Desde que me aproximei da torre, os sussurros se tornaram cada vez mais nítidos e mais frequentes, como se as coisas que me perturbam durante o sono estivessem ficando mais fortes.
Não sei se este é um dilema recorrente a todos os sacerdotes ou se eu sou mais fraca que os demais, por isso tenho que ficar repetindo esta tentação vezes sem conta. Todos nós, usuários da luz, temos de enfrentar, a todo instante, a terrível corrupção das Sombras. Muitos superam este desafio e nunca mais dão ouvidos a seu lado negro. Outros acabam sucumbindo e abraçam o vazio que esta força lhes promete. Nunca soube de ninguém parecido comigo, que conversasse com vozes dentro da própria cabeça.
Até chegarmos na torre, eu pensava que era um sintoma da loucura tão alardeada por outros membros da minha casta e da minha raça. Não são poucos os sindorei que sucumbem à fome da magia ou às promessas de poder do fel. O desespero e a angústia são quase uma característica genética, embora o sofrimento tenha se tornado muito maior e mais forte nos últimos tempos. Não é para menos. Fomos mortos aos milhares pelo Flagelo de Arthas, arrastados a um mundo moribundo por Illidan, traídos por nosso líder Kael'thas...
Porém, quando chegamos à torre, os sussurros me alertaram do perigo. Graças a eles, pude salvar Mourn da armadilha no portão principal. Agora eles me atormentam com suas súplicas, seus lamentos, seus gritos de dor e desespero.
O que querem de mim? O que eles desejam que não conseguem obter por si próprios? O que são eles?
Repito tais perguntas em minha mente em uma tentativa de não despencar completamente na loucura que os sussurros prenunciam. Sinto-me como uma hóspede em minha própria mente. Já não reconheço mais o lugar, está todo revirado, sujo, conspurcado. Eu abraços meus joelhos, ainda em pensamentos, e tremo, murmurando que tudo vai passar, que eu ficarei bem, mas eu tenho essa sensação de perigo iminente, como se estivesse prestes a ser esmagada entre mãos grandes o suficiente para cobrir meu corpo.
Tento me agarrar em minha própria sanidade, à medida em que sou envolvida mais e mais pelas sombras que se fecham ao meu redor. Há algo de errado nesta torre, posso sentir. Há um vazio aqui, de emoções, de sentimentos, de vida. Mesmo os animais que nos atacaram não eram seres vivos, mas algo além – ou aquém devo dizer- formas primitivas que devoram a matéria. Depois que uma daquelas aranhas gigantes me picou, tenho ainda mais certeza de que a existência delas começou em um universo muito mais terrível que qualquer coisa que possamos encontrar aqui em Azeroth.
Lembro-me que a figura que conseguimos surpreender nos aposentos do mago utilizou uma energia peculiar para fazer surgir as aranhas. Seria ele um clérigo? Um usuário das Trevas como os feiticeiros trolls?
As vozes parecem confirmar esta hipótese. Elas sussurram o nome da figura em um idioma que não é o meu. Elas conversam quando estou distraída, chamando minha atenção, seduzindo minha curiosidade. Eu sinto que as vozes sabem o que ocorre aqui, sinto que estão falando sobre isso, sinto seu imenso conhecimento e tudo a um triz do meu alcance. Bastaria que eu aceitasse suas sugestões e suas promessas, mas, junto com os benefícios, há condições.
Sinto o frio tomando conta de mim, à medida que o veneno percorre minhas veias, profanando meu corpo, turvando minha mente. Estou mais fraca a cada segundo, apesar das medidas tomadas pelo bruxo. Eu digo a ele que não se preocupe que vou ficar bem, mas ele não acredita. Ele me colocou no centro de um ponto desenhado no chão, suas energias vis estão me mantendo consciente agora. Uma parte de mim, a parte élfica, grita de prazer quando eu entro em contato com a energia.
-Traição – as vozes sussurram.
-Traída- sinto seu aperto maléfico em meu coração, enchendo-me de dúvidas e rancor.
Minha magia não é capaz de me curar. Talvez eu não seja forte o bastante, talvez a Luz não seja forte o bastante.
-Fraca!- disse uma das vozes em tom ríspido- Sua Luz é fraca!
-Venha conosco- disse a outra, sedutora, aveludada, quase terna- Esperamos você há tanto tempo.
-Precisamos de você.
Eu estou caminhando sobre uma corda. Abaixo de mim há dois abismos. Um deles é verde e vil, a tentação da energia demoníaca, um futuro de escravidão e sede de poder. O outro é negro e frio, profundo como o desespero da alma mortal, um futuro desconhecido, promessas de esquecimento e fim do sofrimento. Os dois são tão tentadores que eu me sinto partir ao meio enquanto tento continuar a caminhar, passo diante de passo, pé ante pé.
-O portal...
-Que?- Eu ouço a voz de Mourn. Ele parece estar no fundo do mar...tão distante, sua voz tão embargada, é difícil ouvi-lo em meio às outras vozes.
-O Portal – a voz que sai dos meus lábios não é a minha- Não leva para outro lugar, mas para outra dimensão.
-Não entendo, Aleviendha.
As vozes me cercam. Eu quase as vejo ao meu redor. Minha consciência navega em um mar intoxicante. Estou afundando. Estou perdendo a luta. O frio tomou meu corpo e agora toma minha alma. O mundo dos mortos se abre diante de mim, sem cor, sem luz, o vazio infinito que aguarda todas as almas e então...então eu vejo, nosso algoz, nosso adversário, o objetivo de nossa missão. Ele está aqui...a um passo de mim...bem diante dos meus olhos...do outro lado do véu.
-O inimigo- nossas vozes saem juntas- está aqui. Nas sombras. Ele está entre nós.
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O Servo do Vazio
FanfictionQuando Renegados começam a desaparecer, um grupo de aventureiros é contratado para investigar um lugar que pode conter a única pista para o caso: a Torre de Ariphos. Um fanfic de World of Warcraft.