"Primeiro destróis. Depois curas."

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[ Thea ]

Abri as pálpebras dos meus olhos azuis vagarosamente mal me apercebi que os meus sentidos haviam retornado. Após alguns segundos, as vagas lembranças de ter feridas infetadas vieram à tona, sendo essas então o motivo de eu ter estado com febre alta.

Fitei o teto bege. Apesar de não estar imaculadamente polido, encontrava-se mais limpo do que aquele que eu havia fitado durante uma semana, ao longo de 24 horas.

Foi então que entendi que eu já não estava no anexo. Estaria em East Side?

É impossível, Thea, pensei, bufando de frustração, Alguém teria te avisado.

Reuni forças e sentei-me na cama confortável e grande onde estava deitada a dormir. Os lençóis finos e cinzentos cobriam-me até às coxas. Uma grande parte dessas estava visível, uma vez que eu envergava apenas uma camisola larga e com alguns defeitos.

A peça de roupa que trazia vestido cheirava a fumo e um pouco a mofo. Se estivesse totalmente concentrada, conseguia também pressentir um leve aroma a sangue, o que era, sem dúvida alguma, assustador.

Levei alguns segundos para compreender que também me encontrava com roupa interior desconhecida. Aquilo não era meu, e só desejava que quem me tivesse trocado de roupa fosse uma rapariga ou então alguém que nunca mais fosse ver na vida.

Quando me tentei levantar, as feridas que estavam espalhadas pelo meu corpo fizeram com que a dor que já sentia se elevasse. Consequentemente, um grito escapou-se por entre os meus lábios, do qual me arrependi milésimas de segundos mais tarde.

A primeira coisa que me veio à cabeça foi voltar a cobrir-me com os lençóis e fingir que estava a dormir. Talvez dessa forma ninguém me torturasse mais.

Ouvi passos rápidos a aproximarem-se do local onde me encontrava, o que fez com que a minha respiração se tornasse acelerada e irregular. E isso não era nada bom se eu queria fingir que estava a dormitar.

A porta daquele quarto abriu-se de rompante, e com ela, uma voz grave e rouca fez-se ecoar por todos os cantos:

-Eu sei que estás acordada.

Como não tinha mais alternativas, abri delicadamente os olhos, ao mesmo tempo que me sentava de modo silencioso na cama. Assim que o fiz, dei de caras com ele. O rapaz loiro da arma, aquele que estava responsável por mim. O mesmo que me torturou e me deixou sem forças estava diante de mim, de braços cruzados, maxilar cerrado e o seu olhar posto no meu.

-Não faças barulho. Ninguém pode saber que estás aqui.- ele contou inexpressivamente, enquanto se aproximava.

-Foste tu que fizeste isto?- indaguei, referindo-me às ligaduras que se apresentavam em volta das minhas feridas.

-Sim.

-É um bocado hilariante.- comentei, revirando os olhos.- Primeiro destróis. Depois curas.

-Estavas com febre.- ele respondeu, torcendo o nariz.- Não me servias de nada morta. Pelo contrário, enquanto estiveres viva vales-me de muito.

-E foste tu que me deste esta roupa?-interroguei, apontando para a camisola. Ele anuiu. Não tinha bem a certeza se queria saber a resposta à minha outra pergunta, mas mesmo assim fi-la.- Também foste tu que deste...a de dentro?

-Isso não. Tive de pedir a uma soldado.- o loiro anunciou, sentando-se na borda da cama. Como esta era enorme, podia dizer que ele (felizmente) estava a uma distância considerável de mim.

Como se lesse os meus pensamentos, o rapaz cujo nome ainda não sabia confessou:

-E sim, fui eu que te vesti.

-Desculpa?!- ripostei, elevando o tom de voz.- Como é que te atreves? Invadiste a minha privacidade!

-Olha lá, miúda.- o rapaz começou, com o desdém percetível.- Se alguém souber que estás aqui dentro eu sou um homem morto. E eu não vou arriscar absolutamente nada por uma refém. Mas não te preocupes, não vou fazer comentários sobre o que vi. Nem sequer me importo com isso.

-Importo-me eu!- exclamei, sentindo as minhas bochechas a tornarem-se vermelhas devido à vergonha.

-Tens de me prometer uma coisa.- ele disse baixinho, ignorando o que eu dissera enquanto se aproximava. Aproximou-se o suficiente para conseguir estender o seu dedo indicador e este tocar no meu narizinho  (mas ele não o fez).- Tu não podes mesmo dar indícios de estares aqui. Se te mantiveres calada, ficas. Se te armares em espertinha, voltas para aquele anexo com maus tratamentos. Combinado?

Humedeci os lábios, hesitante. A verdade é que ele podia ser muito perigoso, mas era preferível ficar naquele local do que voltar para o sítio onde eu vivera o meu maior pesadelo. Respirei fundo e só então respondi:

-Prometo.

Vi um sorriso cínico crescer nos seus lábios, ao mesmo tempo que puxava as pontas do cabelo loiro com os dedos da mão direita.

-Victoria.

-O quê?- perguntei, franzindo o sobrolho. Não havia percebido o que ele queria dizer com aquilo.

-Tens cara de te chamares Victoria.- o rapaz anunciou, continuando a manter a inexpressividade não só no rosto, como também na voz. Não pude evitar em soltar uma risada baixa e quase impercetível. Parecia surreal estar a ter um momento tão calmo com aquele que me havia esfaqueado.

-Mas não me chamo assim.

-Não digas.- ele pediu rapidamente.- É melhor assim.

- Porque razão?

- Gosto de manter distância das minhas vítimas.- e com isto, ele levantou-se, e começou a deambular pelo quarto que apesar de não estar completamente cheio, era muito mais adornado que o último sítio onde eu estivera.

-Eu também não quero ter nada a ver contigo.- murmurei, cruzando os braços. E a verdade era essa: eu só queria sair dali, e nunca mais ter de olhar para a cara deste cretino que quase me matou. Nem sabia bem porque motivo lhe dirigi a palavra naqueles últimos segundos.

-Ótimo.- vi-o a pegar em dois pedaços de um tecido branco. Ele aproximou-se mais uma vez, e colocou a minha mão encostada ao "braço" da cama, começando a fazer um nó forte.

-Estás a prender-me?- questionei, apercebendo-me finalmente daquilo que ele pretendia.- Eu prometi que não dava sinais de vida!

-E vou mesmo confiar em ti? Na rapariga que quer voltar para East Side?

-Sim! Por favor.- supliquei. Por uma milésima de segundo, o rosto dele estava a centímetros do meu, com os nossos narizes quase a entrar em contacto. Fitei os seus olhos cor de mel, na tentativa de ele acreditar em mim. A verdade é que não me valia de muito fugir daquele quarto, se sabia bem que iria encontrar mais como ele após aquela porta.

Surpreendentemente, depois daquele pequeno momento, ele desfez o nó, deixando-me "livre".

-É bom que não me faças arrepender disto.- ele sussurrou.- Vais ter graves consequências se tentas fugir daqui.

-Não te vais arrepender.- jurei, tentando obter o seu voto de confiança.- Quando voltares, eu vou continuar aqui.

East Side | Ross LynchOnde histórias criam vida. Descubra agora