♤Capítulo 10♤

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Ela estava correndo pelo quarto, estrelas voando entre as paredes, brilhando no rosto sorridente, enquanto o pequeno rato seguia seus passos, fingindo estar em uma perseguição frenética, mas nunca indo tão rápido que a menina não pudesse estar à alguns bons centímetros de distância.

A garotinha gritava feliz, ziguezagueando pelo piso de madeira, desviando de mais brinquedos do que seus dedinhos curtos eram capazes de contar, o cabelo branco brilhando entre aquele véu de escuridão que já não era mais tão denso, a lua minguante dançando perto de peito florido e enfeitado; nunca fora tão feliz.

- Pare, Alcaçuz! - Implorou a menina meio rindo meio resfolegando, os bracinhos finos balançando ao lado do corpo conforme corria, não inertes, apenas cansados, Sófia era uma criança que não sabia brincar. - Vou acabar pisando em você! - O ratinho preto parou então, vaidoso com os olhos vermelhos reluzentes, se afastando aos poucos da garotinha ofegante que se recuperava, encostando as costelas magras nas hastes do dossel, os babados do vestido rosado balançando com lufadas de ar, a tiara encrustada pendendo em sua cabeça, os pezinhos descalços se retorcendo enquanto ela tentava regular a respiração afetada.

Mas, mesmo cansada, Sófia ainda era uma criança, cheia de energia contida e curiosidade feroz, nem um minuto havia se passado e ela já desatara a correr em volta do quarto mais uma vez, girando os calcanhares e dançando desajeitada entre os passos infantis. Mas tudo bem, ela não precisava dançar como as bailarinas, se preocupar com certezas era dever dos adultos. O rosto branco adquiria um tom avermelhado conforme suas pernas de enrolavam, talvez o máximo de cor que sua pele teria, e sem prestar atenção, tentando ainda assim não pisar nos próprios brinquedos, acabou esbarrando em algo.

Sófia piscou os olhinhos inocentes para o ar gelado, percebendo que estava envolta em membros quentes, tateou com as mãozinhas pelo escuro, sentindo o tecido maquinetado, o couro, o linho, mesmo que não soubesse o que nenhum deles significava. Quando se virou, ainda com um sorriso esticado nos lábios, para seu príncipe encantado, viu que ele parecia sorrir também, não um dos sorrisos frios que ele costumava dar, esse alcançava os olhos dourados, o que o fazia parecer bem mais jovem, e bem menos monstruoso, mas ela também não sabia disso.

Jason piscou para sua garotinha, os cílios longos roçando nas pálpebras inferiores, se divertindo com sua inibição e espirituosidade. Se ao menos ela pudesse ficar assim para sempre, se ao menos pudesse jamais sair daquele quarto. - Cuidado, passarinho. - A garotinha se espichou ao ouvir o apelido, retorcendo os dedos dos pés. - Pode acabar quebrando uma asa desse jeito, é isso que quer? - Sófia olhou assustada para ele, os olhos tírios como ametista, como as penas de uma Columbina, vibrando de medo infantil. Jason riu, baixo, bem no fundo de sua garganta, rouco como o grasnar de um corvo, enquanto ajeitava uma Sófia revoltada nos braços, pondo-a deitada em seu peito, os joelhos fracos dobrados entre o couro das suas botas, um biquinho adorável adornando o rosto furioso.

Então, o monstro tratou de arrumar a tiara que caia dos cachos esbranquiçados, penteando os cabelos sedosos com os dedos esguios. - Fala como a mamãe, nunca posso fazer nada. - Não, não podia, Jason pensou. Era a criança perfeita, frágil demais para viver, impetuosa demais para aceitar morrer, sempre no caminho entre os dois mundos, se tremendo enquanto andava, mas nunca pendendo para nenhum lado; continuou arrumando-a, pondo a tiara no lugar. - Eu posso dar tudo o que quiser, passarinho, isso não é suficiente? - Era uma pergunta complexa para uma criança de 9 anos responder, mas ainda assim, Sófia parou de resmungar, pôs os pés - que antes balançavam rebeliosos -, no chão, ruminando uma resposta.

Ela abriu a boca uma vez, duas, mas antes de soltar as palavras, engolia-as de de volta, com Jason amanhando os babados de seu vestido, com os mesmos movimentos cuidadosos de quando pintava bocas e costurava retalhos. - Pode me dar tudo o que eu quiser? - Ela se espichou de novo, como um gato em cima de um muro, fincando as garrinhas afiadas em cerâmicas.

Tarde demais Jason percebeu que havia dado uma resposta perigosa. - Sim.

- Pode me dar liberdade?

Sófia não sentiu os dedos do seu amigo se tencionarem, nem viu os olhos escurecerem, sonhava acordada agora, vislumbrando calor e cores vibrantes. - Não, passarinho, não posso.

Os ombros da garotinha caíram, decepção era, de fato, algo pesado. Jason terminou de paparicá-la, pondo o último pedaço de tecido no lugar. Estava linda, linda como uma princesa russa, presa em uma torre durante uma tempestade de neve, e tão triste quanto uma.

Tristeza lhe caía bem, Jason ousaria dizer, porque enquanto ela estivesse triste, ele continuaria ali. Gostaria de dizer também que sentiu pena, mas estaria mentindo, gostaria de dizer que em algum lugar, lá no fundo, em um ponto escuro do seu coração, algo se retorcia, mas também seria mentira, porque, para todos os efeitos, ele não tinha coração, mas mesmo assim, ele à fez promessas, e era de se esperar que a consolasse, então a acomodou melhor em seu colo e levantou as mãos bem na frente de seus olhos, gesticulando como um mercador, brinquedos surgindo das pontas de seus dedos como mágica.

E Sófia, jovem como era, logo esqueceu da tristeza, absorvendo da luz que se ascendia e apagava, assistindo pequenas bonecas dançarem ao redor de trilhos de um trem furioso, vendo ursos e cavalos, sereias e fadas, animais com pernas articuladas que saltavam no ar como se fosse concreto.

É uma pena, realmente, que truques como esse não conseguiram a prender para sempre.

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Eu adoro fazer capítulos sobre a Sófia mais jovem, porque acho uma graça como ela não liga pra nada :') Estou sendo rápida dessa vez, acho que vou tirar uma folga, postei capítulos demais kaksks

Até mais!

Under The Sun • Jason The Toymaker •Onde histórias criam vida. Descubra agora