Capítulo 6

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Amanheceu o domingo. Celso pediu nosso café e, depois do banho, matamos a fome, que era imensa. O desgaste foi grande, quase não perdemos tempo dormindo.

  _ Gostaria de ir ao cinema mais tarde, Quilly?
  _ Não, tenho muita coisa pra fazer em casa.
  _ Entendo. Mas poso te ligar, não é?
  _ Prefiro que não, Celso.
  _ Posso saber o por quê?
  _ Porque sou livre meu bem. Quando vi você, fiquei a fim de transar. Matei a vontade, e pronto.
  _ Poxa... Estou sendo tratado como um vibrador.
  _ Isso o incomoda?
  _ Na verdade, não. A gente se deu muito bem na cama, mas se você não quer compromisso, torna tudo mais fácil para mim.
  _ Como assim?
  _ Não vou ter que contar mentiras quando quiser sair com você. Sabe, eu tenho uma namorada, e de jeito nenhum vou me separar dela. Detesto ter de mentir quando encontro alguma mulher bonita e resolvo transar com ela.
  _ Por que namora uma garota se tem vontade de sair com outras?
  _ Porque amo a Cyntia, não saberia viver sem ela. Mas nem por isso vou deixar de aproveitar as boas coisas da vida.

Foi quando senti na própria carne a dor dilacerante do ciúme. Quem aquela tal de Cyntia pensava que era para ser amada pelo único homem que me interessou de verdade até então?

  _ Eu deveria dizer que ela é uma garota de sorte, mas não gostaria de ser essa sua namorada. Onde estava ela numa noite de sábado enquanto você se divertia aqui comigo?
  _ No hospital. Ela é médica.
  _ Tem certeza? Vai ver a moça diz que tem plantão e vai para o motel com algum médico interessante e que sabe falar direito!

Levantei-me e peguei minha bolsa.

  _ Quilly, eu ofendi você?
  _ Não. Sou uma mulher livre, e só vou mudar esse estado de coisas quando me for conveniente. Mas não teria ido para cama com você se soubesse que é do pior tipo de machista que existe.

Até parece! Se eu me deitasse só com os que valem a pena. Seria virgem até hoje.

  _ Entendo que você está zangada, frustrada ou sei lá o quê. Mas sei que nosso caso não acaba aqui. A gente se deu muito bem, você subiu pelas paredes comigo, e isso não é fácil de achar. Nem com a Cyntia eu me dou tão bem na cama. Portanto, você fica com o meu número e, quando quiser repeteco, é só me ligar.
  _ Chega de conversa, quero ir para casa.

***

Fui direto para meu quarto.
  _ Vai querer os pastéis hoje?
  _ Vou, mãe.
  _ Pretende sair mais tarde?
  _ Não, ficarei aqui com você.

Se eu tivesse um coração, ele estaria despedaçado.

Mas até que foi bom que os limites ficassem bem delimitados entre nós. Assim, eu não me desviaria da minha meta. Afinal, Celso estava longe de ser rico. Se ele não tivesse a tal Cyntia, eu correria sério risco de querer me casar com ele. E aí meu futuro seria qual? Cuidar de casa, de filhos e economizar o minguado salário do marido. Enquanto isso, lá ia ele levar alguma garota para qualquer canto e mandar ver com ela. Eu merecia muito mais que aquilo.

Cheguei a comentar essa minha ambição com minha amiga Fabíola. Nunca entendi direito por que nos tornamos tão íntimas. Somos o exato oposto uma da outra. Ela é toda certinha, jamais dá um passo errado. Namorou Lúcio desde os doze anos, casou aos dezesseis, tem um filho de cinco. É boa dona de casa, costura as meias do marido, jamais fala alto com os pais. Nunca trabalhou fora, e não toma uma atitude sem antes falar com Lúcio. A criatura mais bobinha do mundo.

Por isso tudo, não foi espanto nenhum para mim quando Fabíola arregalou os olhos e me disse:
  _ Quilly, você não pode se casar sem amor!
  _ E por que não?
  _ Porque o casamento, a família, os filhos têm de ser fruto do amor!
  _ Meu anjo, casamento por convivência é a coisa mais antiga do mundo. Só de uns tempos para cá é que as pessoas passaram a se casar por amor.
  _ Sei, e você pretende andar na contramão da história?
  _ Acha mesmo que estou me importando com uma banalidade dessas? Quero é moleza, Fabíola. Imagine se vou jogar fora toda a sorte que a natureza me deu me casando com um mané qualquer só porque sou apaixonada por ele!
  _ Quilly, vaidade tem limite. Você é bonita, isso é inegável, mas quantas mulheres ainda mais bonitas que você não conseguem se casar com um milionário?
  _ Não conseguem porque não querem ou porque não se dão o devido valor. O casamento é um negócio como outro qualquer. Não vou me matar de trabalhar uma vida toda só para ter um apartamentinho no centro, um carro de segunda mão e uma conta bancária que me permite quinze dias de férias por ano na Praia Grande. As coisas serão do jeito que eu quero, Fabíola. Deus me livre ter a vida como a sua...
  _ Não há nada de errado com a minha vida.
  _ Se está feliz com ela, ótimo. Eu morreria em três dias se tivesse de viver como você.
  _ Você devia lutar para conseguir enriquecer por seus próprios méritos.
  _ E será por meus próprios méritos. Por minha beleza, por minha inteligência, por minha capacidade de sedução. Mas não pense que sou um poço de egoísmo. Meu marido rico será feliz comigo, eu saberei recompensá-lo.
  _ Bem, faça o que quiser, a vida é sua. No entanto, se as coisas não derem certo, não diga que não avisei.
  _ Meu bem, não dou dois anos para você estar nadando na piscina de meu apartamento de cobertura. Mas nada de levar seu filho. Sabe muito bem que não tenho a menor paciência para crianças.
  _ Ora! Quer saber? Por falar em filho, está na hora de ir buscá-lo na festinha do amigo dele. Até mais.
  _ A gente se vê, meu bem.

Depois do almoço, ouvi um pouco de música e fui me exercitar na esteira. Minhas melhores idéias surgem quando estou caminhando.

Estava mais do que na hora de me concentrar em me casar com o dr. Azevedo. Cheguei a comentar que ele e bonitão? Pois é, um coroa maravilhoso! Não será nenhum sacrifício dormir com ele todas as noites.

Mas antes que isso aconteça, tenho de tirar duas pedras do meio do meu caminho: a mulher e a amante. Não vai ser nada fácil...

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