Capítulo 7

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Dona Wilma parecia que tinha uma grande necessidade de falar, então eu como um bom ouvinte, deixei ela falar, apesar de sua fragilidade ao pronunciar as palavras que tanto ela queria dizer e ela continuou:
- Senhor Sérgio, a vida é muito frágil, no mesmo instante que você a tem, ela vai- se embora e quando você menos se percebe, já nem faz mais parte deste mundo.
Aí, eu te pergunto: - O quê podemos fazer? Será que há algo que podemos fazer ainda em vida? O quê fizemos? E o quê podemos melhorar?
Ela me fez estas perguntas e eu fiquei a pensar nas coisas que passaram na minha vida.
As minhas decisões acertadas e as minhas decisões erradas também.
Minha vida não é considerada normal, tranquila, mesmo antes do meu nascimento.
Minha mãe, me contou que quando ela ainda estava grávida, ela ficou com muita vontade de comer peixe e o meu pai se recusou a comprar e foi aí que ela decidiu a se separar dele e foi embora de casa.
Como não tinha para onde ir, ela grávida ficou morando aqui e acolá, de del em del, muitas vezes na rua.
Finalmente eu nasci na casa de uma amiga dela, aí as coisas começaram a piorar um pouco mais, em busca de uma oportunidade na vida e com uma criança de colo, foi quase que impossível, mas, finalmente depois de alguns meses, ralando e sofrendo, perambulando pelas ruas de São José, uma outra amiga dela conseguiu um emprego em uma casa de família e a indicou para a minha mãe trabalhar lá, ela então, arrumou uma senhora para ficar comigo enquanto ela trabalhava, logo ela se afirmou na vida e as coisas começaram a melhorar.
Eu não sei se tem alguma coisa a ver com as minhas atitudes e nem quero aqui me esconder atrás do que eu vou te dizer, mas, quando eu tinha uns nove para dez anos, a minha mãe que era mãe solteira e havia me criado sozinha, conheceu um homem, chamado Dionísio, ele era um cara bacana, desde que ele não bebesse, pois, todas as vezes que ele consumia álcool, ele se transformava, ele virava um monstro, aí a minha mãe apanhava dele, e eu apanhei vários vezes, minha mãe fazia vários boletins de ocorrências, mas, nada adiantava, ele dormia uma noite na cadeia e quando passava o efeito do álcool, ele voltava, para casa como se fosse um anjo, logo voltava para o trabalho e assim que conseguia um dinheiro, comprava a "marvada" pinga e assim que o álcool subia, o inferno voltava e tudo se repetia.
Por conta das dificuldades, comecei a trabalhar cedo, cedo demais, mas, hoje eu sei que isso me ajudou muito, principalmente a ser um homem trabalhador e honesto com todas as coisas.
Comecei a trabalhar aos sete anos de idade, fiz jardins, carreguei compras na feira, olhei carros em supermercados, pintei portão, vendi salgados, leite de soja, e aos treze anos a minha carteira foi registrada.
Junto a tudo isso, ainda tive o meu tempo de brincar, estudar e viver a minha vida...
Depois de ter apanhado muito do meu padrasto, minha mãe conseguiu levá- lo para igreja, onde ele se converteu e finalmente parou de beber bebidas alcoólicas e não demorou nada, eles se separaram e ele se casou com outra mulher.
Minha mãe ficou sozinha de novo..
Mais tarde me casei, apenas com vinte anos de idade...
Eu trabalhava muito...
Pensei em quando eu deixava a minha jovem esposa em casa e saia, dizendo que ia trabalhar ou outras desculpas sem pé e sem cabeça e que na verdade eu ia sair com outras mulheres.
Na minha cabeça na época era:
" Eu mereço um pouco de diversão, afinal de contas, eu trabalho como um burro de cargas, tenho meu direito de usufruir do dinheiro que eu ganho com muito sacrifício...
