Capítulo 3

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O que mais me irrita na verdade é que o rei tinha conseguido o que queria.
Não importava por onde eu passasse, estavam o tempo todo comentando sobre isso e sobre como isso era a "luz no fim do túnel" e a "salvação para todos os nossos problemas".
Ah, se vocês soubessem a verdade. Ler não é uma total perda de tempo, sabe? Ajuda a saber quando estamos sendo manipulados. Da uma visão de mundo muito mais ampla.
Eu sorria tristemente ao constatar que não adiantaria nada falar.  Aquelas pessoas realmente acreditavam que aquilo era uma salvação. Nunca acreditariam mim.
E eu sempre fui calada. Simplesmente acho que viver totalmente calada pode ser melhor. E sim, estou ciente que é tanto uma bênção quanto uma maldição. Se as pessoas não me notarem eu nunca arranjarei problemas ou serei o centro das atenções, mas eu perco a oportunidade de socializar. Se bem que, os livros são a única amizade que eu preciso.
Naquele dia, eu olhava para o teto. Pensava em tantas coisas. Até que decidi descer para tomar um chá. Minha mãe amava chá. E eu também. Desci as escadas cuidadosamente, até ouvir um barulho que vinha da cozinha.
— Pai?
Minha voz saiu insegura e eu corri ao não obter respostas.
Na cozinha me deparei com uma cena que quase me fez chorar.
Meu pai estava apoiado na mesa de madeira e embora estivesse quase caindo, ele se esforçava pra ficar de pé enquanto tossia descontroladamente. Eu conheceria aquela tosse em qualquer lugar.
— Pai?
Minha voz saiu num sussurro. Não tinha forças pra algo mais alto.
Ele se virou um pouco e levantou a cabeça até eu entrar em seu campo de visão.
— Be...
Mas ele não pôde terminar, pois foi interrompido por mais tosse.
Corri para socorrê-lo. Deixei-o se apoiar em mim e o ajudei a sentar numa cadeira, então dei leves tapinhas em suas costas até ele se acalmar. A tosse foi sumindo até ele finalmente conseguir respirar.
— Isso. Calma.
Ele respirou devagar, inspirando e expirando até a sua respiração ficar compassada. Ele limpou a garganta e abriu a boca pra falar a maior das mentiras.
— Eu estou bem.
— Hmhum, sei. — Disse, revirando os olhos e sentando no chão ao seu lado e abraçando os joelhos — Você sabe tanto quanto eu que não está. E que essa tosse é só o começo de algo muito maior.
Mandei-lhe um olhar de advertência.
— Não vai acontecer a mesma coisa dessa vez. Não se depender de mim.
Suspirei. Estava claro o que eu teria que fazer.
— Precisamos de medicamentos e tratamentos. Não posso viver sem você pai. Não posso.
Desviei o olhar e fechei os olhos com força.
— Não. — Disse ele, ao entender o que eu ia fazer — Vamos achar outro jeito. Você não precisa fazer isso.
Abri os olhos e olhei em seus olhos, pra ele ter certeza do que eu ia fazer.
— Sim, eu preciso.
Me levantei e passei a mão no vestido simples que usava pra tirar a poeira. Suspirei e beijei a sua testa.
— Volto logo. Me espere aqui.
— Bela!
Fechei a porta antes que ele podesse me convencer do contrário.
Saí de casa e andei pela rua levemente deserta. Sentia algo em meu peito... Algo como medo. Nos livros que eu lia, até os maiores heróis tinham medo. Talvez eu fosse isso. Uma heroína a minha maneira.
Cheguei na barraca de aspecto simples que estava vazia e fui atendida por uma moça gentil que me perguntou todos os meus dados enquanto registrava numa ficha e concluiu com um grande sorriso e uma frase.
— Parabéns. Em uma semana você irá ao Palácio, servir ao nosso rei.

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