Branco e negro

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POV Chloë

—Estamos totalmente ferrados! O ambiente é um caos, meus pais quase não se falam. Tudo está uma droga!

Observei enquanto Jony abria o pacote de biscoitos recheados e levava um à boca apoiando em seguida a cabeça nas mãos, bagunçando seus fios de cabelo loiros, antes perfeitamente penteados, em todas as direções.

—Acho que as coisas apenas... Resultaram ser dessa maneira. Você terá que buscar a forma de conviver com isso.

Encarou-me transtornado, fitando-me com seus translúcidos olhos azuis.

— Chloë essa é uma maneira muito distante de observar as coisas.

Remexi-me inquieta no banco de concreto enquanto inúmeros estudantes caminhavam ao nosso redor antes do início das aulas daquele dia. Eu simplesmente não era indicada para temas como esse. Quando estava triste, quando me sentia frustrada eu pintava. 

Não estava feita de palavras de conforto, eu estava feita de tinta.

Tinta brancas e negra.

A maioria das pessoas não entendiam isso.

—Desculpe. — Tomei um gole do meu suco de laranja e observei enquanto o desgosto dominava seu corpo atlético e conturbava as linhas perfeitas do seu rosto.

Jony Sullivan era o protótipo perfeito de como um cara deveria ser.

Alto, ombros largos, cabelos sempre penteados, olhos da cor do mar, notas acima da média e um desempenho exemplar nos esportes. Éramos o que muitos casais da Tom Jobim (sim, o nome da minha escola é uma homenagem ao cantor e compositor carioca, embora quase todo mundo alí ignorasse qualquer forma de arte) queriam ser. Nos ajudávamos mutuamente e seguíamos um objetivo em comum.

Algumas vezes eu sentia essa tal sensação de vazio na boca do estômago quando Jony me beijava e isso me fazia pintar a noite toda.

Não queria perdê-lo.

Jony era preto e branco e por isso eu o conhecia bem.

                                                                 ღ ♥ ღ ♥ ღ ♥ ღ ♥

O sinal tocou no exato momento em que Gabriel Sullivan passou pelos portões de ferro e entrou no pátio principal da escola. Como uma corrente inesperada de ar ele caminhou e desapareceu pelos corredores sem olhar para nenhum lugar em especial, sem titubear diante das miradas inquisitivas, sem se importar com os comentários que ecoavam sem pudor pelo pátio.

Vi quando Jony cerrou as mãos em punho, vi quando apertou o maxilar e seus olhos se dilataram, vi quando colocou a mochila nas costas e me arrastou pra longe dali.

Não era difícil decifrar todo o burburinho que corria pelos corredores. Andrés Sullivan, um dos empresários mais renomados da indústria farmacêutica tinha um outro herdeiro. Um filho fora do casamento com uma estrangeira que havia falecido recentemente depois de lutar durante dois anos contra um câncer no pulmão. Ao parecer o senhor Sullivan era a única pessoa que poderia oferecer um futuro decente a seu filho, que havia vivido boa parte da vida em uma pequena cidade escondida no sul da Argentina. Esse havia sido o último pedido de sua amante antes que ela se convertesse em sonhos.

Um escândalo que havia sido nota em alguns jornais da cidade, mas que logo havia sido deixado de lado por problemas visivelmente maiores e por fofocas mais rentáveis depois de algum tempo.

Uma lacuna permanente na família de Jony, uma página a mais nas notícias de uma das cidades mais visitadas do nosso país.

Inúmeros pares de olhos curiosos acompanharam com certo descaro a chegada do novato. Logo a historia de infidelidade que rondava a família de Jony deixaria de ser novidade também na conceituada escola da zona sul de um dos bairros mais caros do Rio de Janeiro. É realmente curioso como pessoas com grande poder econômico tendem a protagonizar escândalos. Foi o que eu disse a Jony antes de entrarmos na sala de aula.

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