Lyanna Stark

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Aquele banho fora o mais refrescante de toda sua vida. Esfregou o corpo com uma escova de pêlo de cavalo, depois afundou levemente na água fria, que preferia naquele clima úmido e abafado das Terras do Rio, e deixava o corpo mais leve. Tocou seus cabelos e começou a escová-los dentro da água, seus seios eram do tamanho de laranjas e os cabelos em seu sexo cresciam cada vez mais espessos e castanhos-cinzentos. Stark até os ossos... Nem mesmo entre as pernas eu deixo de ter as características dos Starks. Pensou.
Depois de passar uma semana em Harrenhal a sua vida mudava completamente, rever o grandioso castelo construído na glória do Rei Harren Hoare, o Negro, Senhor das Ilhas de Ferro e das Terras do Rio em dias antigos. Os Tully não passavam de vassalos, assim como Greyjoy, Blacktyde, Blackwood, Bracken, Frey. Até a chegada de Aegon, o Conquistador, que não precisou de mais do que cinco mil homens e um Dragão Negro como a noite mais escura para acabar com o Reino de Harren. Dizem que, na época, o Conquistador ofereceu a chance de submissão, que foi negada prontamente pelo orgulhoso Harren da Casa Hoare.
Foi quando Balerion, o Terror Negro, caiu sobre Harrenhal que cuspiu fogo na cidade por horas, até que finalmente todos estivessem mortos, o Rei e sua família pereceram na torre mais alta da fortaleza e o fogo do Dragão foi tão quente que as rochas derreteram e são disformes até os dias de hoje. Ao Norte, na Muralha, o Senhor Comandante da Patrulha da Noite, irmão de Harren, possuía um contingente de dez mil irmãos juramentados, mas ao invés de socorrer o irmão, preferiu permanecer no Castelo Negro, honrando seu juramento de nunca tomar parte nas intrigas de Westeros. Homens honrados em tempos difíceis, são jóias raras em um lamaçal de intrigas e desconfiança.
Não acreditava nas rochas disformes de Harrenhal até vê-las com seus próprios olhos, ficando embasbacada com aquilo. Eddard lhe dissera que o Rei Negro fora descuidado ao ignorar o poder dos Dragões. Brandon, por sua vez, acreditava que ele fora um completo covarde e que deveria ter lutado por sua liberdade no campo de batalha com um exército poderoso de Homens de Ferro e Homens do Rio ao invés de se esconder na sua fortaleza. Benjen acreditava no mesmo que Ned, mesmo que não se manifestasse e Rickard sempre dissera a mesma coisa. "Águas passadas, quem podia contra os Dragões?". Na verdade, nem mesmo os Starks de Winterfell puderam fazer algo, não depois do Campo de Fogo, onde o Rei do Rochedo Casterly e o Rei da Campina, na época da Casa Gardener, descendente de Garth Greehand, foram derrotados por Aegon, que trouxera dez mil soldados e três Dragões frente a cinquenta mil homens do Rochedo e outros cinquenta mil da Campina.
Então o que Torrhen faria? Pensou. Torrhen Stark ficaria conhecido para sempre como o "Rei que se Ajoelhou". Depois de ter reunido trinta mil nortenhos e marchado para o gargalo na intenção de enfrentar Aegon, o Rei ficou acuado ao ver os Dragões Targaryen em seu auge de poder, mesmo com a insistência de seu irmão bastardo, Brandon Snow, em invadir o acampamento inimigo e matar as feras. Então ele optou por fazer o melhor para a sobrevivência do seu povo, ajoelhar-se. Aegon Targaryen fora duro com seus opositores e benigno com aqueles que se ajoelharam, então Torrhen recebeu honrarias e o título de Lorde Protetor do Norte e Senhor de Winterfell. O resto é história.
Escorou a cabeça na bacia e respirou fundo, relaxando o corpo. Pensar sobre A Conquista fazia com que refletisse sobre o mundo de coisas estranhas que os rodeavam. Robert Baratheon estava no castelo naquele exato momento com Eddard, descendente de Orys Baratheon, suposto irmão bastardo de Aegon e seu melhor amigo, que recebeu Ponta Tempestade e as Terras da Tempestade depois de derrotar Argilac, o Arrogante, e se casar com Argella Durrandon, sua filha, unindo a Casa Durrandon com a recém-nascida Casa Baratheon, tomando o estandarte e o lema deles. Descendente de bastardos ou não, Robert é bom em fazê-los. Pensou. Ainda se lembrava de Mya Stone no Ninho da Águia, filha dele com uma camponesa. Lyanna Stark não guardava preconceitos toscos contra camponeses, a única diferença deles com um nobre era o tipo de papel que usava para limpar a bunda e um sobrenome ancestral de alguém que fez algo importante há muito, tempo demais para ser lembrado. O que não apreciava era um homem que pulava de cama em cama, como Aegon IV, o Indigno, que fez tantos bastardos que quase destruiu o reino e seu herdeiro legítimo, Daeron.
