Capítulo UM

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Sempre imaginei o Paraíso como um lugar perfeito, onde nós ficaríamos em paz. Um lugar cheio de crianças, com um banquete inacabável e várias pessoas sorrindo. Um lugar descrito por diferentes religiões onde o clima é ameno, há abundância de alimentos e recursos, e não há guerras, doenças ou morte. Normalmente, a vida no paraíso seria a recompensa após a morte para as almas dos que foram bons aqui na terra. Indiferente de religiões ou dicionários, Paraíso representa algo, um lugar, uma forma de viver, algo com que a raça humana sonha desde os princípios. A Terra é o paraíso dos Raks; e de alguma maneira, isso me fez acreditar que se eu entrasse naquele prédio, aquele tenebroso prédio, tudo ficaria bem. Não para mim, claro, mas para minha família, talvez. Seria egoísmo da minha parte fugir? Até onde se limita o egoísmo na atual situação do ser humano?

Com passos firmes na neve entrei no prédio. Estava anoitecendo, mas a luzes iluminavam bem toda a área, como se ainda fosse dia lá dentro. Não havia fila, apenas um cara que estava onde julguei ser a recepção. Cheio de vidros e com uma tecnologia avançada, havia detalhes em azul por toda parte e uma placa de led refletindo a palavra PARAÍSO, logo na entrada. Quando o garoto se foi, apresentei-me a uma moça bonita de olhos caramelados que me pediu alguns documentos, dei-os sem hesitar. Ela preencheu um formulário que durou uns cinco minutos; me devolveu os documentos e pediu para que eu prosseguisse. Assenti com a cabeça e entrei no que para eles era o paraíso, para mim era o inferno claramente.

- Ei, novato! Me siga! - Gritou um homem negro e musculoso, assim que passei pela porta de vidro, aparentemente não havia muitas pessoas ali naquele momento e o prédio em si era muito bonito por dentro, decorações à porcelanato, piso de mármore e vasos de planta por todo o lugar.

Sem responder eu o segui, uma tensão cresceu dentro de mim. Era como um primeiro dia de escola: Impossível não ficar nervoso. O homem se vestia de preto e tinha uma corrente com, provavelmente o símbolo do projeto, uma águia.

Descemos uma escada até um pavilhão todo branco, repleto de cômodos, o homem parou em frente a um deles.

- Este será seu dormitório. Seus colegas de quarto estão no refeitório, é melhor se apressar ou vai ficar sem comer.

- Ah, OK! Obrigado!

- Olha aqui garoto, me parece estar perdido e sei que não quer estar aqui, então independente do motivo, não confie em ninguém, não faça amigos. Isto aqui - dizia ele enquanto apontava para fora do dormitório - é o preparo para o fim do mundo, então a menos que seja um motivo especial, saia daqui quanto antes.

- Eu não posso! Preciso ficar, mas.... Obrigado.

- Não me agradeça - e então o homem saiu, sem sequer olhar para trás.

O dormitório era confortável na medida do possível. Também era branco e havia duas beliches. Apenas uma cama estava totalmente arrumada, deduzi ser a minha. Coloquei minha mala sobre a mesma e pensei no inevitável: eu vou morrer aqui.

Sentei na cama e olhei para o horizonte por um longo minuto, tentando decifrar o que o homem havia me avisado, não confie em ninguém.

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O refeitório era iluminado por luzes vermelha. Havia comida suficiente para encher um campo de futebol, garotos e garotas, da minha mesma idade, suponho, preenchiam o lugar. Sentei-me numa mesa mais ao canto, sozinho, até alguns dos outros recrutas se sentarem comigo.

- Ei, cara! É novo aqui? - Perguntou o mais alto, de cabelos negros, com uma lata de refrigerante na mão.

- É... Sou sim! - Respondi evitando o olhar dos outros à mesa. Havia uma garota, ao lado do cara mais alto.

- Seja bem-vindo - disse a garota com uma voz macia e sedosa, realmente me surpreendi - me chamo Lydia.

- A-ah! Prazer, sou Ethan.

- Mora na cidade, Ethan? - Perguntou o cara da minha direita, tinha o rosto fechado, a pele era de um tom amarelado e havia uma pulseira com a mesma águia no pulso.

- Sim, moro...

O silêncio reinou no lugar, um homem alto de cabelos grisalhos entrara na sala.

- Bom dia, senhores... E senhoras. Pudemos ver que vários novatos chegaram neste mês - todos bateram palmas - Eles são os últimos...

As palmas cessaram e começaram os sussurros, era como se o homem jogasse uma granada naquele lugar e não tinha para onde correr. Os últimos? O projeto Paraíso não era muito diferente do exército, mas ao invés de te obrigar a participar, eles faziam uma chantagem emocional, te colocando na parede, te deixando sem escolhas. Foi assim por dois longos anos, desde a chegada do projeto à Breckenridge. Jovens de dezoito a vinte anos, costumavam receber uma visita dos oficiais em sua casa, logo depois vinham parar aqui.

- Acalmem-se! Vamos receber os nossos novatos com alegria, OK?! Paul, Joshua - o cara alto da minha frente levantou, assim como os outros. - Anne, Castor, Kaio, Lydia, Esdras e por último, Ethan. Sejam todos bem-vindos! Reunião com os líderes na minha sala.

O cara da minha direita levantou e se foi.

- Ele é um líder? - Perguntei à Joshua.

- É sim, Marcos, líder do esquadrão B. Já sabe qual o seu esquadrão?

- A-ah... não.

- Eu gostaria de te ajudar, mas tenho que treinar.

- Eu posso ajudar ele - disse Lydia, com um sorriso meigo no rosto. Ela e Joshua se beijaram e sussurraram algumas palavras de despedida e então ele foi embora. - Vamos, vou te mostrar o Paraíso.

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- Já vão se fazer três anos... - disse ela enquanto andávamos em direção aos dormitórios.

- Pois é.

- Três anos que eles atacaram meus pais.

- Eu sinto muito, Lydia.

Estávamos no quarto pavilhão, Lydia me mostrava a sala de treinamentos. Era mais silencioso ali, por incrível que pareça. Ela ficava ainda mais bela naquela fraca luz, seu cabelo loiro era como uma cachoeira de mel que escorria por cima de seus ombros. Fiquei paralisado.

- E você? - Ela disse.

- Eu? É... Eu o quê?

- Sua história; por que veio parar aqui?

- Ah, sim. Bem, na verdade foi por causa da minha mãe. Os Raks passaram a doença para ela, desde então as dívidas aumentaram e com ela morrendo, não sei como meu pai suportará. Por isso vim. Prometeram que cuidariam deles, da minha família. É tudo o que me resta, não posso vacilar.

Uma vontade de chorar cresceu em mim, ao lembrar de minha mãe, deitada na cama, frágil, sem conseguir se mexer, mas me segurei. Lydia me abraçou com seus braços calorosos. Passou suas mãos macias em meu cabelo e então se afastou.

- Ethan, este lugar... estas pessoas... isto aqui não é para você.

- Por que diz isso?

- Por que este é um lugar para órfãos, para quem não tem ninguém que deva se preocupar. É o lugar em que vai viver até morrer, está preso aqui.

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