Rachel sempre teve um senso de justiça enorme, quase ingênuo. Eu sabia que ela demoraria para aceitar o que estudar nesse colégio realmente significava. E, como sempre, ela faria o que quisesse.
— Aquele cara estava na minha aula. — Ela apontou diretamente para Victor, que estava sentado em uma mesa distante. Eu, claro, mais que depressa, agarrei sua mão e forcei-a a abaixar o dedo.
— Rachel, cuidado, não aponte pra eles assim! — Sussurrei, sentindo meu estômago dar voltas.
— Ok, Kenon, mas por que tanto alvoroço? Quem são esses caras? O One Direction por acaso? — Ela zombou, o sarcasmo evidente.
Só Rachel para achar que o One Direction ainda estava na ativa. Suas referências de boy bands estavam tão desatualizadas quanto uma televisão de tubo. Se fosse eu, teria mencionado o BTS, óbvio.
— Não são tão famosos, mas com certeza muito mais poderosos. — Expliquei, mas ela me olhava como se eu estivesse contando uma piada ruim. Então, continuei. — Thomas é herdeiro de uma rede de hotéis gigantesca, Richard é filho de um colecionador de arte que ninguém sabe de onde tira tanta grana, Gaspar é o primogênito de uma rede de shoppings, e Victor, bom, a família dele comanda um conglomerado que vai de petróleo a agronegócio. Esses quatro são o que você pode chamar de reis desse colégio.
Rachel olhou de novo para eles, mordendo uma maçã com indiferença.
— E daí? Todos aqui não são ricos também? — Ela deu de ombros.
Eu suspirei. Claro que ela não entendia.
— Sim, todo mundo aqui tem grana, mas esses caras jogam em outro nível. A família de Victor doa tanto dinheiro para a escola que ninguém ousa dizer nada a eles. Eles não usam uniforme, nunca são repreendidos. E tem mais. Se irritarem um deles, a pessoa recebe uma marca vermelha no armário. A partir daí, todo mundo começa a maltratar até o pobre coitado sair do colégio. É como um jogo pra eles. — Tentei explicar, esperando que ela finalmente captasse o que estava em jogo.
— Isso parece mais enredo de novela do que qualquer coisa real. — Ela zombou, levantando-se para jogar fora o resto da maçã assim que o sinal tocou.
Nossa próxima aula era de inglês, e por sorte estávamos juntos. Indiquei a cadeira ao lado da minha, que, até então, sempre ficava vazia.
— Pode não acreditar, mas o garoto que você tentou defender hoje cedo é o alvo atual do jogo. Ele esbarrou no Victor de manhã. Você viu o que aconteceu depois disso. Vai piorar. — Contei a ela, e dessa vez parecia estar um pouco mais atenta.
— Você tá dizendo que por causa de um esbarrão, ele vai ter que sair do colégio? Acho que tá exagerando. — Ela balançou a cabeça, categórica.
Ah, Rachel... tão incrivelmente ingênua. Resolvi que precisava provar.
Levantei-me e fui até um grupo de alunos que conversava mais à frente.
— E aí, como estão as apostas para o "jogo" dessa semana? — Perguntei, tentando soar casual. O grupo me olhou, e Carlos, o garoto no centro, respondeu.
— Vinte apostam que ele aguenta uma semana, trinta e sete acham que só três dias. Quer entrar? — Ele ofereceu.
Eu poderia ter dado uma resposta sarcástica ou moralista, algo do tipo "só um ser baixo faria uma aposta dessas". Mas isso só garantiria que eu fosse alvo na semana seguinte. Então optei pela sobrevivência.
— Não, obrigado. Ele não dura nem um dia. — Retruquei, com um sorriso amargo, fazendo todos no grupo rirem. Voltei para meu lugar ao lado de Rachel, que assistia à cena de longe.
— Agora acredita? — Perguntei ao me sentar novamente. Ela não respondeu, apenas me olhou, pensativa, enquanto o professor começava a aula.