Lembro- me das inúmeras vezes que eu cheguei em casa, flagrei a minha mulher chorando baixinho e eu sabia que era por causa das minhas atrapalhadas por fora, eu a magoei muito.
Ela sempre carinhosa comigo e eu nem aí com ela.
Eu saí com muitas outras mulheres, eu gastava muito dinheiro com elas e muitas vezes, deixava de dar a coisa mais importante que os meus filhos, que hoje estão casados e tem os seus filhos, deixei dar a minha atenção, o meu amor, o meu carinho, eles não pediam muito, apenas isso, mas, nem isso eu dava, pensando bem, eu fui um imprestável, não fiz nem o meu papel, que era o de ser marido e pai.
O que adiantou eu dar tudo de "bom e de melhor", tudo o que envolvia bens materiais, se eu não dei o que o dinheiro não compra?
Teve época que eu passei dias e noites fora de casa, envolvido com mulheres que não estavam nem aí por mim, estavam apenas interessadas em meu dinheiro e nada mais, ao contrário, minha esposa queria sempre o meu bem, sempre estava disposta a estar comigo, mesmo que eu não tivesse dinheiro, mas, eu estava com a cabeça virada eu não podia ver o que realmente estava acontecendo com a minha família.
Logo após a dona Wilma ter feito aquelas perguntas e eu ter ficado a imaginar a minha vida, eu achei que estava apenas pensando, mas, na verdade eu estava falando a minha vida para a dona Wilma em voz alta, num tom limpo e claro e quando dei por mim, já estava empolgado dizendo a ela, que fiquei sem graça de não continuar, então continuei falando.
- Depois já com os filhos, eu comecei a jogar com os amigos, onde eu bebia, até as duas da manhã, mas, uma coisa aconteceu.
Comecei a notar que desde da primeira vez que eu saí para jogar e voltava altas horas da noite, a minha esposa estava linda e cheirosa me esperando acordada, como se eu estivesse trabalhando, assim foi na primeira semana, assim foi na segunda e terceira semana...
Ao ser sufocado com as minhas atividades inadequadas, me lembro como se fosse hoje, eu estava jogando com os " amigos " e neste dia eu não tinha bebido,mas, tudo ao meu redor desapareceu, eu só encerrava a minha esposa me esperando com todo amor do mundo, então, empurrei a cadeira com a parte de trás das minhas pernas e ao mesmo tempo me levantando, com esperando se ato, fiz com que a cadeira caísse ao chão, joguei as minhas cartas em cima da mesa e disse bem alto:
- Já chega! Aqui não coloco mais os meus pés nunca mais!
Os meus amigos de jogo, olharam para mim e até se assustaram, me olharam com um olhar de desprezo, não entendendo nada.
Paguei a minha conta e voltei para os braços de minha amada e ao chegar em casa, assim que ela abriu a porta para mim, eu me joguei em seus pés e chorando, abraçado as suas pernas, eu ckamei:
- Meu amor, me perdoe por todos estes anos que eu te fiz sofrer, eu imploro.
Ela se abaixou até a mim com muitas lágrimas nos olhos e disse:
- Não preciso te perdoar de nada, eu te amo e para mim isto basta.
Eu segurei em seu rosto com uma mão em cada lado daquela beleza encantadora diante de mim, com aquele coração que só queria me amar, olhando fundo em seus olhos disse uma coisa que nem eu mesmo pensei que sairia da minha boca, mas, saiu e não foi da boca para fora, foi de coração e alma, eu disse:
- Meu grande amor, sou muito feliz e grato por Deus ter colocado um anjo em minha vida, de hoje em diante, não vou mais errar perante você nunca mais, o seu amor me fez ver isso.
Assim que eu terminei de pronunciar estas palavras, lágrimas corriam da minha face e em meio às lágrimas, vi que ela também chorava e nos abraçamos e conversamos a noite toda.
