Capítulo 24

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Samuel estranhou quando uma sensação de vazio tomou conta de seu peito. Ele tinha acabado de sair do banho e fitava o corpo semi-nu no espelho embaçado.

Geralmente ele se sentiria feliz. Realizado. Oniponte. Mas não hoje.

Estava vazio.

Como um lindo frasco de perfume francês que, por mais ornamentado que fosse, sem o conteudo se tornava descartável.

Mas que sentimento era aquele? Sem dúvidas Samuel não o sentia a muito tempo.

E quando se deu conta do que era, veio o desespero em seguida.

Era saudade.

Saudade de Diana, que ele tinha visto a um dia atrás.

Ele justificou o próprio pensamento enquanto escolhia uma roupa. A garota estava constantemente em sua vida. Ele se acostumou com sua presença. Era normal sentir sua falta.

Provavelmente, todo hospedeiro sente falta de seu parasita quando este vai embora.

Mas Sam tinha sérias dúvidas de quem era o hospedeiro e quem era o parasita na história. Ele estava ludibriando a garota. Somente esperando seus quinze mil reais para cair fora de sua vida. Sam teria que agir rápido. Temia que a tia conseguisse os bens do falecido Siqueira e ele acabasse a ver navios. Tanto empenho para nada.

Não.

Seria crueldade falar que a garota não lhe dava "nada". Ela era gentil e lhe dedicava toda a sua atenção. Mas, certamente, para Samuel os quinze mil valiam mais do que isso.

A campainha tocou. Sam caminhou até o interfone e o atendeu, para a sua surpresa, uma voz feminina e rouca respondeu. Ele não acreditou no nome que ouviu.

Quando abriu a porta, deparou-se com uma figura trajada no mais fino vestido azul turquesa. Os braços e mãos enrugados denunciavam a idade, mas o rosto era tão esticado que a pela aparentava rasgar-se.

Betânia Siqueira sobresaltou-se ao se deparar com Sam.

- Agora eu vi porque vale quinze mil - Ela disse, analisando o homem de cima a baixo.

Sam ficou confuso.

- Desculpe, o que?

Betânia fez um gesto de "deixa pra lá" com a mão no ar e logo em seguida estendeu-a para Sam.

- Betânia Siqueira, tia da sua querida Diana.

Samuel apertou a mão sem muito gosto.

- Sim, eu sei quem é. Entre, por favor. - Disse educadamente, afastando-se da porta para permitir a entrada da mulher.

A dama esquadrinhou cada centímetro do apartamento em volta, antes de se sentar com admirável classe na poltrona.

- Aceita algo de beber? - Perguntou Sam.

- O que tiver de mais forte no seu bar, por favor.

Sam virou-se para a cozinha, impressionado com a petulância da mulher. Aquele tipo de petulância que somente se pode ser visto em pessoas acostumadas a ter tudo o que quer desde pequena. O tipo de petulâcia que era esperado encontrar em Diana. Ao menos as duas tinham o gosto por bebidas parecido.

Ele voltou com o copo de bebida da mulher. Ela pegou-a e tomou um gole.

- Conhaque? - Perguntou, satisfeita.

- O melhor de São Paulo. - Gavou-se Sam.

Ela assentiu e tomou outro gole.

- Aparentemente, literatura de quinta é um ramo muito promissor.

Sam encarou-a, sem saber muito bem como responder a ofensa.

- Bom, vamos direto aos negócios - Ela disse, pousando o copo de conhaque na mesa de centro - Eu te pago vinte mil reais para contar em tribunal o que minha querida sobrinha queria com você.

A mulher fitou-o com os olhos astutos de raposa, parecendo se divertir com a confusão dele.

- Como você...? - Começou Sam, mas a mulher respondeu antes que ele terminasse a pergunta.

- Querido, vale tudo quando se trata da terceira maior fortuna do país. Além do mais, um detetive particular não é tão caro assim.

Samuel estava boquiaberto.

- Você colocou alguém para me seguir?

A mulher riu ruidosamente e tomou o último gole do conhaque. Ela absorvia alcool como uma esponja.

- Claro que não, seu tolo! Porque eu faria isso? Coloquei alguém para seguir Diana e você foi só um golpe de sorte. Vinte mil. É um preço justo. - Sam começou a protestar mas ela impediu-o com um aceno de mão - Oh, por favor, não venha bancar o moralista. Ninguém acreditaria que alguém como você está com aquela garota insossa por amor. Por Deus, eu mesma tive vontade de afogar a criança quando a vi pela primeira vez.

Ela riu novamente, mas Sam estava sério. Aquilo era uma partida de xadrez e as apostas estavam bem altas.

- Mas se Diana ficar com a fortuna e eu continuar com ela, estarei lucrando muito mais que vinte mil reais. - Check.

A mulher ajeitou o vestido sob as pernas antes de responder.

- Eu tenho outros meios de provar que vocês dois estiveram juntos. O seu testemunho será apenas a cereja do bolo. Estou te dando a chance de sair desse jogo com alguma fatia porque nós dois sabemos que na situação atual, Diana não poderá lhe dar nada. - Check.

- Como assim, nada?

A mulher simulou surpresa. Sam não soube dizer se ela realmente estava surpresa ou não, já que seu rosto não tinha mais expressões do que um tijolo de argila.

- Ela não te contou? A herança está bloqueada até o fim do julgamento. Diana não pode tirar um centavo do patrimônio do pai e certamente ela não dorme com quinze mil debaixo do travesseiro. - Check Mate.

Samuel estava anestesiado. Não conseguia assimilar as palavras que a mulher sentada em sua sala acabara de dizer. Só tinha certeza de uma coisa: Precisava ficar sozinho e colocar os pensamentos em ordem. Levantou-se, induzindo Betânia a se levantar junto.

- Pensarei na sua proposta. Entro em contato quando tiver uma resposta.

Ela debruçou-se sobre o bloco de notas encontrado em cima da mesa de centro e rabiscou rapidamente um telefone.

- Tudo bem. Só não demore muito, nós dois sabemos sua resposta.

Sam encaminhou-se até a porta e abriu-a para amulher sair. Quando deixou o apartamento, ela tinha o ar triunfante de quemacabara de fazer a jogada certa.    

Do jeito que eu souOnde histórias criam vida. Descubra agora