O destino brinca conosco. Justo quando pensei que perderíamos Aleviendha, ela começou a murmurar. Eu pensei que ela estivesse delirando de febre. Sua voz saía com dificuldade, como se ela estivesse sufocando. Ela então abriu os olhos e falou algo sobre nosso alvo, sobre ele estar ao nosso redor.
Nesse instante, McCoin e Olorrim entraram correndo, esbaforidos. Apontaram para a porta da biblioteca e balbuciaram algo de difícil compreensão. Não precisei esperar muito tempo para saber a resposta, muito menos gastar minha inteligência tentando decifrar o significado oculto daquele desperdício de fôlego.
Um instante depois de sua chegada, um imenso senhor do Vazio adentrou a biblioteca, arrancando pedaços da parede com suas garras de pura escuridão.
Entrei na frente de nossa sacerdotisa ainda caída. Ergui uma barreira de fel. Era minha oportunidade de retribuir o que ela fez por mim. A criatura lançou uma rajada de escuridão. Estaríamos mortos se eu tivesse sido menos ágil.
Fiz um gesto para meus companheiros. Eles ergueram suas armas e eu as energizei com o fogo demoníaco que queima dentro do meu peito. A criatura pareceu distraída, mirando o globo dourado que jazia sobre minha mesa. Ela pegou-o com seus dedos de garras afiadas e o globo mergulhou em sua essência flebíaca.
O goblin disparou um projétil coberto de fel, atingindo em cheio o senhor do Vazio. A criatura gritou de dor, um som lancinante e perturbador. O anão correu para seus flancos, o escudo erguido, e golpeou com o machado incandescente.
O Voidlord moveu os braços, preparando seu contra ataque e esbarrou nas estantes de livros, jogando-as para os lados. Suas garras atingiram o escudo de metal e o eco do golpe percorreu as paredes labirínticas da torre. Mesmo com minha camada de proteção mágica, o metal se partiu ao meio.
Não precisávamos de mais tempo. Eu terminei de entoar meu feitiço e a criatura foi aprisionada, derrotada pela minha Vontade.
Estava a um segundo de devolvê-la às regiões sombrias onde ela foi gerada, quando Aleviendha gritou para que eu parasse.
-Não- ela disse- Vamos precisar dele.
-Para que?
-Para o portal. Vamos utilizá-lo para energizar o portal e alcançarmos seu mestre.
Trocamos olhares. Havia confiança ali. Seria possível que ela, que estava prestes a expirar diante de mim, tivesse recuperado não somente sua saúde, mas também as condições de se aventurar daquela forma? E aquelas conjecturas sobre o portal, poderiam estar corretas?
Aleviendha não me deu tempo de pensar. Decidida, ela caminhou em direção aos banhos, onde estava o portal. O restante a seguiu. Eu fui por último, arrastando o VoidLord relutante atrás de mim.
Nosso trajeto não demorou muito tempo.
-Coloque-o no centro- Aleviendha ordenou.
-Tem certeza?- perguntei incomodado.
-Absoluta.
Eu obedeci. A alternativa era enfrenta-la e eu não queria isto. Sentia um comichão em meu estômago. A elfa estava preenchida com poder. Um poder estranho, mas familiar.
O VoidLord parou no centro do poço. Ele tinha o formato de uma chama, surgindo do ar. Era possível enxergar, em meio à sua constituição nebulosa, a esfera dourada girando lentamente.
Aleviendha gritou. O som me era completamente desconhecido, pareci formado por uma centena de timbres e tons diversos. O elemental de trevas urrou em resposta, seu corpo tremendo e perdendo a consistência. Eu senti o vínculo que nos unia se tornando mais fraco, mais tênue, mas mais ameaçador também. Instintivamente, quebrei o vínculo, liberando a Vontade daquela criatura. Eu sabia, porém, que ele já não era mais senhor de si. A elfa o dominava.