Depois deste noite em que eu me encontrei, pois, acredito que eu estava perdido, a minha vida mudou da água para o vinho e dalí para frente me tornei o homem que eu já deverei ter sido a muito anos atrás, mas, como dizem," antes tarde do nunca ", demorei mas, ainda deu tempo.
Isso ocorreu já faz uns vinte anos,. Durante estes vinte anos, confesso para a senhora, que foram os melhores anos da minha vida.
Assim que eu terminei de dizer estas o a lavras, eu estava com os olhos banhados de lágrimas, mas, foi interessante, pois, sabe, me deu um alívio ao falar destas coisas minhas do passado.
Nós aqui no táxi, mais ouvimos as pessoas, damos conselhos, choramos com as pessoas, de acordo com os casos aqui contados, mas, sabe de uma coisa? Raramente falamos de nós, os nossos sentimentos, os nossos problemas, os nossos acertos e erros. Mas, hoje foi diferente, apesar de eu ter dado muita atenção para a dona Wilma, ela também fez uma pergunta que me deixou bem a vontade para poder falar de mim e da minha vida, meus fracassos e minhas vitórias, foi muito bom fazer isso.
Dona Wilma muito paciente ao ouvir a minha história, aproveitou que eu estava animado para falar, prguntou:
- Senhor Sérgio, o senhor já passou por alguma situação complicada no táxi?
De imediato eu respondi quase sem pensar e disse:
- Sim dona Wilma, passei sim.
Ela olhou para mim e com um sorriso perguntou:
- É mesmo? Conta alguma coisa que você já passou para mim...
Enquanto eu ouvia estas palavras, eu fiquei a pensar no que eu poderia falar...
Aí eu comecei a falar, dizendo assim:
- O trabalho no transporte de pessoas, é bem complexo, ao contrário que muitas pessoas pensam.
Cada passageiro é diferente do outro, cada corrida é única e mesmo que repetimos o passageiro e o lugar para onde ele precisa ir, não vai ser a mesma conversa e nem vai ser a mesma paisagem.
Por isso eu costumo dizer que, o trabalho de motorista de táxi, é um trabalho complexo e ao mesmo tempo, um trabalho sem rotina, cada corrida é uma história, cada corrida uma novidade.
Mas, não é um mar de rosas, vez ou outra, entra um passageiro que está passando por alguns problemas e procura descarregar no motorista toda a sua raiva, ódio e todo o seu problema em cima do motorista.
Para estas pessoas, o motorista precisa ter um pouco mais de paciência e procurar até ajudá- las, pois na verdade, esta ação por parte do passageiro, é um pedido de ajuda e como uma pessoa que trabalha com o público, o motorista precisa estar atento e procurar ajudar no máximo possível, pois, muitas vezes, o motorista é a única pessoa que o passageiro tem para desabafar...
As pessoas que entram no táxi sabem que, muito provavelmente, nunca mais vão conversar comigo e isso dá certa liberdade para que elas conversem sobre coisas que não conversariam nem com a própria família, garanto que sou um bom ouvinte e sempre procuro acalmar as pessoas e mostrar uma outra perspectiva sobre os problemas.
Inclusive, acredito que já ajudei a salvar muitos casamentos.
Todo taxista é um bom psicólogo.
Como todos os trabalhos, sempre tem algumas coisas que não gostamos e outras que gostamos, o trabalho no táxi é a mesma coisa.
Ser taxista não é fácil.
Porém, os profissionais que trabalham com transporte de passageiros são repletos de histórias curiosas e engraçadas para contar.
De dia e à noite nas ruas, passamos por diversas situações inusitadas e carregamos tanto passageiros simpáticos e bem humorados quanto exóticos e mesmo mal educados.
Neste ano de Dois Mil e Dez, eu contava com uns bons anos na profissão, passei por uma verdadeira aventura, tendo uma atitude heroica e ao mesmo tempo arriscada.
