Os muitos uniformes de uma garota

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Era o final da tarde no último dia das férias, e eu arrumava meu material escolar para o terceiro e último ano do ensino médio no Makenzie

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Era o final da tarde no último dia das férias, e eu arrumava meu material escolar para o terceiro e último ano do ensino médio no Makenzie. Pra ser sincero, meu ânimo estava igual ao de um peixe morto, jogado numa maré de tédio. Quase terminando de organizar minhas coisas, ouvi a porta abrir sem cerimônia.

— Olá! — Rachel entrou no quarto e jogou a mochila na minha cama, sentando-se de pernas cruzadas em cima dela.

— Seria ótimo se você batesse antes de entrar, sabe? Eu poderia estar pelado. — Comentei, tentando soar sério enquanto recolhia o restante do meu material e colocava na bolsa.

— Ah, por favor. Não tem nada aí que eu já não tenha visto. — Ela respondeu com um sorriso debochado, se ajeitando de bruços, deixando as pernas penduradas na beirada da cama.

Eu não ia nem dar corda pra esse assunto, então mudei rapidamente:

— O que tá fazendo aqui? Não deveria estar no trabalho? — Perguntei, tentando fugir da lembrança embaraçosa da vez em que uma onda me fez perder o calção na praia durante uma excursão da escola. Sim, Rachel viu tudo, mas não riu de mim nem por um segundo. Ao invés disso, mergulhou para pegar meu calção e devolveu como se nada tivesse acontecido. Esse é o tipo de pessoa que ela é.

— Seus pais me pediram pra eu vir , mas não sei exatamente o motivo. — Respondeu, ajeitando a camisa do uniforme que ainda usava.

— Espera, você tava trabalhando numa lanchonete? — Perguntei, surpreso, enquanto saíamos do quarto.

Rachel sempre estava trabalhando em algum lugar durante as férias. Às vezes, chegava a ter dois ou três empregos ao mesmo tempo, e eu nem reconhecia aquele uniforme.

— Cafeteria, na verdade. O salário é baixo, mas o chefe é gente boa. Ele me dá os bolos e pães que sobraram no fim do dia. — Ela disse com um sorriso, dando um tapinha na mochila.

— Ok, esse emprego já está aprovado! — Brinquei, reivindicando minha parte nos bolos. Rachel apenas riu enquanto entrávamos na sala onde meus pais estavam.

— Oi, senhor e senhora Thompson! Tudo bem? — Rachel cumprimentou, sempre educada.

— Tudo ótimo, querida! Que bom que você veio. — Minha mãe praticamente pulou do sofá para abraçá-la, cheia de beijos e carinho.

Minha mãe é do tipo afetuoso sempre cheia de abraços , beijos e sorrisos para dar, já meu pai é o completo oposto, quieto e serio, mas se em algo ambos são iguais é no fato de que adorarem  Rachel. Isso provavelmente tem haver com o fato dela ser minha primeira e mais antiga amiga, antes dela eu  era tímido e vulnerável demais para me virar sozinho.

— Então, o que queriam me dizer? — Rachel perguntou, curiosa, sentando-se ao lado da minha mãe no sofá.

— Temos uma surpresa pra você! Na verdade para vocês dois. — Minha mãe disse, animada, enquanto meu pai se levantava para pegar um pacote ao lado da poltrona. Ele entregou o embrulho a Rachel, que abriu, hesitante.

— Um uniforme do colégio Makenzie? — Rachel perguntou, confusa, assim como eu, ao ver o conjunto em suas mãos.

— Surpresa! O diretor é  um amigo, então falamos com ele e  conseguimos uma vaga. — Minha mãe disse, batendo palminhas de empolgação. — Você e o Kenon vão fazer o último ano juntos! Não é maravilhoso?

Eu não sabia bem o que pensar. Eu gostava da companhia da Rachel, claro, mas ela no Makenzie? Aquele lugar não era pra ela, e com ela por perto, meu plano de passar despercebido o ano todo iria por água abaixo.

— Fico muito agradecida, de verdade, mas não posso aceitar. O colégio Makenzie é muito caro, eu nunca poderia pagar e não posso aceitar que vocês arquem com isso. — Rachel respondeu, já se levantando para devolver o uniforme.

— Ah, querida, queremos arcar com isso. O diretor só aceitou nosso pedido porque suas notas são muito boas, então o mérito é todo seu.  Por favor, aceite.  — Meu pai disse, sério, como se já estivesse tudo decidido.

Minha família é dona de uma empresa de colchões, não há nada de glamoroso nisso, mas gera renda o suficiente para que vivamos de forma bem confortável, infelizmente Rachel não pode dizer o mesmo, ela vive com a mãe e o irmão caçula . O pai abandonou sua mãe pouco tempo depois que o irmão nasceu, Gustavo tem 09 anos e é autista.
O pai de Rachel era a única fonte de renda da família quando os deixou  o contrato pré-nupcial lhe garantiu levar tudo com ele, e o mesmo não hesitou em deixar  ex mulher e  filhos quase sem nada.

— Não pode recusar um presente. Ficarei muito ofendida se disser não. — Minha mãe insistiu, cheia de emoção. — Você é uma ótima amiga para o nosso Kenon, e queremos te dar essa oportunidade. Mesmo que seja só por um ano, estudar no Makenzie vai abrir muitas portas.

Rachel hesitou, mas eu já sabia como aquilo ia acabar. Quando minha mãe quer alguma coisa, ela sempre consegue.

— Eu simplesmente... não posso. — Rachel repetiu, com um nó na garganta.

— Se o problema é dinheiro, considere isso como um agradecimento por cuidar do Kenon todos esses anos. — Meu pai rebateu, entregando de novo o pacote com o uniforme. — Além disso, já falamos com sua mãe. Você começa amanhã

Estava decidido a partir daquele momento, Rachel cursaria o terceiro ano comigo no colégio Makenzie, acrescentando se então mais um para sua "coleção" de uniformes .

Não me de FloresOnde histórias criam vida. Descubra agora