Pouco a pouco, a mocinha da história em quadrinhos de Renato, moveu-se, em sua mente, para o mundo distante e desconhecido de onde viera. Mas, não antes de ele se imaginar com capa de super-homem, visão de raio laser e invisibilidade – não a pública, antes comentada. Sempre que passava em frente aos sebos, Renato folheava alguma revista em quadrinhos. Alguns atendentes o viam com certa desconfiança. Renato nunca as comprava, dada sua conhecida limitação financeira. Mas, no dia de seu aniversário, decidiu dar-se justo presente. E, enquanto metia a mão no bolso de seu short surrado, a buscar moedas para ver se alcançava o preço, um atendente apressou-se em lhe atender.
-Posso ajudar?
-Sim, vou levar um gibi.
-Qual?
Ele hesitava entre três, e coçava a cabeça, como meio de espantar a dúvida.
-Leve os três. Eu pago.
-É sério?
-Sim, aceite como um presente.
Renato emocionou-se como Chaves ao receber boa notícia. Estendeu a mão para pagar, ao menos, uma, mas o atendente negou com um gesto. Ainda que muito agradecido, não pôde ocultar certa desconfiança pelo bom gesto. Dito o ditado: 'Quando a esmola é demais, o santo desconfia'.
-Valeu!
Abraçou o presente e saiu, lentamente, para que ninguém o acusasse de haver roubado. Com razão. Entre classes, alguns ressentimentos se formam, expressando-se em medo e preconceito, especialmente em países ditos 'emergentes'. Sentou-se no banco da praça e folheou os gibis. De primeira passada, apenas via as imagens. Deixaria o prazer de ler o texto, para a noite, deitado no telhado da casa, e munido de pequena lanterna. Notou que em duas das revistas, os super-heróis eram ricos. "Talvez eu nunca seja um herói! Nem um super-menino-da-lata". Lembrou-se de um filme que assistira, biografia de um presidente do Brasil.
Terá sido ele, o presidente, um herói brasileiro?
Em uma das estórias, o super-herói não era rico, mas fazia faculdade e tinha uma máquina fotográfica profissional. Então, lembrou-se da oficina de fotografia feita com lata, marcada para o dia de 'sábado voluntário', no pátio de uma escola pública da comunidade. "Bem lembrado!". Às nove da manhã de sábado, lá estava Renato com o material necessário: 'uma lata vazia, de tamanho médio, que não houvesse sido recipiente de produtos tóxicos'. Até levou mais de uma, para se acaso alguém não a tivesse. Mesmo sendo pobre, Renato gostava de dividir o que tinha. Como não tinha quase nada, acabava dividindo muito pouco. Para não cometer injustiça, digo que Renato, generoso que era, acabava dividindo, sempre que possível, muito do pouco que tinha.
Câmera Pin Hole, ou Buraco de Agulha é o nome dado ao aparelho fotográfico, feito com lata. Aí, na dita oficina, Renato aprendeu a transformar material descartado em instrumento de registro visual. Para Renato, o resultado de tal técnica soava a poesia. A partir daí, o objeto que coadjuvante de sua luta árdua, seria utilizado para criar beleza. Esta beleza, ele venderia aos turistas que visitavam a favela como se estivessem a conhecer uma tribo indígena, ou a percorrer um safári na África. A luz do vagalume acendeu-se a Renato. Mal pôde ele esperar para iniciar seu laboratório. Começou fazendo fotos de flores e árvores. A natureza é rica em beleza. Posteriormente, fotografou pontos turísticos da cidade. O trabalho foi bem aceito pelo público alvo.
Tudo se compra?
Não criatividade e talento.
Talento é para quem tem.
Quem tem talento, tem.
Quem não tem, paga.
Tudo se paga?
Sim, por tudo se paga.
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O Catador de Sonhos
AdventureRenato, questionador nato, pobre de nascença, renascido, autor de seu renascimento. Um entre tantos descarados e desalmados pela esmagante multidão. Um sobrevivente, um lutador, um vivo de fome, um faminto de amor e, no palco da vida, um ator. ...