Tendo a emoção tomado conta de mim, me recompus assim que foi possível, não me recordo quanto tempo levou, mas, confesso que não foi nada fácil passar por tudo isso.
Chamei a secretária e pedi a ela para passar o depoimento de dona Samanta para a escrita e assim que ela me entregou, arquivei juntamente com outros materiais colhidos da mesma.
Saí para almoçar, ainda muito pensativa por tudo que havia acontecido de manhã.
Não tinha ninguém marcado para a tarde, nenhuma...
Ia aproveitar para dar uma geral na minha sala, mas qual não foi a minha surpresa, ouvi a secretária batendo na porta porta e ao colocar a sua cabeça para dentro da sala, disse:
- Tem uma senhora querendo conversar, posso pedir para ela entrar?
Eu respondi afirmativamente e em seguida ajeitei as minhas vestes.
A maçaneta moveu- se, logo uma mulher adentra a minha sala, com uma face brilhante e animada, não mostrava vergonha, com uma bela maquiagem.
Esta não era o jeito da maioria dos casos, o perfil de uma mulher violentada, sem prazer de viver, a vida perde a beleza e o sentido.
Ela me parecia muito bem, uma mulher resolvida e feliz, tinha um brilho no olhar e um sorriso contagioso.
Eu me levantei e assim que ela fechou a porta, eu a abracei e disse:
- Minha amiga, seja bem vinda!
Ela retribuiu o abraço apertado, senti uma vibração e uma forte energia.
Eu puxei a cadeira e ela se sentou, calmamente.
Comecei a dizer a ela:
- Você não parece com as mulheres que eu tenho recebido por aqui ultimamente.
Eu continuei:
- O quê eu posso ajudar?
Foi neste momento que eu notei o seu sorriso.
Assim que ela me sorriu, disse:
- Oi. Muito prazer em conhecer a senhora, fiquei muito feliz em saber que aqui em nossa cidade está situada uma ONG para ajudar as nossas cidadãs.
Eu fiquei só ouvindo, após ela ter dito estas palavras, se apresentou dizendo:
- Você não me conhece, mas, eu sou a primeira dama do Estado de Minas Gerais, estou aqui por dois motivos, primeiro para te dar um grande apoio financeiro, pois confesso que quando eu ouvi que estava se instalando uma ONG deste porte, não pensei duas vezes e decidi que ajudaria e o meu outro motivo é deixar um registro, para que as pessoas que vocês forem atender, possam saber de ante mão, que há possibilidade de se erguer e há vida após o estupro.
Eu não sabia onde colocar aqui minha cara de tanta felicidade e e ela continuou dizendo:
- Prazer meu nome é Ester.
Eu me levantei novamente e disse:
- O prazer é todo meu, Wilma é o meu nome, a sua disposição.
Após ter dito isso, busquei o meu gravador e coloquei diante dela dela e disse sorrindo:
- A hora que senhora quiser falar do caso da senhora, pode começar.
Um pouco antes dela começar a falar, eu peguei um copo de água e coloquei diante dela.
Assim que tomou um gole, ela limpou a garganta e disse:- Memória recuperada vinte dois anos depois:
Tenho trinta anos e sofri abuso sexual aos 8, praticado por um tio.
As lembranças daquela tarde ficaram muitos anos enterradas na minha memória.
Eu sofri o abuso e como uma forma de "defesa" minha mente bloqueou tudo e eu achava que tinha imaginado tudo aquilo, tinha apenas lembranças borradas.
Mas, o que mais contribuiu para que eu tivesse bloqueado aquilo da minha mente foi eu ter contado para minha mãe e ela não ter acreditado, me disse que conhecia o irmão e sabia que ele não faria algo assim.
Ser desacreditada pela minha própria mãe, me fez perder minha identidade.
Passei a acreditar que eu era má e que mentia.
Meu corpo mandava sinais e ninguém entendia, passei a ter pesadelos noturnos, incontinência urinária e me tornar agressiva.
Sem contar que em reuniões de família quando meu tio aparecia, eu passava mal e achava que ia morrer, sintomas de ansiedade.
A mudança:
Tudo mudou quando eu tinha dezenove anos de idade e estagiava em uma Vara Criminal da minha cidade, eu era responsável pelas audiências, eu acompanhava os depoimentos.
Teve um caso de uma menina de nove anos de idade que sofreu abuso do padrasto, as semelhanças com o meu caso eram muitas.
Me lembro de chorar escutando a menina (então com doze anos) contar os detalhes do que aconteceu com ela, eu me sentia ouvindo minha própria voz em um gravador.
