A Biblioteca

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- Seu filho tem potencial arcano inato – o mago disse por cima das lentes de seus óculos.

-Como assim?- meu pai perguntou, embasbacado.

-Ele nasceu com poderes.

-Ele é um mago?

-Não. Certamente que não- Meu pai ensaiou um suspiro de alívio, mas foi logo interrompido- Todavia poderá vir a ser um mago no futuro, se assim o desejar e se tiver a disciplina e a dedicação necessárias para esta empreitada, pois um mago é feito de estudo, basicamente. Mas é necessário também que o estudante tenha uma aptidão natural para as energias arcanas que permeiam nosso universo.

Estávamos os três em sua biblioteca. Eu estava deitado em uma espécie de tapete flutuante, onde o mago pedira para eu me deitar. Assim que o fiz, o tapete se ergueu o ar e se estendeu como uma cama rígida. Fiquei próximo da altura do rosto de Ariphos.

O mago pegara alguns objetos estranhos, um par de agulhas prateadas e passou-as sobre o meu corpo. As agulhas moveram-se, aparentemente, sozinhas. Depois ele utilizou uma pedra e a deslocou sobre a extremidade do corpo. Por fim, soltou-a sobre minha testa. A pedra, que havia adquirido um tímido brilho violeta, flutuou sobre mim, poucos centímetros acima da minha testa.

Fiquei sentado sobre o tapete enquanto os dois conversaram sobre meu futuro. Os livros do mago me deixaram extasiado. Eram tantos e tão variados, distribuídos em milhares de prateleiras e espalhados sobre várias mesas. As capas eram de couro em regra, mas eu vi madeira e outros materiais. Eram verdes, negros, vermelhos, púrpuras, azuis; e os escritos, tão estranhos para mim, apareciam em letras cursivas elegantes e letras de forma graves e estóicas, em cores tão exóticas como prata, ouro, escarlate brilhante e verde fosforescente. Eu só queria tocá-los e absorver tudo que havia dentro deles.

-Não há lugar melhor que Dalaran- o mago falou- para se aprender sobre a magia. Seu filho será muito bem recebido lá.

-Ele é muito novo.

-Sim, de fato ele é. Porém, estas coisas são mais facilmente aprendidas quanto mais cedo nos são ensinadas. Ele pode ter problemas no futuro. Pode se ferir ou, pior ainda, pode acabar suprimindo toda a capacidade natural que possuí.

Meu pai perguntou se isto era pior que se ferir.

-Não consigo conceber algo pior que confinar alguém tão especial a um mundo ordinário. Um mundo sem cores e com possibilidades limitadas. Um mundo que vai regê-lo com leis de ferro, que vai arrastá-lo com a correnteza de um rio caudaloso. Um mundo sem causas, onde ele terá de conviver com pessoas ignorantes sem a capacidade de discernimento necessário para compreender sua natureza sensível. Imagine viver sem desfrutar de todo o talento com que ele foi agraciado.

Meu pai permaneceu calado, enquanto ponderava.

-Eu não tenho dinheiro para mandá-lo.

O mago coçou a barba castanha.

-Eu poderia acolhê-lo como meu aprendiz. Louis aqui- disse apontando para o jovem que nos acompanhara durante a subida- vem desempenhando este papel de forma tão satisfatória há tanto tempo que eu não considero a necessidade de outro. Mas ele já tem quase a idade suficiente para me deixar e buscar seus próprios empreendimentos e, além disto, pelo bem do garoto, eu posso acolhê-lo.

Senti um frio na barriga ante à possibilidade de viver naquele paraíso tão sublime. É claro que eu já escutara as proezas dos magos de Dalaran. Já me imaginava conjurando bolas de fogo e explodindo monstros assustadores, ou tecendo tapetes voadores ou ainda outras coisas maravilhosas.

O Servo do VazioOnde histórias criam vida. Descubra agora