"Afasta-te de mim."

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Mantive a minha boca aberta por um longo período de tempo, por estar tão surpreendida com aquilo que se encontrava mesmo à minha frente.

Havia um grande espaço por entre os edifícios destruídos e sombrios que se apresentava perfeitamente limpo. O chão tinha inúmeras pedras pequeninas brancas que formavam um caminho até ao lago que se conseguia ver ao longe.

-Vamos?- o rapaz perguntou, estendendo-me a sua mão grande e cheia de cicatrizes.

Torci o nariz e respirei fundo.

-Sei andar sozinha.- respondi secamente, erguendo um pouco a cabeça para mostrar superioridade. Por momentos achei que ele me iria agredir, ou agarrar-me-ia com o objetivo de mostrar quem ele era e o que podia fazer comigo se lhe apetecesse.

Mas não.

O rapaz loiro da arma simplesmente encolheu os ombros e dirigiu-se ao lago em passadas longas e largas.

Limitei-me a segui-lo, pensando nas várias possibilidades daquilo ter resistido ao fim do mundo. Era impossível. Alguém havia tratado daquele espaço com muito cuidado e empenho. Talvez houvessem outras civilizações nos arredores, porque era impossível que alguém de Mortem Hostia tivesse criado aquele local. Todos eles destruíam, não construíam.

Quando estávamos a um passo do lago, cruzei os braços, fitando a água límpida. Os raios solares embatiam naquele momento nessa, o que a tornava brilhante e ainda mais fantástica.

Era uma paisagem de cortar a respiração. Depois de tantos anos fechada entre quatro paredes, depois de estar enclausurada numa civilização inimiga, finalmente podia ver algo bonito, algo que me fazia muitíssimo feliz. Era quase inacreditável que existisse um local tão maravilhoso como aquele, tendo em conta o tempo em que vivia.

Respirei profundamente e fechei os olhos, deixando a cabeça cair um pouco para trás. Não me consegui conter e soltei uma gargalhada. Aquilo era realmente a melhor coisa que alguma vez acontecera na minha vida, e se eu pudesse, nunca mais sairia dali.

-O que achas?- ouvi o rapaz a perguntar, e abri os olhos.

-É espantoso, quer dizer, nem há palavras para descrever tudo isto.- confessei, esquecendo-me por alguns segundos que aquele jovem era o meu torturador e um possível assassino. Sorri abertamente enquanto sentia o vento no meu rosto. Quando fitei o loiro, reparei que o seu olhar prendia-se em mim.

-Vais tentar afogar-me, é?- interroguei, arqueando uma sobrancelha. Não confiava nem um bocadinho naquele lado simpático dele. Provavelmente estava a seguir ordens do seu chefe. Quase que podia adivinhar qual era o plano.

Passo 1: Fingir preocupar-se e não ser violento

Passo 2: Dirigir a refém até ao lago

Passo 3: Forçá-la a entrar na água, para depois a matar.

Era um bom plano se eu fosse burra. A questão é que não o era.

-Vem comigo.- ele pediu, descalçando as botas castanhas escuras. Em seguida, começou a despir as calças, e eu juro que desviei o olhar. Aquele rapaz metia-me nojo.

-Nem penses.- acabei por responder, e assim que o fiz, o loiro apontou a sua arma à minha testa. Gemi baixinho por ter sido apanhada de surpresa. Engoli em seco, implorando que ele não disparasse.

-Vem comigo.-ele repetiu, no mesmo tom de voz: grave e inexpressivo.- É uma ordem.

Levantei as mãos um pouco acima da minha cabeça, mostrando que me rendia. Enquanto o fiz, o meu torturador retirou a sua t-shirt, deixando os seus músculos definidos e bem trabalhados à mostra. Tentei abstrair-me dessa visão, caminhando em direção às águas calmas que se encontravam à minha frente.

-Tens a noção que as tuas roupas não vão ter tempo de secar?- o rapaz anunciou com malícia na voz. Revirei os olhos, tentando controlar-me para não o agredir, e despi-me, ficando apenas de roupa interior.

Foi preciso muito pouco tempo para já me encontrar com água até à minha cintura. A frescura desta deixava-me encantada, e o silêncio que reinava tranquilizava-me. Sem dúvida que me sentia de coração cheio.

Tapei o meu nariz com força e mergulhei, deixando que vários pensamentos vagueassem na minha mente.