Eu não lembro, mas, tudo que eu sei é que, após a audiência eu travei, simples assim, travei, eu não conseguia mais fazer nada.
Meu chefe pediu para eu tirar o resto do dia de folga, não lembro de ter chegado em casa.
Sei que cheguei e fui dormir direto, do jeito que cheguei.
No outro dia, eu acordei e não sentia nada, nenhuma parte do meu corpo, eu não sentia minhas pernas, não sentia meus braços e não conseguia me levantar.
Eu pensava em me levantar e meu corpo não obedecia.
Gritei por ajuda e minha mãe veio me ver, fui direto ao Hospital, passando por todos os tipos de exame.
Existia todo tipo de suspeita.
Não encontraram nada em meus exames físicos.
Enquanto isso eu fiquei lá, vegetando acordada.
O médico me encaminhou com urgência a uma psiquiatra e foi aí que tudo começou a ser revelado.
Foi um processo lento e doloroso, ela foi me perguntando e pediu que eu contasse minha rotina.
Ela se demorou bastante na audiência de estupro que eu tinha presenciado.
Chamou minha família e pediu se eu tinha sofrido algum abuso na infância.
Minha mãe conta que, o chão dela sumiu nesse momento.
Ela lembrou daquele episódio em que eu havia dito: "o titio me fez fazer coisas".
A partir desse dia começou a minha lenta recuperação.
Foi a coisa mais dolorosa que ocorreu comigo e com a minha família.
A recuperação:
A recuperação foi lenta.
Minha mãe se culpou tanto por não acreditar em mim, que tentou suicídio.
Meu pai, culpava minha mãe por não ter dito nada, a culpava pelo mau relacionamento que eu e ele tínhamos.
Passei a receber olhares estranhos da minha família (tios e avós), uns de reprovação e outros de descrença, a coisa ficou pior quando minha outra prima resolveu abrir o jogo e dizer que o mesmo tio tinha tentado fazer algo semelhante com ela.
Foi terrível.
Hoje:
Hoje eu ainda faço terapia, minha mãe faz e meu pai também.
O casamento deles não aguentou a barra e meus pais se separaram no início do ano, ainda estou trabalhando a culpa disso com a minha terapeuta.
Ainda pensamos na hipótese de contar às filhas do meu tio o que aconteceu.
E antes que se diga algo, ele morreu quando eu tinha quinze anos de idade (por isso não houve denúncia).
Hoje eu sei que consegui perdoá-lo, talvez apenas porque ele não está mais aqui, mas, eu sei que isso é um progresso para mim.
Ainda lido com a questão da descrença, o fato de que as pessoas não acreditam, me causa muita revolta, mas eu sei que isso se leva tempo para mudar em nossa sociedade.
Quando me perguntam se eu superei isso eu consigo dizer com sinceridade que sim, que eu superei quase por completo.
Superei meu péssimo relacionamento com o sexo oposto. Encontrei um homem que me ama e que eu amo também.
Hoje eu posso dizer que sou feliz sim.
Hoje eu só penso em ajudar qualquer mulher que tenha ficado tão fragilizada quanto eu, ou mais.
Quero que todas tenham autoestima, sejam donas de si, de sua felicidade.
Hoje não me sinto mais suja.
Hoje eu sinto a leveza da vida, ao mesmo tempo em que me sinto forte como uma muralha.
Às vezes me fragilizo, mas sigo forte.
Dona Ester tomou a outra metade da água, disse disse e mais uma vez sorrindo:
- Bem, aí está a minha história, espero do fundo do meu coração, que as pessoas que aqui entrarem, possam sair com um ânimo renovado e uma esperança fortalecida e saber que HÁ VI DA APÓS O ESTUPRO e que se elas buscarem, vão encontrar o prazer de viver novamente.
Assim que ela terminou estas palavras, ela me deu um sinal para desligar o gravador, o que eu fiz prontamente.
Dona Ester educadamente se despediu, dizendo:
- Dona Wilma, eu mesma fiz o cadastro para a inclusão desta ONG de apoio pelo Estado e pode ter certeza que todo mês a nossa parte estará sendo feita com muito carinho e respeito pelo trabalho de vocês.
Eu a agradeci, em nome de todos e pedi que se possível ela tirasse uma foto comigo, o que ela fez com muita satisfação.
A vida muitas vezes nos surpreende de maneira que jamais imaginamos, graças a esta força extra que recebemos da esposa do governador, nossa expectativa para auxiliar e salvar as pessoas violentadas aumentaram consideravelmente, nos dando mais direção e propósito em nosso trabalho.