Tudo aconteceu no início do último mês de novembro, quando eu peguei um passageiro que fugiu do meu táxi no momento de pagar a corrida.
O passageiro embarcou no Jardim Paulista e pediu para ir ao Bairro Bom Retiro.
Chegando lá, saiu correndo do táxi sem pagar e entrou em um matagal.
Dei uma volta com o carro, não o encontrei e resolvi ir embora.
Quando eu estava indo, vi o passageiro dando sinal para pegar o táxi.
Ele não percebeu que o meu carro era o mesmo que ele tinha embarcado anteriormente e provavelmente ia dar o golpe de novo.
Ao visualizar o passageiro desonesto, desci do carro e o rendi, contando com o apoio de moradores da região do Bairro Bom Retiro.
A polícia foi chamada e o passageiro acabou sendo preso.
Na tentativa de segurar o passageiro, eu me acabei ferindo o pulso, até hoje tenho que mantê-lo enfaixado.
Não recebi pela corrida, mas pelo menos o rapaz que foi preso não enganou mais ninguém.
Dona Wilma estava entusiasmada com esta mi há história e pediu:
- O senhor é muito corajoso, tem mais histórias que possa relatar?
Eu sorri e disse:
- Claro que tenho, veja só esta que nunca me esqueci.
Em Dois Mil e Onze, eu estava transportando um violonista aposentado da Orquestra Sinfônica de Campos de Jordao.
No meio do trajeto, o músico tirou um violino de dentro de uma caixa e começou a tocar de maneira bastante empolgada.
Embora eu gostasse de música, não pude deixar de perceber a reação dos outros motoristas que passavam por nós.
Quando eu parava no semáforo, todo mundo ficava olhando o violinista.
Ele tocou incansavelmente até chegarmos ao local de destino.
Dona Wilma disse:
- Nossa, senhor Sérgio, enquanto o senhor falava, fiquei a imaginar o senhor primeiramente, dirigindo e um violonista só para o senhor ali no seu carro e depois as pessoas que passavam e viam este show particular, deve ter sido muito emocionante viver esta cena.
Rimos.
Antes mesmo que ela viesse a pedir uma outra história, fui logo dizendo:
- Agora, o que me aconteceu em Dois Mil e Doze, foi muito marcante.
Uma vez, eu deixei uma mulher em frente ao Centro Vale Shopping e ela desceu com bastante pressa.
Toquei o carro e minutos depois ouviu um barulhinho de bebê, eu entrei em pânico, nunca ninguém havia deixado uma criança em meu carro.
Voltei ao Shopping e a mulher estava no local desesperada por ter esquecido de desembarcar a criança.
Outra situação complicada e foi em Dois Mil e Doze também,foi quando eu transportava um senhor idoso carregado de compras.
Ao chegar à residência do idoso, eu desci para ajudá-lo com os pacotes e deixei a porta do táxi aberta.
Eu recebi pela corrida e fui embora.
Depois de um tempo, percebi uma presença estranha dentro do carro, olhei para trás e vi um cachorro deitadinho no banco.
Tomei o maior susto e voltei para a casa do idoso para ver se o cachorro era de lá.
Quando cheguei, encontrei toda a família do senhor chorando, porque o cãozinho havia sumido.
Dona Wilma estava emocionada com as histórias...
Cada vez que emocionada contava uma história, eu olhava para o banco de trás pra ver o Caíque, mas, dava para ver que ele estava emocionada um sono profundo, até respirava fundo de vez em quando.
Mas, como eu disse, a vida de taxista não é só alegria e momentos bons.
Uma vez, eu estava voltando de uma corrida e dois rapazes saindo com duas pizzas de uma pizzaria pediram "Táxi! Táxi!".
O endereço era de uma favela, chegando lá, um dos dois passageiros disse:
- Buzina aí!
- Tá doido buzinar aqui? - eu respondi..
- Buzina!

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