Capítulo 08

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 O suor escorria em abundância pelo corpo esculpido de Samuel, enquanto ele flexionava os braços, se aproximando e afastando do chão. A música ensurdecedora tomava conta de todo o apartamento. Talvez, se ele não fosse quem era, os vizinhos reclamassem. Talvez.

Tinha ligado para Diana Siqueira à pouco mais de meia hora e um sentimento de culpa se aflorava em sua barriga. Ao contrário do que Ricardo teimava em afirmar, ainda lhe restavam alguns pontinhos de ética e autruismo para se preocupar com a garota.

Ele se sentia um sangue-suga.

Quinze mil reais - dizia o letreiro luminoso em sua cabeça.

É claro, para Ricardo era fácil falar. Ele via as mulheres como criaturas feitas especialmente para a diversão e contentamento dos homens. Não que exteriorizasse isso para quem quiser ouvir, mas demonstrava em todas as suas opiniões e ações corriqueiras.

- Você não deveria estar escrevendo?

A voz o pegou de surpresa e ele caiu no chão, assustado. Rita estava parada no portal do cômodo, gritando para que se fizesse ouvir com o som.

Sam pegou o controle e diminuiu o barulho.

- Como você entrou aqui? - Perguntou, enquanto pegava uma toalha e enxugava o corpo molhado.

- Querido, é a editora que banca esse apartamento. Eu poderia morar aqui se quisesse, você nem perceberia - Sam passou por ela e se encaminhou para a cozinha - E você deveria estar escrevendo!

Ele pegou um copo de água, enquanto a mulher se sentava nas banquetas do balcão e descansava sua bolsa no mármore branco.

- E você deveria ter mais o que fazer além de bancar o meu grilo falante.

Ela revirou os olhos.

- A editora está me ligando vinte e quatro horas, Sam. - Sua voz era suplicante e, ao mesmo tempo, materna. - Você tem só mais um mês! O material já devia estar em revisão e... Ah, pelo amor de Deus, apaga isso!

Samuel tinha acendido um cigarro. Mais por ter ciência da implicância que Rita tinha por tal hábito do que por real vontade de fumar.

- Você sabe quanto é uma multa de recisão? - Ela disse, colocando a manga da blusa sobre a boca e o nariz. - Você ia ter que vender boa parte dos seus luxos para pagar!

Sam não pode evitar uma pequena risada.

- Rita, se tudo der certo, logo logo eu terei dinheiro o suficiente para três multas de recisões.

Ela abaixou o braço e o encarou, de boca meio aberta. Talvez estivesse catatônica.

- Querido, você não está vendendo drogas, não é? Sabe, o meu irmão fazia isso e vai passar boa parte da vida dele na...

- Eu não estou vendendo drogas. - Sam interrompeu, farto de saber a história do irmão de Rita. Ele só estava na cadeia porque a mulher elegantemente sentada em sua cozinha e com a consciência leve como a de uma pomba havia se negado à pagar um advogado decente, mesmo limpando o rabo com dinheiro.- É algo completamente lícito, mas... Eu não posso contar. Tenho que preservar a identidade de minha cliente.

- É a mulher do telefonema, não é? - Rita estava com a curiosidade instigada, e seguiu Samuel quando ele saiu da cozinha sem olha-la - Eu sabia que era gente graúda! Sabia!

Sam não respondeu. Não pretendia contar aquela história para mais ninguém. Seu senso ético já estava suficientemente danificado no anonimato.

- Ok! Ok! Se você não quer me contar, tudo bem. Mas ao menos me passe alguns capítulos para que eu possa calar a boca da editora... - Ela estendeu a mão para Sam, como se aquilo fosse induzi-lo a fazer algo - Por favor, Sam, eu só estou te pedindo um esboço. Nada mais.

Ele suspirou. Entregar alguma coisa para Rita seria a única maneira de fazê-la calar a boca. Caminhou até a escrivaninha posta no fundo da sala e abriu a primeira gaveta, de onde tirou um maço de páginas. Estendeu a Rita, que veio soltando pequenos gritinhos e correndo o máximo que o salto lhe permitia, parecendo ter medo que o papel fugisse.

- Obrigada! Obrigada! Obrigada! - Disse, apanhando os papeis e beijando-lhe o rosto freneticamente - Minha J. K. Rowling!

Satisfeita com o que tinha recebido, marchou rapidamente até a porta do apartamento, já discando no celular os números que Samuel supunha ser da editora.

Parado, com a gaveta ainda aberta, analisou o envelope pardo que jazia, agora solicitário, contra o fundo de madeira. Ali estava a descrição que tinha feito de Diana Siqueira e, se ele quisesse receber seu dinheiro, ela deveria ficar ali para sempre.

Fechou a gaveta, se arrependendo mentalmente de ter entregue os capítulos prontos a Rita. Se nem Ricardo havia gostado, ela que não iria.

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