Os olhos de dona Wilma brilhavam ao dizer estas palavras, dava para sentir o cheiro da sua alegria, satisfação e felicidade pelo trabalho de ajudar as pessoas...
Ela simplesmente continuou a falar:
- Assim que ela saiu da nossa ONG, elegantemente entrou no carro, sentou-se no banco traseiro do veículo oficial do Estado, abaixou o vidro e acenou para mim, enquanto o carro sumia do alcance da minha visão.
Voltei à minha sala flutuando, com os pés e a cabeça nas nuvens, pensando:
- Era isso que precisávamos!
Fui à sala, abri lentamente a porta, olhei para tudo o que tínhamos conseguido até aquele presente momento, pensei nas possiveis infinitas mulheres violentadas que se chegariam em nossa instituição.
No dia seguinte, pessoalmente fui ao CDP em São José dos Campos, São Paulo.
Ao chegar lá, pedi para os diligentes lerem a carta de uma pessoa agredida por ele, também entreguei o meu celular para gravar o momento, que servirá como material para o nosso trabalho.
Feito isso, voltei para Minas Gerais.
Uma semana se passou, nós estávamos trabalhando no material que havíamos coletados, tais como o depoimento da Samanta, da primeira dama do Estado, da carta ao estuprador e da gravação pela entrega da carta.
Foi quando o policial de Itajubá, nos trouxe um envelope amarelo, ouvi:
- Toc toc toc!
Eu disse:
- Entre por favor!
Dois homens fardados entraram e se colocaram de pé em minha frente.
Eu me levantei e estiquei a minha mão e disse:
- Por favor sentem- se.
O que eles fizeram prontamente.
-Senhora Wilma, o nosso chefe nos pediu para trazermos este documento para a senhora em mãos.
Ele estendeu o envelope e me entregou entrego um mãos.
Coloquei o envelope na gaveta e disse:
- O meu muito obrigado, assim que eu tiver um tempo, vou analisar bem o documento.
Me levantei e peguei em suas mãos, nos despedimos, abri a porta para eles e voltei para a minha mesa, ansiosa para ler o que estava naquele documento.
Abri a gaveta calmamente, puxei o envelope e trouxe até o meu peito, abracei o envelope, pensativa no que tinha ali.
Mil e uma coisas passaram pela minha cabeça. O envelope estava pesado, na verdade, eu imaginava que não era só o peso de material e acreditava que também havia um peso maior que seriam os crimes cometidos pelo meu ex marido.
Comecei abrir o envelope, puxei o material que está dentro, era um monte de folhas e cada folha era um crime cometido pelo cara que estragou a vida de muitas pessoas, inclusive a dele.
Os primeiros crimes, depois de uma análise sistemática da minha parte, pude notar que eram os estúpidos estupros cometidos por ele.
Porém, não estavam necessariamente na ordem cronológica, pois, antes mesmo dele cometer estes crimes bárbaros, ele já havia tido outras experiências tão cruel quanto.
Como eu já estava ciente dos oito estupros que o canalha havia cometido, me interessei também pelos outras coisas para saber quem de fato, era o homem, se é que pode chamar de homem, que eu me casei.
Os relatórios da polícia estavam com um grande volume, o que me deixou ainda mais curiosa.
Comecei a ler o primeiro que eu ainda não tinha visto, me deixou sem chão e pálida, pois fiquei a imaginar, o tamanho do risco que eu estava tendo.
Agora o senhor imagina só, minha família e eu nas mãos deixou um maníaco deste.
Cada vez que a dona Wilma abria a boca, mais curioso eu ficava, e perguntei:
- O quê a senhora leu que a deixou sem chão e pálida?
Aí ela começou a me falar o que ela havia lido no relatório que ela pegou para ler:
- Então senhor Sérgio, sabe que quanto mais mexe em certas coisas, mais fede, né?
Pois é, assim foi, comecei a ler o seguinte:
- " Em uma tarde de um domingo de Março, na cidade de São José dos Campos, estado de São Paulo, Jorge Alves Cunha, vulgo JAC, no ano de Dois Mil, às quinze horas aproximadamente, com uma arma de calibre trinta e oito e munido de várias munições, enquanto os seus pais e um dos dois irmãos tiram um pequeno cochilo, o Jorge citado a cima, encontra a arma de seu pai, atira primeiro na cabeça do pai, em seguida na cabeça da mãe e logo vai ao quarto de seu irmão mais novo e atira na cabeça do mesmo, após estas atrocidades, ele pega o seu carro, vai para a casa de praia da família, após passar na praia uma semana, depois de dois dias, recebe uma chamada para ele voltar imediatamente, pois a sua família havia sido assassinada, ele volta, chora no velório e em seguida foge, abandonando tudo.
