Capítulo 06

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"Ela tem olhos espaçados e de cor castanha e neutra. A quase ausência de cílios não ajuda a destaca-los. Não parece sorrir a um bom tempo e não conota qualquer emoção. O cabelo preso para trás cadece de cuidados e deixa à mostra uma testa proeminente, com sobrancelhas bem feitas e desenhadas. O queixo é proeminente. Másculo demais. Mas transmite certo ar de superioridade que lhe cai bem. Os lábios são descolorados e espessos e o nariz é pequeno e arredondado. O rosto termina moldado por duas orelhas levemente inclinadas. No pescoço, uma fina corrente de prata parece separar o rosto de mulher de um corpo de criança. Talvez ocultas por uma má escolha de roupas, as curvas parecem inexistente. A figura, de modo geral, transmite a idéia de alguém que desistiu de si mesmo."

- Então, o que achou? - Perguntou Samuel, assim que Ricardo abaixou o papel impresso às pressas naquela tarde.

Estavam sentados em um banco de concreto, do lado de fora de uma lanchonete. Sam contara à Ricardo toda a exótica história ocorrida naquele dia. Ricardo olhou para Sam com um sorriso sincero no rosto, o que não julgava muito pois em seu rosto todos os sorrisos pareciam honestos.

- Samuca, meu velho... Se você entregar isso à garota, redija junto uma carta de suicídio. Assim faz valer o dinheiro.

Samuel sentiu a excitação se esvair e se pôs de pé, para acompanhar o amigo que já andava pela calçada.

- Ah, qual é! Ela queria que eu descrevesse o que eu via. Impossível ser mais fiel que isso!

- Você disse que o queixo dela é másculo.

Samuel se defendeu.

- E que isso lhe dava um ar de superioridade! É um elogio, não é?

Ricardo se deteve um minuto para encará-lo.

- O que lhe dá um ar de superioridade é sua conta bancária. Sinceramente, Sam, é preocupante... Acho que você perdeu o seu jeito de tratar as mulheres.

O homem acendeu um cigarro mentolado e estendeu o maço a Samuel, que aceitou de bom grado. O que Samuel gostava em Ricardo era justamente sua sinceridade ímpar, que fazia com que todos os seus manuscritos passassem primeiro pelo seu controle de qualidade. O que mais irritava atualmente, eram suas descrições do novo suspense como "um gigantesco balde de merda".

- O que você me sugere que faça então?

- Tente agradá-la - Respondeu Ricardo, fazendo a fumaça encaracolar pela luz do poste.

Sam lembrou-se do rosto sentado na sua frente no almoço daquele dia, bebendo vodka pura como um soldado russo de meia idade. Não pôde evitar uma careta.

- Ela não se parece o tipo de pessoa que agrada com algo. Além do mais, eu nem a conheço.

- Então conheça-a. - Disse Ricardo, como se apresentasse a localização óbvia do Santo Graal, e continuou ao ver a indignação estampada no rosto de Samuel - São quinze mil reais, Samuca! Quinze mil por uma folha de papel digitada. Saia com ela uma ou duas vezes, não custa nada. Descubra o que ela quer ouvir. Agrade-a. Até parece que você nunca fez isso com uma garota de graça.

Ele riu e Sam sorriu em resposta, pensativo. Depois de pouco mais que um minuto de silêncio, ele voltou a falar.

- Isso não é imoral ou... sei lá?

Ricardo lhe olhou com um olhar de falso condor, jogando fora a bituca de cigarro que bateu no chão de cimento, espalhando faíscas para os mais variados lados.

- Sam... Meu pequeno Sammy... É uma garota de 19 anos com baixa auto-estima e com quinze mil sobrando. Tire o fardo da fortuna de suas costas. - E ele terminou, com uma piscadela - Não se bate a porta quando a sorte está na soleira.

Do jeito que eu souOnde histórias criam vida. Descubra agora