22 - O Diabo mora nessa Casa ..

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Depois de algumas centenas de metros do tráfego lento das dezoito horas, o carro da diocese parou em frente à mansão em estilo colonial, uma das últimas naquele bairro de comércio movimentado e ruas saturadas com prédios de mais de dez andares. A porta do carona se abriu, e logo o padre Daniel se aproximou do vestíbulo da casa. Olhou para o segundo andar, e de um quarto guardado por espessas cortinas emanava um piscar incessante de luz. Também ouviu gritos femininos, mas com voz grave, além do barulho de vidro quebrando contra a parede.

Nada que assustasse o sacerdote, integrante de uma das ordens menores da Igreja Católica havia cerca de vinte anos. Já vira de tudo um pouco nesse ofício de exorcista, exceto aquele a quem supostamente combatia. Sim, ao longo do tempo, padre Daniel se tornou cético quanto à existência do diabo. No mais das vezes, as pessoas que a ele recorriam estavam possuídas por problemas existenciais, psicológicos, psiquiátricos ou até mesmo físicos, como quando a mãe de uma menininha de cinco anos confundiu uma rara afecção cutânea no rosto da filha com uma possessão demoníaca. Mas o diabo, este ele nunca confrontara.

Não seria diferente agora com essa família, a quem chegara por intermédio de um certo Sr. Moreira, advogado criminalista e católico praticante. Os pais sofriam com os problemas de saúde da filha de treze anos havia muito tempo, mas na noite anterior o quadro se agravara. Ela passou a se contorcer na cama, mudou o tom de voz e, a todo momento que tentavam se aproximar dela, reagia de forma agressiva.Antes mesmo que pudesse soar a campainha, o outro filho do casal, um adolescente de dezessete anos, atordoado, com as mãos trêmulas e o olhar desvairado, veio ter com o padre à entrada.

"Ainda bem que o senhor chegou! Minha irmã tá possuída! Nos ajude, por favor!"

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"Foi um alívio quando o padre chegou. Eu estava no segundo andar, encostado à janela do quarto da minha irmã, quando levantei um pedaço da cortina e vi o carro se aproximando. Tomei coragem, atravessei o fogo dos infernos e desci correndo as escadas.

Ele devia ter quase uns cinquenta anos, um jeito de cara conservador, sério. Se fosse em outra situação, me daria medo, mas eu já estava morrendo de pavor. Entre o padre e o diabo, a escolha fica fácil.

Ninguém imagina que isso vai acontecer na própria família. Na verdade, há muito tempo que eu não considerava que tinha uma família. As coisas iam mal lá em casa. Meus pais estavam quase se separando. Minha irmã vivia tendo crises.

Desde pequeno que eu não gostava do meu pai. Ele bebia e batia muito em mim. Na escola, sempre fui um dos piores alunos, e ele me cobrava muito, queria que eu me destacasse. Não acho que era pro meu bem, não, mas só pra satisfazer o ego dele, pra aparecer pros amigos do hospital. A cada reprovação – e foram umas três –, ele me espancava.

Já a minha mãe era meu porto seguro. Ela me abraçava toda vez que me via chorando pelos cantos. Tinha a maior paciência pra me ensinar os deveres da escola. Eu amava minha mãe.

Tudo mudou quando eu tinha uns doze anos. Sei que ela também sofria com o gênio do meu pai, só que não é fácil descobrir que a sua mãe tem outro cara, que está enganando todo o mundo. Um dia, cheguei mais cedo da escola – tinha matado aula – e ouvi uma conversa dela no telefone com um amante. Mamãe estilhaçou a confiança que eu tinha nela.

Dali em diante, passei a sair direto da escola pra rua, com alguns colegas mais velhos. Foi um período de liberdade. Descobri a aventura, o sexo, as drogas... Ah, as drogas nunca me decepcionaram! Primeiro, a maconha; depois, a cocaína. E cada vez mais e mais euforia.

Só que depois vinha um período de depressão. E eu precisava de mais, mas depois de um tempo não tinha de onde tirar dinheiro. Furtei alguns reais de um comércio, fui parar na delegacia. Meu pai – muito legal o meu pai! – me liberou com a ajuda de um amigo advogado. E depois me recebeu em casa com o carinho habitual.

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