Capítulo 4 - Sâmia Rolfe (Memórias)

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Aos 13 anos, Sâmia Rolfe havia encontrado em um parque próximo à sua casa em Los Angeles, Califórnia, um livro no mínimo intrigante: tinha a capa de vidro e as folhas pareciam de papel vegetal, mas não eram frágeis e nada parecia poder rasgá-las. O livro "O mundo dos Jogos" falava de um mundo paralelo ao nosso, onde criaturas mágicas eram governadas por um único rei, um apostador nato, que tinha vários jogos em seus domínios e os mortais que conseguissem vencê-lo teriam um desejo realizado.

Sâmia morava com seu pai, seu irmão e sua madrasta, após a morte da mãe. Nutria intenso ódio pela Jane desde o primeiro momento em que a viu. Não entendia como seu pai pôde colocar aquela mulher na casa deles, apenas três meses após a morte da mãe. Todos os dias pedia aos céus que um raio caísse na cabeça da madrasta, que tivesse um enfarte, fosse assaltada, vítima de uma bala perdida, que morresse de alguma forma, mas foi somente após encontrar o livro que seu desejo se realizou: observou com horror, peças de um tabuleiro de xadrez de aproximadamente um metro e meio saindo do livro e carregando a alma dela para dentro do mesmo, enquanto o corpo, sem vida, era largado ao chão.

Não sentiu remorsos. Muito pelo contrário, ficou muito satisfeita. Mas tudo mudou: o pai ficou arrasado, bem mais do que pela perda de sua mãe. Definhou a cada dia e, não importava o que ela fizesse, estava mergulhado em uma depressão profunda e total apatia. Ele estava morrendo. Meses depois, acabou por encontrar um exame de sangue em uma gaveta, provando que Jane estava grávida e, com tal descoberta, seu mundo caiu. Desesperada, tomada pelo remorso e pela dor indescritível, implorou ao rei, em pensamento, que pudesse reparar seu erro e, com isso, teve sua vida transformada em um inferno.

Acordou em um novo mundo, denominado Submundo e teve que passar por seus piores pesadelos a cada jogo que o rei estabelecia. Saiu vitoriosa e pôde voltar para casa com a sua madrasta, que nada lembrou do acontecido pelo resto da vida, assim como seu pai, que nunca teria dado pela falta delas. Mas aquelas vinte e cinco horas que havia passado no Submundo consumiram toda sua energia: passou a tomar calmantes e se tornou dependente deles, não importava quantos tomasse, nada era suficiente para apagar o que havia vivido.

Ficou revoltada por ter que passar por tudo aquilo, simultaneamente à tristeza que sentia. Isso, por não poder viver em um lugar mágico como sempre, nutriu sonhos em seus mais secretos desejos.

Aos dezenove anos, completamente dependente dos remédios, tentava, juntamente com seu psiquiatra, acreditar que nada havia acontecido, que tudo não passara de uma criação da sua própria imaginação. Havia deixado Los Angeles e morava em um apartamento em Nova Iorque, onde trabalhava como crítica literária em um jornal local.

Exatamente seis anos após sua incrível experiência, um habitante do Submundo havia ido visitá-la, convencendo-a a impedir o casamento do rei dos reis, em troca ela receberia uma vida plena e se livraria de todos os medicamentos. O seu retorno não deveria ser considerado por muitos devido à sua experiência anterior, mas Sâmia não pensou duas vezes e aceitou, afinal, ela não teria o que perder: já se considerava morta, não faria a menor diferença, se ele dessa vez a matasse realmente.

Embora o relacionamento deles tivesse sido sempre complicado, no qual quase não existiam palavras e sim um eterno jogo emocional, conviveram por três meses e ela chegou a pensar que o amava. Leander, o primeiro-ministro, o mesmo que lhe havia feito a proposta para adentrar novamente aquele mundo, havia dito que ela conheceria o Jahean de uma maneira diferente. O que de fato realmente aconteceu, especialmente quando estiveram em uma terra sagrada chamada Mist. Um lugar de paz contínua, aonde pássaros voavam deixando marcas coloridas no céu, onde as flores e as árvores pareciam uma tela pintada a tinta óleo.

Ciclos Eternos- Superfície - Livro 2Onde histórias criam vida. Descubra agora