Três anos antes, quando nos conhecemos, tive certeza de que tinha encontrado a garota com quem passaria o resto da minha vida, e algo na maneira como ela sustentava os meus olhares dizia que ela pensava a mesma coisa.
Esbarrei nela para começar uma conversa. Sempre funcionava, o clássico sempre parecia positivo. Quando lhe contei a história, ela disse que sabia que foi de propósito, disse que tinha planos de fazer o mesmo, mas no dia seguinte.
Alice perdera a mãe muito cedo, então eu era, como ela dizia nos dias tristes, o que a mantinha aquecida. Antes dela, não me lembro de gostar tanto de alguém. Eu poderia simplesmente passar horas olhando para ela, sem dizer uma palavra. Muito porque eu não gostava da ideia de correr o risco de transformar os lindos pensamentos a seu respeito em palavras raquíticas na boca. Depois porque, ah, ela era linda! A boca: um desenho perfeito. Reclamava dos olhos grandes, mas a verdade é que quando eles encontravam os meus, eu entendia que tudo em mim queria tudo o que havia nela.
- Hora de ir trabalhar, mocinha - murmurei, apoiando os joelhos na cama e mordendo um de seus ombros. Voltava do banheiro.
- Ah, não... Hoje eu tenho folga - ela explicou, sorrindo, preguiçosamente.
- Pensei que a folga fosse depois de fotografar aquele casamento... - sugeri, em dúvida.
- Oh, meu Deus! - exclamou, assustada - Esqueci completamente! Por que raios não me acordou a tempo?
Sorri, apenas.
Ela pegou a câmera que coloquei em cima da cama, disse "obrigado" e correu. Eu a segui e a agarrei pelo braço de modo que colamos os corpos um ao outro de frente. Senti uns socos sutis atingirem meu peito, ela virou o rosto, sorriu e disse:
- Te amo. Mas eu preciso ir. O casal é dono de uma agência muito importante, eu posso ser grande se fizer boas fotos. Não posso me atrasar.Do outro lado da cidade, tirei o capacete e olhei para o alto do prédio. Respirei fundo e segui em frente, relutante. Depois que o elevador se abriu, caminhei mais alguns passos e meus dedos seguiram até a campainha. Quem me atendeu foi Cássia.
Quando me viu, toda a tristeza que a cercava pareceu se dissipar. Ela sorriu para mim, e eu apenas entrei.
- Eu não posso vir aqui toda vez que você me ameaçar com um suicídio. Eu sinto muito, mas isso tem que parar. Deixa eu ver isso aqui... - Me aproximei e peguei em seu braço. - O que a gente viveu foi muito bonito, mas eu amo a minha esposa. Você tem que seguir em frente.
- É o que estou tentando fazer. Mas às vezes me sinto tão sozinha - ela explicou, convidando-me a sentar. Foi à cozinha.
Passei os olhos pelo apartamento e vi três retratos com fotos minhas. Levantei e as contemplei com a ponta dos meus dedos.
- São minhas fotos favoritas - ouvi atrás de mim.
- Isso me deixa mal - eu disse, virando-me. Cássia ofereceu um copo de suco que aceitei.
Sentamos no sofá e ela começou a fazer um relatório do quanto sentia minha falta, do quanto me amava. No começo, entendia tudo com clareza, mas após uns goles de suco, meu corpo parecia elétrico e Cássia agora tocava o meu rosto.
Num impulso, joguei-me para fora do sofá e coloquei o copo de suco em cima da mesinha de Centro. Fiquei sentado no chão. Minha cabeça girava com muita violência e eu sentia Cássia ajoelhar-se até que num lapso, cerrei os olhos tentando não ceder.
Foi então que senti os lábios de Cássia junto aos meus.
- O que você... Está fazendo? Anfetamina...
Ela também deixou o copo em cima da mesinha.
- Te dando o amor louco que você sempre quis.
Muitas horas depois, abri os olhos lentamente, tentando identificar o local onde eu estava. Ainda me sentia ousado demais.
- Eu adoro ver você dormindo.
- Eu não acredito que você fez isso comigo - murmurei, levantando-me apressado, eu estava sem camisa. - Não espere me ver de novo, nunca mais. Eu já traí a Alice uma vez e não vou traí-la de novo, entendeu? Eu não quero traí-la de novo.Girei a chave na fechadura. 23h33. Isso não pode estar acontecendo, eu estava indo tão bem. Alice me recebeu com um beijo, disse que estava preocupada comigo e que a noiva atrasou muito mais do que ela. Que o seu sonho de se tornar uma grande fotógrafa estava prestes a se realizar.
- Eu me senti poucas vezes tão feliz - anunciou.
- Então espero que tenha pensado em um jeito de comemorar tudo isso - respondi, tentando não demonstrar minha decepção.
- Mmm, que tal abrir a geladeira?
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A Letra E A Lente
Short StoryCapa por 123_Maria_123, a garota que se apresenta por si só. Conto inspirado na música Infinity por The XX. A Letra E Lente conta a história de dois jovens amantes que levam a vida da maneira mais agradável possível. Cheios de coisas em comum, co...