100 - A Espanhola

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A estrada de pista simples era famosa entre caminhoneiros e motoristas de ônibus por ser uma das mais perigosas e fatais do país. Naquele ponto a BR 020 era uma reta que parecia não ter fim, um caminho em direção ao horizonte no planalto, como uma flecha a rasgar o cerrado, partindo de Brasília até chegar a Fortaleza.

Ricardo Flores estava cansado. O vendedor de fertilizantes trabalhara o dia inteiro em Posse, interior de Goiás, onde morava há 1 ano com sua esposa Valéria, e saíra as 18h com destino ao povoado de Mozondó, próximo ao município de Catolândia, na Bahia, para visitar sua mãe, dona Jacira. Era a primeira vez que Ricardo visitava sua família desde que se mudara de Itumbiara para Passo, o que o deixava um pouco preocupado afinal não conhecia bem a estrada.

_Meu Deus, como esse lugar é longe -disse Ricardo em voz alta.

Apesar do cansaço, Ricardo gostava de viajar sozinho. Encontrava tempo para pensar na vida, ouvir música no rádio ou simplesmente ficar em silêncio. Era uma espécie de meditação para ele. Os quilômetros iam ficando para trás naquela reta sem fim chamada BR020 como se um transe hipnótico tomasse conta do motorista. Havia apenas um posto de combustíveis pelo caminho. Do posto em diante não havia mais nada nem ninguém, apenas a solidão do asfalto e a escuridão da noite que deitava sobre o imenso firmamento do cerrado como um lençol negro pontilhado por estrelas sonolentas. O posto era o último ponto de "civilização" pelos próximo duzentos e poucos quilômetros. Seria apenas Ricardo, a estrada, o céu e o cerrado.

O toca cd's do pálio azul de Ricardo estava quebrado e a ausência de cidades no caminho fez com que nenhuma rádio ressoasse por entre as caixas de som do carro, enchendo a viagem de silêncio e tédio. Silêncio e tédio.

Ricardo mantinha uma velocidade de 120km/h. Não havia carros na estrada, eventualmente cruzava com um caminhão. O caminho estava livre. Poderia ir mais rápido, porém a lembrança da morte de seu primo Marcelo em um acidente de carro há cinco anos o tornou mais cuidadoso desde então.

A altura do quilômetro 80 da longa reta da BR 020, o sono começou a rondar o motorista, que bocejava de quando em quando e dava pequenos tapas no rosto para afastar a vontade de dormir, quando notou algo estranho a sua frente.

Havia o que parecia ser a silhueta de uma pessoa no acostamento da pista a algumas centenas de metros. Ricardo diminuiu a velocidade e acendeu a luz alta do carro para enxergar melhor o que se tratava. Quanto mais se aproximava, mais percebia que sim, era mesmo uma pessoa. Mais perto, percebeu que era alguém que caminhava na mesma direção do carro.

Chegando bem perto viu que a pessoa usava um vestido vermelho, era uma mulher. Reduziu mais ainda a velocidade ao ultrapassar aquela estranha figura que caminhava tranquilamente na beira da pista e pode notar que era ruiva e estava descalça, olhou diretamente para seu rosto e seus olhares se cruzaram por um segundo.

Pensou em parar e oferecer carona, ou perguntar se ela precisava de algum tipo de ajuda, porém um cala frio percorreu sua espinha e sentiu medo. São tantas as notícias de violência, tantos assaltos, poderia ser uma armadilha de bandidos escondidos próximo ao acostamento, esperando o primeiro ingênuo que parasse para ajudar aquela mulher para assalta-lo ou fazerem coisa pior.

Com certo peso na consciência, voltou a acelerar o pálio, mas não sem deixar de olhar mais uma vez pelo retrovisor e ver aquela figura de vermelho ir diminuindo de tamanho até desaparecer na noite.

Quem seria essa mulher, se indagou. O que estaria fazendo na beira de uma estrada deserta como essa? E aquele vestido vermelho? Não era um vestido qualquer, ou algo que se usa no dia a dia. Para onde estaria indo? E por que estava andando descalça? Sua mente encheu-se de perguntas enquanto seu carro engolia os quilômetros da estrada.

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