Tudo o que eu via, tudo o que eu pensava tinha a ver com o Reese. Eu conseguia ver-me na perfeição com ele naquele lago. Conseguia imaginar-me nos braços dele, enquanto que o vento embatia contra os nossos rostos. Conseguia imaginar o seu sorriso de orelha a orelha, enquanto me fitava e punha uma mecha do meu cabelo atrás da minha maneira.

Eu ainda ouvia a sua voz a ecoar na minha cabeça. Ainda podia sentir os seus lábios contra os meus. Ainda era capaz de sentir o seu cheiro assim que me abraçava. E ainda era-me possível reparar no quanto ele adorava chamar-me pelo meu apelido, ao invés de me chamar pelo meu nome próprio.

Mal tentei vir à tona do lago, senti uma mão grande e forte a empurrar-me ainda mais para baixo. Debati-me e esperneei o máximo que podia, mas tudo aquilo que eu fazia para tentar sair debaixo de água parecia não ser suficiente.

Eu não devia ter mergulhado. Eu nem devia ter entrado na água. Morrer com uma bala a perfurar-me a cabeça seria muito mais rápido do que morrer por falta de ar, por morrer afogada num sítio tão maravilhoso como aquele.

Quando já estava mentalizada que aquela seria a forma como eu iria morrer, senti uns braços a puxar-me para cima. Assim que a minha cabeça deixou de estar rodeada de água, respirei o máximo de oxigénio que conseguia, enquanto tossia desesperadamente.

-Desculpa.- o rapaz loiro da arma lamentou, e só aí é que me apercebi do quão perto do meu corpo e do meu rosto ele se encontrava. Ao mesmo tempo que tentava recuperar o fôlego, ele continuou.- Eu não consigo, eu não podia.

-Afasta-te de mim.- disse assim que já tinha condições para tal.

-Ele disse para te matar o mais rápido possível, mas eu não fui capaz.- ele repetiu vezes e vezes sem conta, e voltou a aproximar-se, amarrando os meus dois braços com as suas duas mãos.-Desculpa, eu peço desculpa.

-Tu és um monstro.- apenas disse. Os nossos rostos estavam a milímetros um do outro, e os nossos corpos colados sob a água tornavam o momento estranhamente eletrizante.

-Eu vou proteger-te. Eu prometo.- o meu torturador sussurrou com o seu nariz encostado ao meu.

-Eu não quero ter nada a ver contigo.- respondi zangada, franzindo o sobrolho.- Tu és um assassino.

Comecei a gaguejar assim que o seu rosto começou a aproximar-se do meu. Estávamos tão perto um do outro que eu já podia reparar na minha imagem nos seus olhos.

Ele puxou-me ainda para mais perto de si, enquanto que olhava fixamente para os meus lábios. Foi aí que, de súbito, pus a minha mão no seu peito e fiz força, afastando-me logo dele.

-Para.- simplesmente disse, percebendo naquele instante o que ele pretendia. Distanciei-me o suficiente daquele rapaz, olhando-o com desprezo.

-Victoria...-ele chamou, enquanto que eu saía do lago.

-Eu não me chamo Victoria!- gritei, enraivecida. Para meu espanto, ele não veio atrás de mim, nem tentou bater-me. O loiro apenas ficou no mesmo sítio em que o deixei, enquanto me olhava espantado.

-E eu não te pertenço!- continuei ainda sem perceber o motivo de não ter cedido àquilo que acabara de acontecer.- Não podes tratar-me como se fosse um brinquedo, como se fosse tua escrava. Não podes simplesmente afogar-me num segundo e no seguinte tentares beijar-me!

-Por favor, deixa-me falar...

-Falar de quê?- perguntei retoricamente.- Isto é ridículo! Eu sou tua refém, num momento torturas-me e tentas assassinar-me, e no seguinte acontece isto? É absurdo!...Eu nem te conheço, eu nem sei o teu nome!

-Ross.

-O quê?- indaguei, semicerrando os olhos.

-Chamo-me Ross.- o rapaz loiro da arma explicou, inexpressivamente. Era impossível eu e...bem, o Ross estarmos a passar por esta situação. Não fazia sentido, tudo aquilo era uma grande confusão.

-Tu és doente.- murmurei, cruzando os braços.- Assim que voltarmos, quero ir para o meu quarto anterior.

East Side | Ross LynchOnde histórias criam vida. Descubra agora