"Nunca tive misericórdia de ninguém."

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-Sai daqui.- murmurei para o rapaz loiro da arma, que só no dia anterior descobrira que se chamava Ross.

Dobrei as minhas pernas e, em seguida, abracei os meus joelhos, pondo a cabeça no meu colo. Não queria olhar para o meu torturador depois do que acontecera. Simplesmente não era capaz de acreditar que ele me tentara beijar.

O problema foi que, por segundos, eu cedo. Como? Apenas o via como alguém cujo desejo era matar-me. Não podia negar que o Ross era um rapaz atraente e bem estruturado, mas tudo aquilo que o envolvesse era errado. Ele era uma escolha errada. E eu odiava-o, logo, não fazia sentido não ter tido nenhum tipo de reação quando ele tentou encostar os seus lábios nos meus.

Eu gostava do Reese. Não o amava, e tinha bem a noção disso. Não tinha tido tempo suficiente para o conhecer até ao ponto de sentir algo tão forte. Mas a atração que possuía por ele fazia com que a minha mente se ocupasse dele, a toda a hora, a todo o dia.

-Deixa-me falar contigo, por favor.- Ross aproximou-se de mim e levantou uma mão. Estremeci imediatamente, com receio que ele me agredisse. Mas tudo o que ele fez foi pôr uma mecha do meu cabelo castanho atrás da minha orelha direita.- Porque tens medo de mim?

Ri-me por um longo período de tempo, enquanto ele apenas me fitava seriamente. Quando acabei, perscrutei o seu olhar, ao mesmo tempo que arqueava uma sobrancelha.

-Queres mesmo que te responda a isso?- indaguei ironicamente, revirando os olhos.

-Vic...-o loiro ia começar, mas assim que lhe lancei o olhar de "Para de me chamar Victoria", ele calou-se por uns segundos, para depois continuar.- Preciso de te explicar o que se passa.

-Não disseste que gostavas de manter a distância das tuas vítimas?- interroguei, e eu sabia que estava a passar das marcas. Estava a ter atitudes provocadoras e arrogantes, e tais comportamentos podiam custar-me a vida.

Mas enquanto o meu torturador se fingisse de bonzinho, eu iria aproveitar a oportunidade para ser desafiadora.

-Sim, disse.- ele respondeu, e assim que eu vi que ele ia dizer algo mais, comecei a falar novamente.

-Eu sou uma refém de Mortem Hostia. Portanto, afasta-te.

-Deixa-me explicar porra!- o rapaz gritou, com o sobrolho franzido. Podia reparar que o seu maxilar estava cerrado, tal e qual como o seu punho. Ele estava a controlar-se para não me bater, mas não estava a ser fácil. Por trás daquele anjinho pelo qual ele se fazia passar naquele momento iria estar sempre um monstro horrendo.

-Não há nada para explicares. Eu percebo, deves ter vergonha por te teres aproximado.- comecei, humedecendo os lábios.- Mas não faz mal, fingimos que isso não aconteceu, e tu podes continuar com aquilo que tens para fazer. Eu sei que não vou sair daqui com vida, já me mentalizei disso. Portanto, mais dia, menos dia...para mim não faz diferença. Mas se alguém tiver de me matar, quero que sejas tu.

-Mas é isso que eu estou a tentar contar-te!- ele gritou num tom de voz forte e grave. Podia reparar no quanto a veia da sua testa estava dilatada, devido à raiva que ele estava a sentir. Como é que um ser humano podia ser tão temperamental?

Tentei ripostar, tentei acabar ali a conversa e nunca mais ouvir uma palavra que fosse vinda do Ross. Mas havia alguma coisa, algo dentro de mim que gritava na minha cabeça e me dizia que era melhor ouvir aquilo que ele queria confessar. Algures na minha subconsciência, a curiosidade falava mais alto.

-Eu nunca tive misericórdia de ninguém.- ele sussurrou. Depois, instalou-se um silêncio temporário no anexo. O loiro sentou-se à minha frente, contudo, não largou a sua arma. Caso tentasse fugir, tinha 100% de certeza que ele me daria um tiro.