Em prantos, dona Wilma se cala e logo continua a falar:
- Sabe, senhor Sérgio, o pior disso tudo, é que ele fugiu e foi para o sul de Minas, se vestiu com "pele de carneiro" e foi vivendo por lá, aí se fez de menino bom, me conquistando, conquistando a minha família, nos casamos e depois ele me apronta tudo isso, pensando que ia acabar com a minha vida.
Mas tudo nesta vida tem um propósito e um destino, muitas vezes não sabemos qual é.
Jorge viveu todo este tempo aqui, sem ninguém perceber nada, mas, como o instinto sanguinário estava embutido nele, não conseguiu se manter uma pessoa do bem, logo começou a praticar as atrocidades.
O relatório continua dizendo que, apesar dele ter feito estas coisas, ele não tinha nenhum antecedente que o incriminasse.
Ele trabalhava numa grande empresa de São José e era bem de vida, vivia em um bairro de classe média alta, nunca teve problemas em sua infância, ou seja, não havia nenhum índice que pudesse mostrar a causa repentina das atrocidades cometidas por ele.
Não fez isso por dinheiro, por herança, nada, simplesmente fez por fazer.
Por fim, eu acabei tirando uma conclusão, que o que ele estava fazendo antes de ser pego pelos policiais, ou seja, estuprando as mulheres que eram parecidas comigo, não tinha nada a ver comigo e sim com ele mesmo.
É interessante que, quando sofremos essas coisas direta ou indiretamente, procuramos nos culpar, que o problema estava em mim, que eu que fiz isto ou aquilo, sendo que na verdade, a culpa é de quem praticou o delito ou a atrocidade ou seja lá o que for.
O ponto importante que temos primeiramente entender é exatamente este, a culpa não é de quem sofreu o abuso, quem sofreu o abuso é a vítima que precisa ser tratada como tal.
Demorou muito para eu entender isso, mas a partir do momento que entendemos claramente esse ponto, as coisas começam a fazer sentido e a mente começa começa a clarear.
As coisas começam a voltar a ter cores, brilho, sabor, vida.
Não te desanime e nem feche o seu coração, busque sempre ajuda, pois que tem que sofrer e pagar pelo que fez é o criminoso e não a vítima.
Vítima é vítima e precisa de carinho, atenção, cuidado, amor.
Vítima precisa de viver, precisa de paz interior.
A vítima precisa do apoio da família, mas, não um apoio superficial, um apoio incondicional, apoio que venha trazer alívio e dar segurança que a pessoa precisa.
Assim que eu ia ouvindo as palavras de dona Wilma, ficava cada vez mais a pensar em como esta mulher deve ter superado estas situações toda em tão pouco tempo?
Muitas das vezes, estas coisas acontecem sem ao menos esperarmos tal situação, não vem uma mensagem em nosso celular dizendo:
" Se prepare que aí vem bomba e você deve ser forte ao máximo. "
Não isto não acontece e quando vem, vem de uma só vez.
Preparados ou não, temos que estar fortes e ou nos tornarmos fortes, se o caso for nos tornarmos fortes, com certeza vamos sofrer um bocado, mas, saiba que até mesmo isso, serve para o nosso bem.
##########
A mensagem importante que podemos aprender é que, devemos entender que em casos em que não fomos nós que praticamos o crime, somos vítimas sim, que devemos procurar ajuda, procurarmos o melhor para nós e assim que nos fortalecermos, procurarmos oportunidades de poder ajudar as outras pessoas que foram tão vítimas como você.
Devemos lembrar que todos nós estamos preparados para ajudar, mesmo que seja apenas ouvindo a outra pessoa.
Que os nossos semelhantes estão sedentos de atenção, uma palavra amiga, um atenção pessoa que vá entender ela ou ele é que não vai julgar você como culpada ou culpado por atos de outrem.
Acima de tudo, ame a vida, pois ela nos foi dada para viver dá melhor forma possível.
Veja bem, VI VER e não SOBREVIVER!
#####
VOCÊ ESTÁ LENDO
Os Segredos Por Trás Dos Vultos
Misteri / ThrillerSinopse O quê você vê quando olha para alguém? Nem sempre é o que aparenta ser... O quê as pessoas escondem por trás de suas muralhas faciais? E se você pudesse descobrir, Os Segredos por Trás dos Vultos? Lembre- se ao descobrir, Os Segredos por Trá...