As águas do poço pareciam atingidas por um vento súbito. Em poucos instantes, porém, o vento aumentou e elas giraram em uma velocidade progressiva. A câmara se iluminou com relâmpagos que surgiam e se desapareciam em um espaço de tempo tão curto que eu pensava estar sendo atormentado por ilusões.
De repente, o Senhor do Vazio despencou sobre si próprio, como se estivesse implodindo. Ele se condensou até formar uma esfera tão negra quanto à noite, no centro do poço. O globo dourado voou do corpo da criatura e ricochetou nas paredes. Caiu próximo a mim, sua superfície trincada. As águas giravam tão rápido que era possível andar pelo centro do lugar sem se molhar.
E então, a esfera desapareceu, as águas pararam e caíram sobre o centro do poço, mas já não havia água ali. O portal girava lentamente, revelando uma profundidade terrível, coberta de escuridão.
-Vamos- Aleviendha gritou- Não temos muito tempo.
-Vamos salvar Eldred- o goblin gritou antes de pular.
O anão o seguiu. Eu peguei o globo no chão e olhei para Aleviendha, procurando um sinal. A elfa agitou o rosto, indicando o poço diante de mim. Com relutância, mergulhei no vazio.
Eu abri os olhos e foi como se eu enxergasse o mundo pela primeira vez. Diante de mim, estava uma criatura translúcida e luminosa como os platôs congelados da Nortúndria. Eu a teria confundido com um anjo se não fosse o medo que ela emanava e uma sensação de frio e desespero.
"Bem vindo" ela me disse "Você é um Renegado agora".
Aquelas palavras me atordoaram de uma forma tão profunda que meu corpo reagiu por mim. Deixei a figura diáfana e corri sem rumo para dentro da floresta de Tirisfal. Minhas memórias estavam fragmentadas e confusas. O desespero tomava conta de mim. Eu não queria acreditar que estivesse morto. Mais do que isto, eu não queria acreditar que havia sido condenado a uma eternidade de sofrimento e dor.
Em determinado ponto, percebi a paisagem conhecida dos bosques que cercavam a casa onde cresci, onde aprendi a ser um lavrador, um homem bom diria meu pai, e onde eu esqueci meu dom para a magia.
A casa surgiu a distância. Era noite, estava escuro, mesmo assim, pude ver os campos devastados sob a luz do tênue luar. Ignorei a ruína da minha juventude, as promessas de um tempo feliz e simplório que nunca seriam cumpridas. Adentrei a casa, passando por uma porta escancarada. A sala estava repleta de poeira.
"Olá" eu chamei, arrepiando com o som da minha própria voz. Não houve resposta.
Mergulhei na escuridão exasperante. Procurei na sala, na cozinha, nos cômodos da casa até chegar ao final do corredor, onde o último quarto estava localizado. Havia sinais de garras na porta e no umbral. A maçaneta estava caída no chão. Parte da porta estava em frangalhos. Alguém a havia arrombado. Entrei e senti um cheiro de podridão.
Meu estômago roncou. Eu teria chorado naquele instante se eu ainda tivesse lágrimas.
Diante de mim, na escuridão parcialmente quebrada pela luz da lua que entrava pela janela, havia um amalgama de corpos. Mortos vivos certamente os haviam atacado e se banqueteado naquele lugar, o último repouso dos meus familiares.
Sem forças, eu caí sobre meus joelhos, tomado pela angústia, sufragado pelo pavor daquele ato hediondo. Jurei vingança, mas minha razão questionava, contra quem? Contra Arthas? Contra a besta descerebrada que os atacou? Contra mim por não estar presente no dia?
A valquíria me encontrou dois dias depois.
As palavras dela foram gravadas em minha alma. Quando eu terminei de cruzar o portal e me vi diante de uma caverna obscura, ainda ouvia o eco daquela sentença:
"Foi aqui que o encontramos"
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O Servo do Vazio
FanfictionQuando Renegados começam a desaparecer, um grupo de aventureiros é contratado para investigar um lugar que pode conter a única pista para o caso: a Torre de Ariphos. Um fanfic de World of Warcraft.