Por acaso conheceu um curioso senhor indigente. Era um homem bem apanhado, apesar de seu velho e sujo traje, e a grande barba acinzentada. Era um homem que, ao expressar poucas palavras, demonstrou ser dono de distinta educação.
-Bom dia, meu rapaz.
-Bom dia!
-Por que estás aí parado, olhar-me?
-É que o senhor não parece ser das ruas.
-Ahaha... ninguém é das ruas.
-Como não?
-Hoje se diz que o 'morador de rua' é alguém 'em situação de rua'. Ao menos em termos de assistência social.
-E qual é a diferença?
-'Situação' é um termo que remete a 'passageiro'.
-Conheço muita gente que vive nas ruas até morrer...
-E eu não disse? É passageiro. Ahaha...
Para Renato, o senhor parecia, mesmo, um sujeito excêntrico.
-Alguns até conseguem um barraco onde morar...
-Ah, sim. Viver nas ruas é a condição passageira de quem não consegue pagar o aluguel, não é isso?
-Parece que sim. Vi muita gente vivendo nas ruas por falta de trabalho e dinheiro.
-Esse é mais um tópico da problemática capitalista, meu rapaz. As mazelas humanas não se restringem à falta de dinheiro. Veja quantos companheiros de rua estão aqui devido ao uso abusivo de drogas e álcool. São dependentes químicos.
-Como meu amigo Artur.
-Não cite nomes, meu rapaz. Pode ser deselegante. – Agora, o senhor apresentava na expressão, um ar solene.
-O senhor fala com tanta autoridade... Pode me dizer por que está aqui?
-É claro! Cheguei até aqui, por desgosto.
-Desgosto?
-Sim. Desilusão, meu caro.
-Posso perguntar o que houve, ou seria deselegante de minha parte?
-Acaso estás fazendo uma pesquisa social? Ahaha... - Outra vez gargalhou o senhor de olhos azuis, dentes bonitos e incompletos, e pele rosada de sol.
-Meu nome é Natanael Borges. E o seu?
-Renato. Posso fazer uma foto sua?
-Oh, sim. Será uma honra.
-O senhor é bonito. Parece um homem rico.
-Digamos que eu tenha sido um pobre homem rico e, hoje, eu seja um rico homem pobre. Trago a riqueza dentro de mim, onde ninguém pode tocar.
Por alguns segundos, apreciaram o silêncio musicado por ventos.
-Há tempos não sei o quanto do 'velho eu' ainda se reflete em minha imagem. Agora me vou, bom rapaz. O almoço já foi servido e, logo, será recolhido. Algum restaurante me dará um prato de comida. Desejo a você boa sorte.
-Boa sorte pra você também, Natanael.
-E não se esqueça, jamais, meu rapaz, de seu valor. Algumas condições podem ser circunstanciais. O mundo dá voltas!
Por horas pensou Renato no curioso depoimento daquele senhor. Seguiu refletindo sobre as volta que o mundo dá...
Sendo o mundo redondo,
Tal qual bola de futebol,
Ele gira e gira,
Enquanto Deuses o chutam daqui para lá,
De lá para cá.
O gol, quem o fará?
E se o goleiro segura a bola,
E ninguém repara que o jogo segue como está?
Para o mundo, e o jogo acaba,
Sem ter mudado o placar?
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O Catador de Sonhos
AdventureRenato, questionador nato, pobre de nascença, renascido, autor de seu renascimento. Um entre tantos descarados e desalmados pela esmagante multidão. Um sobrevivente, um lutador, um vivo de fome, um faminto de amor e, no palco da vida, um ator. ...