Quão bom é abrir os olhos, Hannah?

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- C, C, G, G, C, C, G, G, C, C, G, G, C, C, G, C. Isso, Hannah! Agora, G, C, G, C, G, C, F, G. - cantava Ode à alegria, de Beethoven. - Isso! C, C, G, G, C, C, G, C. Isso! - E aplaudia, ao que a minha Hannah de três aninhos sorria orgulhosa.

     Havia apenas uma semana que eu estava ensinando Hannah a tocar piano, e a garota tinha mesmo o espírito para a coisa. Ela incorporava, sibilava, balbuciava, sussurrava, cochichava, falava, cantava e chorava cada nota. Lila e eu ficávamos pasmos com sua personalidade descoberta com tão pouca idade.

     - Nós quem fizemos. - sussurrei no ouvido de Lila, apontando para Hannah enquanto a observávamos tocar. Lila olhou para mim de olhos marejados e se aninhou em meu peito, orgulhosa da nossa pequena. - Será que esse garotão também vai ser pianista, mãe? - Acariciei sua barriga de sete meses.

     - Não, pai. - Lila imitou a voz de Hannah, me fazendo rir. - Esse garotão vai ser violinista. - sorriu.

     Eu observei minha bebezinha tocando o piano da minha mãe, como uma adulta. Minha esposa grávida do Hugo. A forma como a luz do estúdio deixava o ambiente mais solene e calmo. Atentei meus ouvidos e coração à música que os dedinhos de Hannah tocavam, e os atentei ao som da respiração de Lila, bombeando o coração do nosso filhinho.

     A minha paz mora com eles.

     Quando Hugo nasceu, Hannah queria estar sempre por perto. Ajudando ou atrapalhando, Lila e eu nunca a afastávamos, porque nós sabíamos o quão importante era deixar desenvolver o amor entre irmãos, mesmo Lila e eu sendo ambos filhos únicos.

     Estávamos enlutados. Havia algumas semanas desde que a Dona Dave tinha partido, e precisávamos manter uma aparência decente e disposição para os nossos filhos. Mas ainda assim, era difícil. Mesmo quando Lila olhava em meus olhos e dizia: "Von, por eles."

     Por Deus, eu não tinha ânimo para levantar e realizar a tarefa mais fácil de todas, como sentar e fingir assistir televisão. Eu precisava apoiar minha esposa com um recém-nascido e uma criança pequena, mas e o luto? Por um tempo, logo quando Hugo nasceu - e vovó faleceu -, ninguém no mundo parecia me entender. Foi quando eu fiquei sentado na cama um dia, com os braços apoiados nas pernas, e a cabeça entre as mãos - uma dor de cabeça insuportável. Então ouvi o som de passinhos correr. Até que os passinhos pareceram se aproximar e parar diante de mim.

     Ergui os olhos e encontrei minha baixinha fofinha de pijaminha rosa de bolinhas brancas, meias de nuvens no chão, cabelos negros compridos, brilho de Delila nos olhos, e sorriso de Dávila nos lábios.

     - Por que está chorando, papai? - perguntou minha menina.

     Nem sabia que estava chorando, mas agora que Hannah havia dito, não sabia se era por causa da saudade da vovó ou pela vida da minha filhinha.

     - Quão bom é abrir os olhos, Hannah? - perguntei, para encontrar confusão em seus olhinhos.

     - Muito? - respondeu perguntando, arrancando um riso fraco de mim.

     - Sim. - concordei. - Muito. - Abri os braços, ao que ela veio correndo me abraçar, seus bracinhos me envolvendo pelo pescoço.

     Hannah. O quão grato não sou à Dona Dave por esse lindo nome?

     - Papai? - perguntou ela, me soltando, para poder me olhar nos olhos. - Vem ver. - E já ia me puxando pela mão.

     Com Hannah era sempre assim, sem rodeios. O que precisava ser dito ou feito, era e ponto. Admirava isso nela.

     Ela me levou até o nosso estúdio, e já foi correndo para o Sr. Steinway. Sentei no sofá, que ficava a uns três metros de distância do piano, e me preparei para um show. Hannah brincou com algumas das notas agudas e foi subindo, cada vez mais grave, cada vez mais suave. Até eu me dar conta de que ela estava tocando Somewhere Over The Rainbow, a música que eu tocava para ela há apenas um ano atrás.

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