no verão passado...
As vezes em que ela me colocou de castigo e depois veio até o meu quarto trazendo cookies com gotas de chocolate e uma xícara de chá de canela para fazer as pazes.
Olhei para minha escrivaninha e tinha uma foto nossa, de quando eu tinha um ano. Segurei o porta retrato em minha mão e fechei os olhos tentando sentir o seu cheiro e lembrar do seu sorriso.
— Não quero ficar sem você, mamãe. — Falei olhando para o quadro. — Não consigo ir sozinha.
As lágrimas voltaram e dessa vez eu sequer as sentia, só consegui saber o que acontecia quando as gotas começaram a cair no quadro. Então abracei aquele quadro com toda força do mundo e pude sentir pelo menos um terço da sensação original.
🌒🌓🌔🌕🌖🌗🌘
— Mariana, você está pronta? Está na hora.
Balancei a cabeça concordando e me levantei. Dei alguns passos e quando olhei para frente, haviam tantas pessoas. Pessoas que amavam minha mãe, pessoas que me amavam. Abaixei a cabeça e respirei fundo tentando engolir o enorme nó que estava me impedindo de respirar. Levantei a cabeça e comecei o meu discurso:
— Eu havia preparado algo para dizer, mas nem a mais bela poesia vai mudar o fato de que minha mãe morreu por causa de uma doença que vai te consumindo aos poucos.
As pessoas me olharam assustadas, mas ignorei e continuei:
Todos nós aqui presentes a conhecíamos de formas variadas, como mãe, esposa, amiga, vizinha, chefe, orientadora e suas mil e umas versões autênticas que compunham minha mãe.
Saber que ela estava morrendo foi mais do que um choque, foi uma sentença de morte que ela deixou para mim. Isso tudo mexeu tanto com minha vida, mudou toda minha história, tudo que eu havia planejado. — Respirei fundo.
Agora sou órfã, entrei para as estatísticas. Minha mãe morreu — dei uma risada — É, ela morreu. Então quero dizer que vocês devem aproveitar suas mães e amigas o máximo possível, pois elas se vão e as vezes não podem se despedir.
Eu amo você, mãe e obrigada por me ensinar o que sei. Espero que você esteja em um ótimo lugar. Você merece. — Dei um sorriso e uma lágrima escapou, mas não tive vergonha dela. — Obrigada. — Agradeci e ouvi palmas.
Após minha fala, tiveram outras pessoas falando e dizendo o quanto a amavam, eu não podia digerir aquilo, então decidi sair para passear um pouco no Jardim e para poder respirar ar fresco.
Estava nevando, faltavam duas semanas para o Natal. Seria um natal bem difícil. Engoli seco e me sentei em um banco no meio do jardim. Lembrei do primeiro Natal do qual eu me recordava, acredito ter entre três e cinco anos, já que são alguns flashs.
Eu corria no nosso vasto quintal e tinha uma árvore gigantesca que a mamãe amava. Comecei a correr em volta dela e o papai me seguia. Ríamos tão alto que minha barriga doía. Mamãe brigava conosco para que entrássemos pois estava muito frio. Eu e o papai não gostamos muito, então fizemos bolas de gelo e arremessamos em sua direção. Ela gritou surpresa e então correu para fazer sua própria bola de neve e arremessou em nossa direção. Foi um dos melhores natais que tivemos juntos. Sorri com a lembrança e senti uma mão em meu ombro.
— Está frio. — Era a voz de uma mulher, me virei para olhar e não a reconheci.
— Quem é você? — Perguntei um pouco assustada.
— Uma conhecida de sua mãe. Não se assuste, tenho um recado dela. — Falou tentando me acalmar.
— Fala logo. — Respondi agoniada.
Ela olhou em volta, parecia agoniada. Desconfiei, mas antes que pudesse falar algo, ela começou a dizer.
— Não se preocupe, isso vai passar. Logo você estará com ela. Ela te ama e estará sempre cuidando de você.
Abaixei a cabeça e dei risada.
— Mas é cla...
Antes que pudesse terminar percebi que ela não estava mais lá.
Ela sumiu.
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A Herdeira da Lua [New Version // SLOW UPDATE]
FantasyA Herdeira da Lua Quando uma jovem descobre sua verdadeira identidade ela percebe que talvez seja o fim da sua vida e o único caminho que lhe resta é lutar por tudo aquilo que acredita. Todos os Direitos Reservados √ Plágio é crim...