Capítulo 07

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 Apesar das grandes e pesadas cortinas de tons claros que cobriam as janelas do quarto, Diana raramente as fechava. Gostava de ver a luz do sol invadir o cômodo e avançar gradativamente por toda a sua extensão. Mas, naquela manhã, o dia estava nublado e os raios de luz pareciam um suspiro moribundo.

Diana levantou-se e tomou um demorado banho, com o celular repousado ao lado da banheira. O autor não tinha ligado ainda. Será possível que ele fosse tão tolo, a ponto de dizer "não" a uma proposta daquelas? Diana duvidava.

Quando saiu do banheiro e encaminhou-se para a cozinha, deparou com a silhueta esguia de Abel sob as loças da pia.

- Já não falei que não precisa usar essas roupas?

As roupas que o mordomo usava eram dignas de um suspense de Hitchcok, com direito a colete aveludado e gravata borboleta. Diana achava um exageiro no clima tropical do Brasil, mas na época em que seu pai era vivo Betânia o convencera que aquela era a melhor maneira de um mordomo se apresentar.

O prato que Abel segurava oscilou em suas mãos molhadas, devido ao sobresalto que teve.

- Senhorita Diana! - Disse com genuíno entusiasmo e excessiva formalidade - Me pegou de surpresa.

Ele enxugou a mãos em um pano de prato e se direcionou ao guarda-louças.

- Leite puro? - Perguntou distraidamente, enquanto apanhava uma chícara de porcelana.

Diana fez uma careta. A mera ideia de comer alguma coisa a apavorava. Abel percebeu a repulsa. Ele sempre percebia. Ergueu uma sobrancelha displicentemente e acrescentou.

- Tem Passa-tempo.

A garota sorriu e se sentou. Um pacote de Passa-tempo sempre lhe fazia mudar de ideia.

- Você sabe como conquistar uma garota, Abel.

Ele ignorou o comentário. Serviu o leite e os biscoitos e voltou aos seus afazeres.

Abel trabalhava na casa desde que Diana se lembrava. Ele sempre estava ali, como uma mão amiga. Durante a infância da garota, onde lhe faltava a mãe e o pai era ausente pelo trabalho, era Abel quem a levava para passear e lia para ela todos os dias. Era Abel que a ajudava no dever de casa. Um Mordomo-Babá. Sentira tanto a morte do patrão quanto a própria Diana, ela sabia disso. Agora, que manter uma casa daquelas proporções para que uma única pessoa morasse parecia absurdo, Diana se perguntava o que aconteceria com o mordomo se ela chegasse a vendê-la.

O telefone celular vibrou em cima da mesa. O número era desconhecido mas Diana tinha certeza de que sabia quem era. Engoliu mais que depressa a massa de biscoitos e leite que havia se formado em sua boca e atendeu a ligação.

- Diana Siqueira? Aqui é Sam... Samuel. - Disse uma voz clara do outro lado da ligação. Ela assentiu e ele continuou - Estive pensando sobre a proposta de emprego e acredito que irei aceitar. De todo modo, gostaria de marcar um encontro... Para discutir os detalhes...

Diana sorriu, sentindo-se triunfante.

- Claro. Hoje a tarde está bom para você? - Ela perguntou.

- Na verdade, eu pensei em fazermos algo hoje a noite. Posso passar em sua casa ás oito, se não tiver nenhuma objeção.

O pedido pegou Diana de surpresa. Na verdade, ela odiava sair a noite. Mas, de todo modo, era apenas um encontro de trabalho.

- Tudo bem, então. Te aguardo as oito.

Desligou, feliz em abandonar o tom de formalidade.

Com o smartphone ainda em mãos e ligado, o encarou por um minuto.

Ela não devia fazer isso.

Sabia que não

Era como um viciado ceder a uma droga.

Com um clique ágil, fez aquilo que estava resistindo à dois dias sem fazer. O facebook abriu, sedutor, e ela digitou hesitante o nome.

Caio Rodrigues

O perfil de sua última paixão platônica surgiu instantâneamente na tela, e Diana sentiu um pequeno alívio ao não ver mais que duas atualizações neutras sobre músicas.

Fechou-o tão rapidamente quanto o abriu, se repreendendo pelo crime praticado.

- Namorado novo? - Perguntou Abel, sem tirar os olhos de seus afazeres.

Diana demorou alguns segundos para entender que ele se referia à ligação.

- Arh... Não... é só um cara que tá trabalhando para mim.

Ela sabia que Abel não perguntaria mais nada. Não era de seu feitio ser curioso, mesmo que ela não se importasse em contar. Abel era a única pessoa fixa que sobrara em sua vida.

- Lembre-se que você tem que se encontrar com o gerente do banco hoje. Os negócios a esperam.

Seu tom era paternal e parecia entender o quanto aquilo seria doloroso para Diana. Ela concordou com a cabeça, nem um pouco ansiosa pela reunião.

Do jeito que eu souOnde histórias criam vida. Descubra agora