Lorde Robert Baratheon, o Indigno. Pensou. Se continuasse nesse ritmo, Robert seria pior do que seu ancestral Targaryen, já que sua avó era filha de Aegon V. A despeito de ser um bom homem e de grande coração, além de belo com músculos fortes e uma barba por fazer que deixava qualquer mulher atraída, até mesmo ela, não poderia suportar a ideia de ser casada com um senhor que não preferisse somente sua cama. Preferia até fazer o mesmo que Duncan Targaryen, que renunciou a sua herança para Jaehaerys, somente para se casar com uma camponesa que amava. Jenny de Pedras Velhas. Um nome que jamais seria esquecido. Ser camponês, muitas vezes, deveria ser mais fácil. Amar quem eu quero e fazer o que quero da minha vida, não se casar por obrigação com um senhor que desconheço e viver eternamente presa em uma gaiola. Pensamentos de um Stark, supunha.
- Conhece seus deveres. - disse Eddard Stark enquanto estavam a mesa, toda a família reunida para um café da manhã antes de participarem do primeiro dia de justas. - Uma Stark não se casaria com plebeu, jamais.
- Ned, Ned, Ned... - Lyanna suspirou. - Sempre irritadiço e sem jamais aprender a cuidar da sua própria vida. Cuidado, isto pode lhe fazer mal.
- Como o que? - indagou o irmão, ainda visivelmente irritado.
- Essa sua cara de idiota quando está irritado. Cresça, Eddard.
Brandon Stark desabou a gargalhar, cuspindo um pouco de vinho na taça. Lorde Rickard sorriu, assim como Benjen, mas a diferença era que o sorriso de seu pai trazia alegria e o do irmão caçula sempre fora carregado de tristeza. Olhos de lobo cinzento. Pensou. Eddard Stark pôs as mãos na cabeça e ficou a ponto de explodir, o que deixou Brandon ainda mais alegre.
- O futuro Lorde Protetor do Norte só sabe gargalhar a respeito de assuntos sérios! - disse Ned, irritado. - Às vezes me pergunto a sua diferença para Robert Baratheon!
- Somos irmãos de sangue, Ned, você e Robert são melhores amigos e irmãos de alma e coração. - rebateu Brandon. - Essa é a única diferença?
Benjen assentiu e até mesmo Lyanna gargalhou. Robert e Brandon poderiam ser melhores amigos ou irmãos, ambos apreciavam a arte de deflorar virgens e senhoritas nobres ou camponesas. O irmão se envolvera com várias mulheres e gostava de bebedeiras, assim como Robert, porém o Stark fora prometido a Catelyn Tully, filha de Lorde Hoster de Correrrio, enquanto Rickard cogitava casá-la com Robert e unir a amizade de Ned e Robert pelo sangue, assim como unir Ponta Tempestade e Winterfell. Lyanna era a única que detestava a ideia e, por mais que vivesse discutindo com Eddard, preferia um homem como ele. Honrado.
- Provavelmente é. - concluiu Lyanna.
- Não importa. - interveio Lorde Rickard Stark. - São meus filhos e os amo da mesma forma. Mas cada um de vocês deve compreender que os Sete Reinos foram unidos pelo medo, medo de Dragão e daqueles que podiam controlá-los de acordo com sua vontade. - os Targaryen e os Velaryon. Diferentemente do que muitos pensavam, a Casa Velaryon herdara traços valirianos dos Targaryen e também possuiam os seus próprios Dragões. Possuíram... Devo dizer. Pensou. - E o que nos une hoje?
- Medo do Trono de Ferro? - chutou Brandon.
