♡Capítulo 14♤

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Ele tinha um gosto amargo.

Essa foi a segunda coisa que pensei.

Algo forte como açafrão, salvia ou gengibre, mesmo whisky ou gin, não ruim, apenas diferente; esperava algo doce como caramelo, como o perfume que exalava dele todas as vezes em que eu chegava perto o suficiente. Mas a mistura dançava na minha boca, como especiarias dispostas em feiras lotadas, e eu não sabia dizer porque aquilo parecia refletir tão bem com o que ele era ou foi.

Assim como em nenhum momento, eu fui capaz de entender o porquê de ele estar fazendo aquilo; nem mesmo quando suas mãos viajaram do meu rosto à minha nuca com movimentos sutis, me puxando para mais perto, sempre para mais perto, até que não sobrasse espaço entre nossos corpos. Seus dedos se entrelaçavam entre meus cabelos, dançando tão próximas de pontos tão vitais meus. E eu estava tão despreparada, que se ele quisesse me matar com a facilidade de um estalar de dedos, aquela era a hora.

Mas ele não me matou.

Ao invés disso, insistia em me acariciar, o que, por alguma razão, parecia doer bem mais do que se, de fato, o tivesse tentado.

E eu estava horrorizada, aturdida, com as mãos tremendo enquanto pendiam ao lado do meu corpo; não ousei tocá-lo, nem mesmo fazer um movimento, com meus ouvidos zunindo tão alto que não era capaz de escutar o farfalhar das folhas, mas tampouco o parei. Memórias insistiam em piscar em minha cabeça como estrelas; me lembrava de rodopiar com um vestido rosado por um quarto banhado pelas luzes de um projetor, de braços gentis que me embalavam na calada da noite, de brinquedos coloridos que corriam pelo ar como se estivessem vivos, de uma risada frágil como vidro; ternura, ódio, hipocrisia, integridade, necessidade, coisas demais para falar ou expressar mesmo que com esforço, coisas demais para qualquer um ser capaz de entender, coisas que, francamente, nem eu entendia.

E então ele se afastou, devagar e imperturbável, a respiração quente batendo contra minha pele, os fios vermelhos caindo pelo seu rosto inexpressivo. Os olhos cálidos; amarelos, dourados, flavos, florescentes, fixados em mim, cerrados em quietude, como se nada tivesse acontecido. Se afastou, suas mãos que antes se recusavam a deixar meu rosto, descansavam em algum lugar entre o vão dos meus braços, ainda débeis e pendentes, mas ele sorriu, indecifrável dessa vez, e me soltou.

Me encontrei petrificada entre aquele campo. Completamente inquieta e perdida. Por um momento me senti tonta, minha visão estava se pintando de preto, pensei que se o vento batesse com mais força contra minha figura, tão mirrada e franzina, talvez caísse, mas eu apenas pisquei. Várias vezes. Os lábios antes entreabertos agora firmemente selados enquanto buscava fundo na minha mente o próximo passo a ser feito, tentando não me questionar sobre o que havia acontecido ou se era errado ou não.

Mas Jason, tão falsamente tranquilo como sempre foi, desviou os olhos do meu rosto por um instante, a cabeça mal se movendo enquanto olhava algo além de mim dentre o pasto. Eu, curiosa mais uma vez, contei alguns segundos antes de segui-lo, mas olhei também, me deparando com luz morna e brilhante.

Ah, o sol.

Por um momento havia me esquecido dele.

Não deveria, ele tem sido o epicentro do meu amor e ódio por mais tempo do que consigo lembrar.

Mas tudo era demais.

Emoções demais para eu poder suportar ou conter.

Minhas mãos já voltavam a demonstrar sinais de vida, os dedos se flexionando conforme observava o verde, o azul e o amarelo, aos poucos enterrando o que acabara de acontecer no fundo da minha mente, pensando em como as nuvens pareciam estonteantes tão próximas dele.

Me virei novamente para o criador de brinquedos, mas ele apenas manejou a cabeça, as sobrancelhas abertas em uma expressão remansa, como se dissesse "Vá em frente, o quê está esperando?"

Então eu fui, não conseguindo me manter firme por mais tempo, já dopada, meu coração acelerado, batendo, rítmico, como um rufar de tambores; estava eufórica, os olhos girando em várias direções, incapaz de me concentrar em um só ponto, e mesmo que de longe tudo parece levemente borrado, desatei a correr. Não fugindo, correndo como qualquer outra garota em campo florido, com meu vestido balançando com o vento, a grama ainda roçando nos meus calcanhares.

Aquela era a coisa que eu mais desejava, não eram os sapatos, nem mesmo um quarto colorido ou um par de vestidos. Eu queria meu lugar ao sol, como todos os outros.

E eu corri, corri e rolei entre a grama até que meu corpo fraco não aguentasse mais, até minhas costelas doessem e suor pingasse da ponta dos meus cabelos como água da chuva.

E aquele dia foi memorável para mim por muitas razões diferentes, entre elas, antes de tudo, fora porque Jason me levou a um lugar onde sol não é capaz de me machucar, em segundo, foi porque ele me beijou, e em terceiro, foi porque, aquela, foi a primeira de muitas noites em que sonhei com Amélia.

~~♤~~

- Tem que ir falar com ele, Amélia.

- Por quê? - Amélia não entendia, não mesmo. Balançou os pezinhos muito bem abotoados entre as sapatilhas, piscando os olhos para a professora, ansiosa.

Genevive por outro lado, parecia calma, a expressão mansa e as mãos entrelaçadas em cima da escrivaninha, que hora ou outra trocavam-se de posição os dedos, quase seguindo o compasso do relógio. - Ele precisa se enturmar com os colegas. Pobrezinho, você não vê? Sempre anda pelos cantos sozinho, às vezes se parece mais com uma sombra do que com uma criança. - Amélia se compadeceu com ele, de verdade, o fizera, o garotinho nunca falava com ninguém, era sempre o primeiro a chegar e o primeiro a ir embora. - E você é a única que pode me ajudar, Amélia. - Genevive sorriu com os cantos dos lábios, um sorriso tímido e um bater de cílios, parecia mais um charme do que natural. - É uma garotinha especial, muito gentil e educada, faria este favor para mim, não faria? - Outro bater de cílios.

Amélia se sentiu honrada, estufou o peito e firmou os pés no chão, com uma vontade de ajudar tanto a professora quanto o seu colega de turma. Sorriu para Genevive, um sorriso bobo com um dos dentes da frente faltando, mas decidido e amigável.

Iria dar tudo certo.

- Claro, professora, vou dar o meu melhor.

Genevive, aliviada, soltou as mãos e agarrou os braços da cadeira, se reclinando para trás, o tecido das saias farfalhando. - Obrigada, querida.

Amélia, por sua vez, fez uma pequena mesura, elegante como a de uma princesa, antes de esticar o pescoço para a janela do lado. Mal conseguia ver, seu pescoço era muito curto e a janela estava distante, mas foi capaz dr admirar com clareza um menino ruivo brincando com seus cavalos de madeira na grama.

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Opa, tudo bom? E aí? O que acharam? Teorias? O capítulo não está tão bom quanto eu gostaria, mas eu decidi postar ele assim mesmo, qualquer coisa depois eu modifico; enfim, obrigada pela atenção e até mais!

Under The Sun • Jason The Toymaker •Onde histórias criam vida. Descubra agora