Capítulo 16

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Já se faziam dois dias desde a desastrosa ida ao cinema quando Samuel começou a se preocupar.

Qualquer outra garota já teria ligado para ele naquela altura. Elas sempre ligavam!

Quando fechava os olhos, Sam via seus quinze mil reais criarem asas e voarem para longe de seus braços abertos.

Dois dias.

E ele já havia escrito cerca de 14 primeiros capítulos de histórias toscas que não se desenvolviam. Talvez pudesse juntar todos eles e dar o título de "14 Capítulos de Merda", mas Rita provavelmente não iria gostar.

Em outra opção ele devia começar a cogitar outras profissões. Terminar o curso de arquitetura e procurar um escritório fuleira onde começaria de baixo e com um pouco de sorte seria promovido a gerente em 10 ou 12 anos.

Não. Ele precisava descobrir o que Diana Siqueira queria ler, colocar em um papel, e ganhar mais tempo para escrever seu livro. É claro que ele conseguiria, era uma mente brilhante! Bloqueios criativos acontecem com qualquer um.

E foi se convencendo disso que ele pegou o iphone na mesa ao lado de sua cama e fez o que nunca havia feito antes: Retornou para uma garota.

- Diana? Fiquei esperando você me ligar... - Ele disse, querendo parecer não se importar.

A garota não respondeu de imediato. Aparentemente, não esperava receber a ligação.

- Não precisei - Ela disse, por fim - Você já tem material o suficiente para fazer o seu trabalho.

- Bem, eu discordo. Adoraria ter o prazer de sua companhia hoje a tarde. Nada de trabalho! - Ele acrescentou, quando ela fez menção de interrompe-lo - Só uma boa conversa de amigos.

A linha ficou muda novamente, o suficiente para Sam começar a imaginar se a ligação tinha caído.

- Tá bom. O que pensou em fazer? - Disse Diana.

- Hmm... Sorveteria? - Sam conhecia uma sorveteria com um belo visual, situada em uma praça um tanto quanto isoloda.

- Pode ser - A moça concordou - Qual o endereço?

Samuel protestou de prontidão.

- Nada disso! Dessa vez, faço questão de te buscar.

"Ser gentil" ele se lembrava mentalmente enquanto manobrava o carro na porta da casa de Diana e pressionava a buzina "Faça-a se apaixonar".

Ele vislumbrou seu reflexo no retrovisor interior somente para confirmar o que já sabia: Não seria nem um pouco difícil para a garota se apaixonar por ele.

Porem, quando Diana entrou no carro com um seco "oi" e Samuel a cumprimentou com um charmoso beijinho na bochecha, ele teve a impressão de beijar uma pedra de gelo. Diana estava fria. Permaneceu em silêncio por todo o trajeto de carro. Sam logo deduziu que ela estava na defensiva.

"Medo de se apaixonar?"

Provavelmente sim.

Sam começou a sentir pena, mas reprimiu-se. Eram negócios. Apenas negócios. Ele não deveria sentir nada, por mais digno que fosse.

- Flocos, morango, calda quente de chocolate e confeitos. - Pediu Diana ao sorveteiro, depois de passarem cerca de dez minutos analisando em um silêncio fúnebre o cardápio.

A sorveteria era montada em um quiosque de estilo colonial, no centro de uma pacífica praça de altas árvores mais velhas do que Sam. Parecia-se com um cenário de filme, o que dava a impressão de que estava deslocada perante a feiura da cidade.

- É um belo lugar. - Ressaltou Diana - Nunca tinha visto antes.

- Eu costumava vir aqui quando era criança. Meu pai me trazia quase todos os domingos. Morávamos aqui perto. - Explicou Sam.

- E onde está seu pai agora?

Samuel respirou fundo. Não que a lembrança lhe causasse qualquer emoção, mas seria bom fingir que sim.

- Ele morreu a uns cinco anos atrás e minha mãe voltou para a sua cidade natal. Não tenho falado muito com ela.

Diana assentiu, e Sam viu em seus olhos que ela lembrava dos próprios pais. O sorveteiro depositou as taças de vidro na frente de cada um e Sam começou a escavar seu próprio doce.

- Então, anda escrevendo algum novo livro? - Perguntou Diana, distraida com a refeição.

- Achei que você não era minha grande fã.

- Não sou - Ela disse, lançando-lhe um olhar frio - Estava tentando ser educada.

Ele arregalou os olhos.

- Touché. Não, não estou escrevendo nada. Estou passando por algo que chamamos no meio de "bloqueio criativo"...

Diana riu, como se a ideia lhe divertisse

- Você tá na merda, né?

Samuel encarou-a sério durante alguns segundos, antes de concordar com um aceno de cabeça, o que provocou um sorriso sincero no rosto da garota. Provavelmente o primeiro que ele tinha visto.

Sam aproveitou a brecha nos sentimentos de gelo da garota, arrastou a mão que não estava ocupada com a colher sobre a mesa e pousou-a em cima da mão de Diana. O efeito foi imediato. O sorriso congelou no rosto da moça e seu olhar foi controlado, encarando Samuel. - Samuel... - Ela começou, recolhendo a própria mão. - Não é certo. Você não sabe aonde está se metendo.

- Mas eu quero descobrir! - Disse Sam, transformando sua voz em um misto de empolgação e paixão.

A garota abandonou seu sorvete.

- Mas não deveria! Eu sou complicada e problemática! A coisa mais inteligente que você tem a fazer é manter distância! - Seu tom não trazia auto-piedade ou sinais de baixa estima, somente demonstrava alguém que alertava outra pessoa de um perigo muito grande. "Cuidado! Não engula isso, é plutônio!"

Sam esperou sabiamente alguns segundos, até que a expressão no rosto da garota se anuviasse.

- Esses detalhes... Essas suas informações pré-concebidas... - Ele disse - Deixa que eu descubro. Estou mais que disposto a me arriscar.


Do jeito que eu souOnde histórias criam vida. Descubra agora