No final do dia, minha aposta se mostrou correta. Depois de ser jogado numa lixeira na cantina, Leonardo pediu transferência.
Rachel não discutiu mais comigo sobre o assunto. Ela até seguiu todas as "regras de sobrevivência" que eu desenvolvi durante minha estadia nesse colégio e que fiz questão de ensinar a ela:
Evite os corredores principais.Nunca sente nas últimas carteiras perto da janela. São sempre do Victor.Não interfira em um "jogo".E jamais encare, aponte ou se aproxime de nenhum dos quatro.
Se ela seguisse essas regras, poderia sobreviver ao ensino médio no Makenzie.
Três semanas se passaram. Eu realmente achei que tudo ficaria bem. Na verdade, era ótimo ter Rachel por perto. Durante esse tempo, um garoto do terceiro ano se tornou o alvo. Ele resistiu por uma semana e meia, o que foi um recorde. Mas no décimo terceiro dia, desistiu depois que um de seus amigos foi forçado a bater nele em público.
Cada vez que presenciávamos essas cenas, eu via como Rachel se esforçava para se controlar. Seus músculos se tensionavam, a mandíbula apertada de raiva. Mas, como eu pedi, ela não interferiu. Pelo menos, não até aquela sexta-feira.
Estávamos no último período, aula de educação física. Rachel e eu nos sentamos na arquibancada, assistindo a um jogo de vôlei depois de sermos ignorados na escolha dos times. Eu odeio essa aula.
— Esses idiotas sempre me deixam de fora. — Reclamei, irritado.
— Kenon, você odeia jogar vôlei. — Ela riu.
— Verdade. Mas amo reclamar. — Respondi, e nós dois rimos juntos.
De repente, um som na arquibancada nos chamou a atenção. Era Victor, descendo em direção à quadra, seguido pelos outros três. Eu estava tão distraído conversando com Rachel que nem percebi que eles estavam ali.
Foi quando uma bola de vôlei atingiu a cabeça de Victor, fazendo-o cambalear levemente. O ginásio inteiro prendeu a respiração.
Victor pegou a bola e caminhou até a garota que havia feito o saque. Ela parecia petrificada.
— Desculpa. — Ela balbuciou, já com lágrimas nos olhos.
— Desculpa? — Ele zombou, com uma risada cruel. — Se eu tiver um aneurisma e morrer, suas desculpas vão me trazer de volta?
Ele atirou a bola com força na garota, que caiu no chão, gemendo.
— PARE COM ISSO! — A voz ecoou pela quadra, e eu soube na hora que era Rachel.
Fechei os olhos, desejando que eu estivesse ouvindo coisas. Mas, ao abrir, lá estava ela, ao lado da garota, ajudando-a a se levantar.
— Ninguém morre por levar uma bolada! Ela já pediu desculpas, não é o suficiente? — Rachel desafiou, a voz cheia de raiva.
O ginásio ficou em silêncio. Victor a encarou por alguns segundos antes de simplesmente se virar e sair da quadra.
O sinal tocou, e aos poucos todos começaram a se dispersar. Eu fui ao vestiário, ainda tentando processar o que havia acontecido. Quando voltei, Rachel não estava mais lá. Meu celular vibrou. Uma mensagem:
"Precisei ir ou me atrasaria para o trabalho... nos vemos depois. E me desculpe, foi mais forte que eu."
Rachel sabia o que tinha feito e o que aquilo significava. A partir desse momento, eu rezei por dias pacíficos para nós dois. Mas na segunda-feira de manhã, ao chegarmos no colégio, lá estava ela: a enorme marca vermelha na porta do armário da minha melhor amiga.
Rachel havia caído no jogo deles. E minhas regras não foram o suficiente para salvá-la.
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Não me de Flores
Teen FictionRachel Petrelli é uma garota de família pobre que apesar das dificuldades financeiras, consegue ser admitida em um colégio de alto padrão para estudar com seu melhor amigo Kenon Thompson. No colégio Makenzie , os alunos são riquíssimos e adoram os...