-Nunca tive piedade de ninguém que passou por este quarto.- ele continuou, percorrendo com o olhar todos os cantos daquele local mísero. Depois de o observar por um longo período de tempo, percebi que o rapaz respirava sempre pela boca, o que me parecia estranho. Parecia estúpido, mas todas as pessoas com que me cruzara inspiravam e expiravam pelo nariz.

-Continua.

-Sempre que me foi ordenado matar alguém, eu fi-lo, sem pensar duas vezes nas minhas ações. E dava-me prazer ver o sangue derramado nas minhas mãos.- ele declarou, fixando o olhar num ponto aleatório daquele local.

-Sim, eu já percebi.- interrompi-o, semicerrando os olhos.- Avança.

-Não é novidade nenhuma que mal chegaste, o meu chefe ordenou-me que te matasse.

-Wow, que surpresa! A sério?- ironizei, revirando os olhos. Era óbvio que todos eles me queriam morta.

-No início pouco me importava se morrias ou não.- o Ross contou, ignorando por completo o que eu dissera.- Queria ter um tempo para te poder fazer sofrer, para ver a dor nos teus olhos. E depois sim, matar-te-ia.

O "rapaz loiro da arma" ergueu o seu olhar para mim, e observou-me por alguns segundos. Achava aquilo constrangedor, mas eu realmente queria que ele refletisse sobre os dias em que me torturara. Queria que ele pensasse nas marcas que me deixara gravadas na pele para toda a vida.

-Mas quando te encontrei aqui deitada com as feridas infetadas...eu paralisei.- ele admitiu, baixando o olhar.- Achei que era tarde demais, que estavas prestes a morrer.

Como não disse nada, ele avançou.

-E quando o Isaac quase abusou de ti, eu senti uma enorme vontade de o matar. E normalmente, pouco me importa o que ele faz.

-Porque é que me tratas de maneira diferente?...-perguntei baixinho, mais para mim do que para ele. Infelizmente, ele ouviu. Antes de responder, comprimiu os lábios e em seguida mordeu-os.

-Não sei. A verdade é que eu fui capaz de te torturar, fui capaz de te tratar mal...mas nunca fui capaz de te matar.- o Ross contou, passando as pontas dos dedos pelos cabelos loiros e curtos.- Eu não sei o que mudou entretanto, porque eu nunca me apeguei a ninguém, sempre consegui fazer o que me era ordenado.

-Porque me tentaste beijar?

Ele fitou-me por uns breve segundos. Eu...bem, eu não sabia ao certo o que estava a acontecer. Tinha receio daquilo que ele pudesse fazer, daquilo que ele pudesse dizer. Eu estava louca para me reencontrar com Reese, ou pelo menos para saber se ele estava vivo. Nunca me passara pela cabeça ter de conversar sobre sentimentos com o meu torturador.

-Porque eu não sei o que és para mim.- ele simplesmente respondeu, largando pela primeira vez a sua arma.- Toda a minha vida fui consumido pelo ódio à tua civilização. Desde pequeno que me ensinaram que a minha obrigação era destruir-vos. Eu não sei o que é depender de alguém, nunca tive afeto por ninguém. E agora tu apareces e algo desperta em mim. Eu não faço ideia do que seja. Só sei que é algo bastante diferente daquilo que estou acostumado.

O Ross aproximou-se de mim, ficando apenas a milímetros do seu rosto. Pôs uma mão na minha bochecha esquerda, afagando esta com o seu polegar.

-Ajuda-me a perceber o que é isto que eu sinto dentro de mim.

Suspirei à medida que ele se aproximava cada vez mais.

-Tu não estás apaixonado por mim. Tu estás apaixonado pela ideia de me teres presa e poderes fazer o que quiseres dentro destas quatro paredes.

Por momentos, achei que o tinha enfurecido. Mas ele manteve-se estático, com o rosto levemente preocupado e sem indícios de raiva.

-Eu acho que não devias voltar a entrar aqui. Se não me vires mais, essas tuas ideias não te voltam a passar pela cabeça.

***
Olá, olá! Tudo bem?

Então, espero que tenham gostado deste capítulo! Vamos lá ver como correm as coisas com o Ross e a Thea...

Muitos beijinhos!

East Side | Ross LynchOnde histórias criam vida. Descubra agora