- Apenas teríamos medo do Trono de Ferro se ele pudesse devolver a vida aos donos das espadas que o compõe e, ainda por cima, se esses homens voltassem imortais e invencíveis. - Rickard fez uma careta e segurou firmemente o ombro do seu herdeiro. - São alianças, tratados. Sangue. Fogo e Sangue. - o pai suspirou. - Lorde Steffon Baratheon era filho de uma Targaryen, filha de Aegon V. Há sangue do dragão em Ponta Tempestade, assim como há em Dorne. Tratados... Bem... Lorde Tywin Lannister já foi Mão-do-Rei, Lorde Mace Tyrell possuí inúmeras honrarias dadas pelos Reis Dragões e... Fogo. Todos se lembram do que houve durante a Conquista e, mesmo que os Dragões tenham perecido, temem o poder do sangue de Valíria. Sei que querem fazer o que lhes dá vontade, mas a única forma de fazê-lo é renegar seu nome e herança, para sempre. Se tornar Snow. Simples assim.
O pai se levantou e se retirou, Lyanna deduzia que para seu quarto, mas preferiu não pensar muito a respeito. O que diria a ele? "Eu até já vi o sangue do Dragão, Príncipe Rhaegar Targaryen, até fui com ele para o Coração Alto e lá descobrimos que somos parte de um futuro distante e da Profecia de Azor Ahai. Pai, se eu não me casar com ele, então todos nós estamos condenados a morte. Mas o homem já tem esposa, seu nome é Elia Martell. Não importa não é? Preciso salvar o mundo, mesmo que isto nos torne monstros. Sacrifícios são necessários para um bem maior.
Despertou de seus pensamentos tolos, podia pensar nele como seu consorte. Talvez Robert Baratheon fosse assim por ser solteiro. Alguns homens jamais mudam, nem mesmo depois que se casam. Sempre se sentirão livres e um homem livre para outras camas é tudo o que não quero. E jamais seria. Todos falavam bem do Príncipe de Pedra do Dragão, de como era honrado e forte, além de perfeito em cima do seu cavalo de negro. Sua beleza incalculável era de menos frente a sua honra. Desde Coração Alto, Lyanna Stark pensava nele com mais afeição que imaginava.
Caminhou pelo castelo de Harrenhal despreocupada, nada atrapalharia aquele seu lindo dia. As árvores verdes estavam coloridas de frutos, havia uma trilha rodeada por árvores até a entrada para a arena onde seria realizado o Torneio da Senhora Whent. Sor Arthur Dayne caminhava ao lado de Sor Oswell Whent, se entreolharam e buscaram fingir que não se conheceram no alto de um monte esquecido pelos Sete deuses. Respirou fundo e continuou sem olhar para trás, seu vestido azul claro com pérolas, os sapatos combinavam com o vestido em cor e seus cabelos castanhos brilhavam naquela linda luz do sol das Terras do Rio.
Encontrou a arena das justas e um Príncipe solitário sentado em um banco sob o sol, seus cabelos prateados estavam soltos e sua beleza a encantava. Trajava um gibão vermelho com rebites negros, assim como um calção e botas da mesma cor para combinar.
- Um Príncipe sentado sob o sol. O que ele deseja?
Rhaegar Targaryen abriu os olhos e admirou-a por alguns segundos antes de dizer qualquer coisa.
- Tantas coisas que os príncipes desejam, mas não possuem. - respondeu com um sorriso. Seus olhos purpúreos fitavam-na. - Você é filha do maior nobre do Norte, sabe como é estar no meu lugar.
Lyanna sorriu.
- Na verdade eu não sei. Sou uma ladie e não uma princesa. Então nós não somos tão iguais quanto você pensa. Sou muito no Norte, mas o Príncipe de Pedra do Dragão é tudo para os Sete Reinos.
- Gosto da sua forma de pensar. - riram ao mesmo tempo. - E do seu sorriso também. Pensou muito sobre o que ouviu?
- No momento estou ouvindo pássaros a cantar e cavaleiros resmungando por todos os lados. - sorriu. - Seja mais... Específico.
- Coração Alto.
Pensava sobre tudo o que ouvira desde a aurora até o crepúsculo.
- Pensei muito a respeito e acho que precisamos conversar sobre isso. - disse Lyanna. - Mas antes devo falar com alguém que entende sobre o assunto, alguém que, como meu pai, acredita em Azor Ahai e na Longa Noite, além dos outros. Tudo bem?
- Sei que não é fácil ouvir o que você ouviu. - disse Rhaegar. - Tem o tempo que quiser para pensar. - ele se levantou e voltou para sua tenda. Lyanna pensou em falar sobre o assunto com seu pai, mas não sabia ao certo o qu deveria fazer.
Então... É hora de falar com Howland Reed.

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